terça-feira, fevereiro 09, 2016

- ars longa, vita brevis -
Hipócrates

olá. estou um bocadinho doente. desculpem se isto não é grande coisa. dói-me muito o corpo, mesmo muito.
vamos aqui a um antes e depois ou "como eu não percebo muito bem qual é o antes e o depois. não gosto do Chirico, confesso. as imagens que hoje deixo aqui não são um antes e depois declarado, mas vemos numas qualquer coisa das outras. ora bem: vocês sabem que muita da arquitectura fascista usa como modelo o grande período da antiguidade romana, em que Roma era império. A arquitectura alemã usava os modelos romanos (colunatas, grandes cenografias, edifícios com frontão...), a arquitectura do período de Mussolini, mais ainda pois afinal tratava-se de recuperar a grandeza de Roma,... em Roma. Mas, no fundo, tanto a Alemanha como a Itália procuravam recuperar, reavivar igualmente um outro período da história, aquele em que o Homem começou a questionar as imposições da Igreja através dos factos da ciência. Falo do Renascimento, claro está. A cidade ideal do Renascimento tem praças largas, edifícios no estilo romano, efeitos de perspectiva. Usa a decoração do pavimento para orientar o nosso olhar para o que é importante: uma estátuas equestre, um edifício ao fundo, o estatuto do lugar... Vejamos esta imagem de cidade ideal do renascimento de Fra Carneval










Fra Carneval
Cidade ideal
1480-1484

E agora, vejam se as paisagens assombradas do Chirico não têm semelhanças com a cidade ideal de Fra Carneval e com o Palazzo della Civiltà Italiana, iniciado em 1935 por Mussolini, construído em 1937 e com o propósito de receber a representação italiana na Exposição Mundial de 1942:

 De Chirico
Turin Spring
1914
Colecção Privada
 
  
De Chirico
Italian plaza with equestrian statue
 

Palazzo della Civiltà Italiana
1936
Roma
 
 Muita da melhor arquitectura fascista italiana deve algo a De Chirico. Este edifício, por exemplo, é apenas um exemplo no conjunto chamado EUR idealizado por Mussolini. Esta área, deveria ser quase como uma nova cidade, capaz de estar a par da grandeza da Roma dos antecessores de Mussolini. O nome EUR é o acrónimo de Exposição Universal de Roma, a tal que já referi. A exposição nunca chegou a realizar-se: primeiro foi atrasada devido à eclosão da II Guerra Mundial; depois abandonada devido à queda de Mussolini. Por isso, o projecto do Duce também acabou por não ser concluído, pelo menos não nos moldes programados. Hoje funcionam naqueles quarteirões de edifícios brancos, instituições de crédito, empresas conhecidas como a Fendi (que ocupa agora este Palazzo della Civiltà Italiana). À volta, os empresários acabaram por construir moradias esta parte da cidade de Roma tem a sua vida. Mas esta é, como os quadros de De Chirico, uma realidade assombrada, onde praticamente não se vê gente na rua; as ruas são inóspitas, sem alívios arquitectónicos para o estio, com a sobre tirada a régua e esquadro. 
 
Penso que não existe nenhuma relação entre o De Chirico e o regime de Mussolini. Mas é curiosa como a sua cidade pintada anos antes do projecto para o EUR resultou tão bem: temos a mesma sensação de mal-estar, de sinistro, de antagónico, de fantasmagórico.
 
beijos, vou ver se estas dores passam.