segunda-feira, dezembro 26, 2016

- ars longa, vita brevis -
hipócrates

"antes e depois" ou como "nunca pensei que o Manet fosse a Margarida Rebelo Pinto da pintura".  bem, esta frase é um pouco sensacionalista e foge à verdade. Não se pode comparar um artista como o Manet com uma wanna-be como a Margarida Rebelo Pinto. Mas há uns tempos começou a circular na blogosfera uma notícia acerca do auto-plágio da Margarida Rebelo Pinto. Ao que parece, a Guida tinha repetido ideias ou frases em diferentes livros da sua autoria. O Manet levou a gracinha mais longe: introduziu a personagem de um dos seus quadros, numa outra obra, mudando o contexto. No primeiro caso, temos o homem de chapéu alto e capa castanha, sentado e com uma garrafa vazia aos seus pés. O título: o bebedor de absinto. Uns anos mais tarde, Manet pega neste homem, retira-lhe a garrafa que lhe confere individualidade e coloca-o, como anónimo, no quadro "O velho músico" que é também um trabalho de referências intrincado. Veja-se o caso das crianças à esquerda, muito semelhantes ao grupo de crianças, também à esquerda da composição nos quadros de Le Nain: La Halte du Cavalier e La Charrette (neste caso as crianças estão em cima, à direita). E esta paráfrase, este uso dos grandes mestres (Le Nain talvez não fosse um grande mestre, mas Rubens era e Manet parafraseou-o, bem como parafraseou, para este quadro, Velazquez), não é feito como se Manet procurasse neles inspiração. Ele percebe a importância dos grandes mestres, mas o que ele diz é que é como eles. Eles servem, com as suas obras, propósitos muito específicos do pintor francês, mas não são essenciais, nem as obras sugadas, já que em alguns casos Manet é mais literal do que em outros. O Déjeuner sur L'herbe, por exemplo: tem Ticiano, tem Giorgione e tem Marcantoni Raimondi. À excepção deste último, quase não notamos os outros dois: a paráfrase foi pensada; muito bem pensada. Manet chegou mesmo a brincar com estas referências aos grandes mestres dizendo, em relação ao bebedor de absinto, que havia tentado fazer um tipo parisiense, desta representação de Velazquez, mas as pessoas aparentemente não perceberam. Remata dizendo "talvez fosse melhor ter feito um tipo espanhol". Manet reconhece que o "tipo espanhol" já existe e esse tipo não é um bebedor de absinto. Será um bebedor de outra coisa, mas não de absinto. Ou seja: os grandes mestres existem, têm o seu lugar e o seu universo, por melhor que seja, não deve ser aplicado sem critério à pintura moderna.


















 Edouard Manet
The absinthe drinker
1858-1859















Edouard Manet
The old musician
1862
National Gallery of Art, Washington















Edouard Manet
The old musician
1862
National Gallery of Art, Washington