quinta-feira, novembro 17, 2016


- o carteiro -

o pelicano e a borboleta

nem sei bem como começar isto, porque não tem um começo. vou falar de bancos. o meu banco é o Novo Banco. "Meu", é como quem diz... Vou lá com alguma frequência para tratar das minhas inúmeras aplicações financeiras (estou a brincar). Quando enterraram o BES e desencantaram esta denominação "Novo Banco", pensei logo: "pronto, lá vão eles fazer asneira". E de facto fizeram. Não sei se repararam, mas o símbolo do Novo Banco é uma borboleta. Ora, toda a gente sabe que as borboletas têm um tempo de vida muito limitado, de cerca de um mês. Haveria mesmo necessidade de conotar um banco acabado de nascer, com um insecto que morre passado trinta dias de nascer? Mais: "borboleta" é, em grego, psyche e alma. Não há nada de mais imaterial que a alma. E nada de mais material que uma instituição bancária. É verdade que a borboleta passa por um processo de metamorfose: começa larva e acaba... borboleta, mas a borboleta morre pouco tempo de pois de nascer! Na realidade símbolo do Novo Banco deveria ser a Fénix, a ave mitológica que nasce das cinzas e não a borboleta. Mas era provável que os chineses transformassem a Fénix em "Galinha Flita".
Num destes dias entrei no balcão do Novo Banco na Avenida dos Aliados, enchi-me de coragem e perguntei à menina:
- sei que esta pergunta é estranha, mas por favor não pense que sou louca... o que lhe queria perguntar era há quanto tempo estava aqui o Novo Banco. O que é que era antes de ser Novo Banco?
Ao que parece, o banco está ali há mais de 90 anos: antes como BES, depois como Novo Banco. A minha pergunta tinha uma razão de ser. Na entrada há duas portas que têm esculpidos os doze trabalhos de Hércules. Para quem não sabe, os doze trabalhos de Hércules são uma referência mitológica: Hércules, o deus feio e defeituoso dos romanos, teve de levar a cabo doze trabalhos impossíveis (trabalhos hercúleos!), para aplacar a raiva dos outros deuses. Mas então lá estava eu a olhar para as portas, com gente a entrar, a sair - provavelmente a pensar que eu estava a estudar a melhor forma de assaltar o banco - quando percebi que ali só estavam oito dos doze trabalhos: quatro de um lado da porta, quatro de outro. faltam mais quatro e não consigo perceber o que lhes teria acontecido pois obviamente a porta não tem espaço para mais representações de Hércules. Sempre que passo por lá fico a olhar, como um boi para um palácio, e a perguntar-me:
- mas onde é que está o resto?



















































Faltam as representações dos 4 trabalhos seguintes:
- Limpar os currais do rei Aúgias
- Castigar Diomedes
- Vencer as Amazonas
- Matar o gigante Gerião

Quase em frente, também na Avenida dos Aliados, há um outro  banco onde entro com frequência:  o Montepio. A imagem do Montepio sempre me suscitou admiração: ao contrário dos outros bancos que escolhem como logo o próprio nome, uma letra do nome, um conjunto de letras ou um símbolo mais ou menos abstracto (excepção para o centauro e a flor), o Montepio escolheu um figurativo. Não sei se já repararam, mas o símbolo do Montepio é uma ave. Esta ave não é uma ave qualquer. É uma ave mítica: o pelicano que se bica a para alimentar os filhos com o seu sangue. É também o símbolo das misericórdias, do dar não o que se tem, mas o que se é. Não sei se o Montepio é um grande banco, mas como imagem, parece-me ser mais convincente que a borboleta. 























Francesco de Mura
Charity
1743-1744
The Art Institute, Chicago

Continuo a interrogar-me onde estarão os 4 trabalhos de Hércules em falta...

7 Comments:

Anonymous pedro b. said...

existe uma gralha no texto: "que se bica a si próprio". Ou: "que bica o seu próprio peito".
Mas eu penso que o pelicano, na iconografia cristã, simbolizava o próprio Cristo ( para além das misericórdias e dos Monte-pios, os primeiros bancos ou aliás 'caixas', ligados à igreja):
"The pelican was believed to pierce its own breast with its beak and feed its young of its blood. It became a symbol of Christ sacrificing himself for man – and because of this was frequently represented in Christian art."
---Mas na verdade eu li isto uma vez num livro do U. Eco, O Signo. Eco citava o pelicano que fere o próprio peito como exemplo de um 'símbolo' e não de um 'ícone'.

18/11/16 1:36 da tarde  
Anonymous pedro b. said...

A história do pelicano encontra-se nos bestiários medievais, mas não sei qual a origem exacta (Plínio, o Velho?). Entretanto encontrei esta outra informação na wikipédia:
[The] hymn by Saint Thomas Aquinas, "Adoro te devote" or "Humbly We Adore Thee", where in the penultimate verse he describes Christ as the "loving divine pelican, able to provide nourishment from his breast".
Mas o artigo da wikipédia diz ainda mais. Parece que o pelicano passou a simbolizar a eucaristia e, por isso, a festa do Corpus Christi que celebra o milagre da transubstanciação (e que ganhou nova importância durante a Contra-Reforma):
(…) the pelican came to symbolise the Passion of Jesus and the Eucharist, and usurped the image of the lamb and the flag.
(…) [It] became linked to the medieval religious feast of Corpus Christi. The universities of Oxford and Cambridge each have colleges named for the religious festival nearest the dates of their establishment, and both Corpus Christi College, Cambridge, and Corpus Christi College, Oxford, feature pelicans on their coats of arms.

18/11/16 1:58 da tarde  
Anonymous pedro b. said...

Afinal parece que Plínio refere o pelicano, mas não a lenda das bicadas e do sangue. Segundo este site, o primeiro a mencioná-la teria sido Isidoro de Sevilha, no séc. VII.

(Etymologies, Book 12, 7:26): The pelican is an Egyption bird that lives in the solitude of the river Nile. Its is said [Isidore expresses some doubt here] that she kills her offspring and grieves for them for three days, then wounds herself and sheds her blood to revive her sons.
http://bestiary.ca/beasts/beast244.htm

18/11/16 2:05 da tarde  
Blogger Belogue said...

Olá professor, boa noite

Sim, existe um pleonasmo: se se bica, é ao próprio. É como dizer "na minha opinião pessoal". Vou corrigir.

Não me interessa tanto a Fénix, mas antes saber onde estão os quatro "trabalhos de Hércules" em falta.

Quanto ao Eco, deixe-me contar-lhe uma história: uma vez estava numa aula sua, com a Ana e o professor falou da Poética de Aristóteles e da questão da legitimidade do riso n'"O Nome da Rosa" do Eco... No intervalo eu e a Ana fomos a correr à biblioteca ver se encontrávamos a "Poética". Acho que não encontrámos (aqueles computadores ainda deviam funcionar com MS-DOS), mas lemos, nos dias seguintes, "O Nome da Rosa".

Era isso...

18/11/16 11:14 da tarde  
Anonymous pedro b. said...

Ainda bem que procuraram a 'Poética' e não o segundo livro, a 'Comédia', que não existe...
Em relação aos trabalhos de Hércules: é evidente que os 4 trabalhos que faltam estão na terceira porta. 4 + 4 + 4 = 12
(se quiser saber onde está a 3.ª porta só tem que ir ao banco perguntar. Não foi lá perguntar há quantos anos é que eles ali estavam? Bem, esta nova pergunta parece-me de idêntico calibre. Talvez lhe respondam que a terceira porta pertence ao passado: estava numa entrada que depois foi emparedada; ou que continua onde sempre esteve, na passagem p/ os escritórios do "chefe" [presidente do conselho de administração], ao fundo do corredor no segundo andar; ou que está no futuro - inscrita no projecto original, mas ainda à espera).

20/11/16 3:56 da tarde  
Anonymous pedro bessa said...

Ah, e acerca da 'gralha' não se trata de pleonasmo. Eu é que julguei que faltam ali palavras:
"É uma ave mítica: o pelicano que se bica a para alimentar os filhos".
Pensei que a Beluga tinha querido escrever: "...o pelicano que se bica a si próprio para..."
Beluga, gralha, pelicano... são tudo animais, apenas o pleonasmo destoa. Será que podemos inventar uma iconografia e uma genealogia para esta nova criatura nos bestiários da Idade Média? (Pseudobestiários, naturalmente; uma coisa assim do tipo J. K. Rowling, Fantastic Beasts and Where to Find Them). Mas era preciso tempo - aquilo que sempre nos falta.
bjs,

20/11/16 4:08 da tarde  
Blogger Belogue said...

Caro professor:

Final da Poética: "Falámos, pois, da tragédia e da epopeia, delas mesmas e das suas espécies e partes, número e diferenças dessas partes, das causas pelas quais resulta boa ou má a poesia, das críticas e respectivas soluções. Dos jambos e da comédia................" (Edição Imprensa Nacional - Casa da Moeda).

Não me parece que alguém saiba responder à pergunta "onde estão?" e nem é uma "obra" que mereça atenção, pelo menos enquanto trabalho artístico: enuqnato tal, é pobre. Não são, definitivamente, as portas do Ghiberti para o baptistério de Florença... Talvez tenham derretido a porta para fazer dinheiro ou talvez os quatro trabalhos em falta sejam mais difíceis de representar. Pelo menos foi essa a primeira explicação que consegui dar a mim própria.

Sabe onde estão e onde se encontram as bestas fantásticas - talvez não as da JK Rowling, mas as actuais? Na Casa Branca. Quanto mais leio acerca disso, mais medo tenho desses animais. [sabe uma coisa? uma das minhas mega-ideias para fazer ao longo de uma vida era escrever uma nova - e totalmente inventada - história da arte. Também poderia ser um bestiário, mas confesso que tenho pouca paciência para essa coisa do fantástico. nem literatura fantástica, nem cinema...]

bem, até breve!

21/11/16 10:17 da tarde  

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