terça-feira, dezembro 27, 2016

- o carteiro -



















Van Gogh
Fifteen Sunflowers in a Vase
1888
National Gallery, Londres

uma amiga explicava-me a saída com um tipo quando disse: "entrei no carro do X e soube de imediato que não queria sair com ele: o tipo ouvia George Michael." Eu calei-me, mas não me devia ter calado, porque, tenho de ser sincera, eu gostava do George Michael. assim como nunca reneguei a minha paixão pelas músicas da Madonna, nem mesmo naquela fase do Erótica, dos soutiens em cone e das mamocas à mostra, não devia ter renegado o meu apreço pelo George Michael. É que de facto, devo-lhe muito.

A minha primeira vez com o George Michael foi através do caderno da escola da Bárbara. Era um caderno para treinarmos a caligrafia e na capa (ou no verso, não sei bem. agora que penso nisso, talvez fosse no verso) tinha uma fotografia dele no tempo dos Wham!. Eu e a Bábara - que éramos companheiras de carteira - lambuzávamos a fotografia com beijos de tulicreme e leite com chocolate, daquele que distribuíam à hora do lanche. Nessa altura já ouvíamos duas coisas dos Wham!: o Wake Me Up Before You Go-Go (com o George Michael em calções de lycra e meia branca e que depois teve uma versão dos Ministars ou dos OndaChoc) cujo refrão era:

Quero dançar na discoteca
Como eu danço no meu quarto
Quero curtir na discoteca
Cá em casa já estou farto

Tem que se dizer que nessa altura eu achava que dançar na discoteca devia ser o máximo. Agora abomino discotecas e a música sem letra (sem letra, só clássica e pouco mais) e os seus nomes como Discoteca Kafka, Zigurate Disco, YDisco. Tem mesmo ar de local onde os wanna-be's vão fazer presença para ganharem tostão para as plásticas. 

A outra música dos Wham! era o Careless Whisper que eu e a Bárbara ouvíamos no quarto dela enquanto sonhávamos com namorados, beijinhos nas bochechas e mãos dadas.
Devo ao George Michael o meu primeiro slow, dançado na festa de anos da Bárbara, no jardim de casa dela, com o Miguel que tinha uma perna com parafusos e não a dobrava. Estávamos ali os dois abraçados, sem olhar um para o outro, a baloiçar como copos teimosos. Era o One More Try. Não fazíamos ideia do que a música queria dizer e que era mais apropriada para chorar males del corázon do que para o engate. Mas o que a gente dançava ao som daquilo...

As músicas do George Michael não acompanharam tanto a minha adolescência quanto a minha infância, mas lembro-me de gravar em VHS os dois vídeos dele de que mais gostava: Freedom e o Too Funky. Aquilo era sofisticado, tinha bom som, mulheres bonitas, libertação sexual (já desde o Father Figure) com traços de sado-maso, fantasias sexuais, mas sempre com bom gosto... E vinha na senda de uma aproximação da música à moda, ou vice-versa, notória no uso de modelos, nas colecções de Outono de 1991 e 1992 da casa Versace, da ligação INXS - Helena Christensen, Axel Rose - Stephanie Seymour... Nessa cassete VHS havia também Cream e Get Off do Prince que eu adorava, Something Got me Started dos Simply Red e Suicide Blond dos INXS... Só coisas boas. Não me levem a mal: tenho uma costela kinky, pirosa, confesso. Gosto de ovos de Fabergé, famílias reais em decadência, salas âmbar. E gostava muito destas coisas todas que embora pops e mainstream, me faziam dançar. E ainda hoje fazem. Quando chego a casa, coloco o Freedom e ouço essa música enquanto me preparo para o banho, onde acabo por dançar e cantar a mesma.

E mesmo quando já se achava que ele não conseguia fazer mais nada, que estava perdido após o escândalo sexual, o homem levantou-se com um vídeo provocador que fala tanto de sexo em locais públicos como dos voyeurs e falsos moralistas, isto sem deixar de piscar o olho ao YMCA, hino gay dos Village People.

Posso arrepender-me deste post (nem é apanágio do belogue fazer elogios fúnebres e além disso é fácil sublimar alguém depois da morte), de ter revelado o meu lado mais piroso, mas as alegrias, danças e lip-sync que estas músicas me deram, merecem que eu saia do armário.