terça-feira, novembro 24, 2015

- ars longa, vita brevis -
hipócrates


Olá ISIS. Então que tal? A vida como vai?
Escrevo-te para te dizer que estou muito desiludida contigo. Vocês não têm aí alguém que estude as coisas? Já que vais atacar o teus inimigo, o infiel, convém que saibas onde atacá-lo. Pois eu não sei onde é que vocês se informam, se só sabem de Kalashnikovs e bombas, mas convinha que começassem a ter formação a sério para poderem atacar com propriedade. Não é chegar a um bar, colocar uma bomba e pronto. E se é dia de descanso do pessoal? É preciso saber e vocês, desculpa que te diga, não sabem. Primeiro que tudo, se era para fazer uma viagem e perder o episódio da novela, tinham saído na primeira sexta-feira do mês e não na segunda. Porquê? Porque é na primeira sexta-feira do mês que em Notre Dame se mostra a coroa de espinhos de Jesus. Tinhas era de ir à missa. Mas se já rezas cinco vezes ao dia, mais uma não fazia mal. Sim, há uma relíquia que é a coroa de espinhos de Jesus e está em Notre Dame. Foi o rei Luís IX (mais tarde santo) que foi buscá-la a Constantinopla e entrou com ela na cidade de Paris, descalço, vê lá tu! Até há uma imagem disso nos vitrais da capela que ele mandou construir. O tipo era um bocado beato, para dizer a verdade! Não achas?














Coroa de espinhos
Notre Dame, Paris

Bom, espinhos já não há. Na realidade, chamar-lhe coroa de espinhos, é um exagero, porque o que aquilo é, é um entrançado de palhinha dentro de um relicário de vidro. O rei retirou-lhe os espinhos e distribuiu-os por esse mundo fora. Posso dar-te conta do paradeiro de dois desses espinhos: Londres, British Museum. Não te metas com eles! São malta da pesada!

Um dos espinhos está neste lindo relicário do Duque de Berry (não vale a pena pensares em matá-lo porque ele já está morto). O relicário é uma história: diz-nos que ressuscitamos dos mortos (os mortos em baixo a sair das sepulturas) e ascendemos à vida eterna (Deus no topo), através do sofrimento (o espinho, no meio, em evidência) e com a ajuda dos apóstolos (12, seis de cada lado). Depois é também uma peça de joalharia com rubis (sangue de Cristo) e pérolas (Nossa Senhora) e duas safiras, a representarem o céu, o imaterial. O que vês em baixo é parte das armas do duque. Quem pode, pode!


















Relicário (espinho da coroa de espinhos)
c. 1400
British Museum, Londres



















Relicário (espinho da coroa de espinhos) - pormenor do espinho
c. 1400
British Museum, Londres
















Relicário (espinho da coroa de espinhos) - pormenor de armas do Duque de Berry
c. 1400
British Museum, Londres


O outro espinho está num relicário, também no British Museum, que é a coisinha mais linda que eu já vi. Encontra-se dentro de uma pedra que por seu turno está presa a uma pulseira. A pedra, uma ametista, está dividida em três partes, e abre quando retiramos o fecho das duas laterais. Na frente temos uma minúscula pintura de Maria com o Menino no colo e em baixo, um casal ajoelhado (crê-se que o relicário pertencia à família de Filipe VI e mulher, Joana de Borgonha que teve alguma dificuldade em dar à luz o primeiro filho homem capaz de vingar). Do outro lado vemos mais cenas da vida de Cristo como a Fuga para o Egipto e a Circuncisão ou a Apresentação no Templo, já não sei. Do outro lado encontram-se cenas da Crucificação e da Descida da Cruz. Mas se retirarmos uma parte móvel, lá está, o espinho que muito deve ter incomodado Jesus.






























































Relicário (espinho da coroa de espinhos) 
c. 1340
British Museum, Londres


ISIS, pá, "induca-te". 
Com muito amor e carinho da tua, b.