quarta-feira, setembro 27, 2017

- o carteiro -

aialta*

ele - temos de falar.
eu - sim.
ele - como sabe, vou reformar-me no final do ano. Você era a única paciente que eu ainda atendia pois nestes últimos tempos tenho passado as consultas para a Dra. X.
eu - sim...
ele - como tem passado?
eu - bem.
ele - então o que fazemos? Passo-a para ela?
eu - Não. O que tinha ficado combinado, já na consulta de Junho ou Julho, era que esta seria a nossa - a minha, para falar a verdade - última consulta.
ele - Veja lá, se sentir que precisa posso passar o seu processo para ela.
eu - Não, claro que não! Para falar do quê?
ele - Foi isso que eu pensei.
eu - Tenho pena que se vá reformar.
ele - Eu não! Há tantas coisas que quero fazer e às quais não me dedico por causa da psiquiatria. Não nasci psiquiatra e acho que não devo morrer psiquiatra.
eu - Veja lá, não fique deprimido! Ainda me vai entrar aí numa anorexia ou coisa que o valha!
ele - Acho que não...
eu - bom, então é agora que nos despedimos...
ele - sim..., mas sabe que sempre que necessitar de alguma coisa, pode contactar-me.
eu - caramba, foram vinte anos. Quer dizer... quase vinte.
ele - posso ir ver ao computador.
eu - não... foi há tanto tempo que os processos ainda eram em papel.
ele - ...
eu - ...
ele - então... agradeço-lhe...
eu - não, eu é que lhe agradeço. sabe que isto tudo, estas nossas consultas podiam ter corrido muito mal.
ele - pois podiam. e você deu luta!
eu - fui uma anorética aplicada!
ele - ...
eu - agradeço-lhe a ajuda, o facto de nunca ter feito disto uma lamechice, o bom humor e até o lado educativo destas vindas aqui.
ele - sabe que não tenho muito jeito para ouvir essas coisas... mas também lhe agradeço por ter tornado estas consultas mais interessantes, inteligentes e até criativas.
eu - também não tenho muito jeito para ouvir essas coisas...
ele - ...
eu - bom, eu vou indo para a porta...
ele - adeus.
eu - adeus.

* a alta