quarta-feira, setembro 07, 2016

- o carteiro -


saiu a lista dos melhores filmes do século XXI; ou seja, a lista dos melhores filmes da primeira década do século XXI. Felizmente, ainda faltam mais nove décadas para o século terminar e possivelmente - é pelo menos o meu desejo - outros filmes virão, filmes esses que destronarão o Mulholland Drive do primeiro lugar. é... bem, nem sei o que dizer acerca da colocação do Mulholland Drive no topo da lista. e a comparação com o Citizen Kane... enfim, só mesmo para proto-geeks. O "meu" filme, o filme que para mim ficaria no primeiro lugar, nem aparece. Tem realização do Hanneke e a Isabelle Hupert como professora de piano fria, sádica e masoquista. Que mais pode uma pessoa pedir? é um murro no estômago, mas é um belíssimo filme. belíssimo no sentido de "muito bom".

Felizmente o In the mood for love (ou em português, Disponível para Amar) surge em 2º lugar! chorei quando vi este filme. chorei como uma menina de 12 anos. foi a música, foi a história... a história é simples: dois casais alugam quarto na casa de um outro casal mais idoso. Isto passa-se no Japão, nos anos 60. Aos poucos descobrem que os seus parceiros os traem um com o outro. É quando os traídos se juntam. quando digo "se juntam" não estou a dizer que dormem juntos. aliás, isso distingue-os dos seus companheiros e é isso que eles alimentam e que os mantém juntos. eles acreditam que não são como os seus companheiros porque não concretizam, não materializam o sentimento. mas quando no final ele lhe diz o que sente por ela, toda essa certeza se desfaz. eles percebem que se tornaram como o marido e como a mulher que os traíam. pressionados por uma sociedade conservadora - e pelos planos sempre apertados em que se movem (os interiores japoneses são já de si apertados e esta ideia é corroborada com os planos em escadas, corredores, janelas...), separam-se.













esta cena é a cena final do filme, quando ele se desloca até um buraco na parede do templo e deposita aí o seu segredo. provavelmente o segredo teria a ver com saudade, amor, solidão.

mas isto tudo para escrever sobre um outro filme, o filme que muitos citam, mas poucos viram (até porque são três horas de cinema neo-realista) é do Visconti, como não podia deixar de ser. Até tenho receio de escrever sobre um filme e uma personalidade de quem os críticos e iluminados já tudo disseram. O Visconti era um aristocrata: a família Visconti está na formação do reino de Milão. Ele dedicou-se ao cinema, como se dedicou ao teatro e foi bom nas duas áreas. realizou o meu muito amado "Morte em Veneza" que já me levou a escrever este post e este, bem como "Violência e Paixão "e claro, "O Leopardo". "O Leopardo", tal como outros filmes de Visconti, fala da família.

[Um pequeno parêntesis: Visconti adorava a obra de Thomas Mann. Adaptou "José e seus irmãos" ("Rocco e os seus irmãos"), a "Morte em Veneza", claro, e tinha planos para adaptar "Os Buddenbrook" e "Mário e o Mágico". Num dia, em conversa com Mann, Visconti conta-lhe qual a sua ideia para a adptação para cinema ou teatro (penso que foi para teatro) de "Mário e o Mágico". Visconti, muito pálido, fala, discorre, enquanto Mann o ouve. No final Mann, diz-lhe: "eu também tenho pensado muito nessa adaptação e a minha seria igual à sua". Visconti recupera a cor...]

Neste caso, de uma família nobre na Sicília do século XIX, com todas as convulsões na passagem do território dos Bourbon para os Sabóia, a ascensão da burguesia ao poder e o desaparecimento da velha ordem. Quem cita o filme, cita sempre a célebre frase do Príncipe Salinas: "é necessário que se façam revoluções para que tudo fique na mesma"; ou seja, é um pouco o que acontece n' "A Grande Ilusão" do Renoir (de quem Visconti foi aprendiz): a velha ordem, o antigo regime desaparece e quem desejar sobreviver terá de saber viver e conviver com a nova ordem. esta nova ordem que chega pelo meio de armas, vidas, traições e associações duvidosas, embora muito revolucionária e barulhenta, seguirá o mesmo rumo que a antiga e tudo ficará como está. Ou seja, os que se seguem no poder fazem sempre o mesmo que os seus antecessores. Ao Príncipe Salinas restava apenas jogar com os seus trunfos: o título. Casa por isso o sobrinho - um jovem nobre que se associa aos revoltosos, mas não hesita em abandonar a causa consoante o seu interesse - com a filha de um burguês, partidário da Itália unida, avarento, sem títulos e que vê neste casamento a forma de ascender socialmente. faz-se uma troca honesta: Salinas dá à filha de Sedara a possibilidade de se tornar uma condessa e Sedara dá ao sobrinho de Salinas - e à família em si - mais posse de terra.

No filme, a cena do baile é pungente e talvez a mais importante (a par da cena do jantar de apresentação): Salinas, que vê a juventude e a nova ordem tomarem conta da Sicília que tanto ama, que vê esta nova geração a desfigurar as tradições e as convenções, sente-se a envelhecer. A dança que concede a Angélica - a filha de Sedara e com quem o sobrinho casará - marca essa passagem de testemunho. Convém dizer que a valsa que ambos dançam, da autoria de Verdi, havia sido encontrada por um assistente de Visconti num mercado em segunda mão, ou coisa que o valha... O Palácio onde esta cena é filmada existe mesmo. Chama-se Palazzo Valguarnera-Gangi e pasme-se, tem no chão no local onde uma das cenas foi filmada, um leopardo em ladrilho!
















 (esqueçam aquela figura que está a entrar de caso verde, ali do lado esquerdo)



1 Comments:

Anonymous ana said...

lembro-me de ter ido ver in the mood for love ao cinema. lembro-me de ter adorado, tanto que gastei algum do meu parco dinheiro à época na aquisição do cd da banda sonora original. lembro-me que não me lembro de nada do filme - só de vagas imagens, reminiscências de ambientes, cores, diria quase até cheiros e sabores. mas da história, nada. obrigada por me lembrares ;)

8/9/16 9:55 da manhã  

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