segunda-feira, setembro 21, 2015

- o carteiro -

e o Homem criou Deus... (V)

Não obstante todas as discussões em torno da Trindade, alguns membros da comunidade cristã prosseguiram a sua vida naquilo que, segundo acreditavam era a herança de Jesus. Os monges e ermitas que habitavam sobre altas pedras (os estilitas) tentavam, através da solidão, do jejum, da oração e da abstinência sexual, assemelharem-se a Cristo. ("Monge" significa pessoa única, única pessoa.) Este movimento monástico surgiu no século IV, como oposição ao poder instalado e elitista da Igreja hierarquizada. Um dos nomes mais conhecidos do monasticismo desta época foi Santo Antão, fundador do movimento ascético e radical na sua busca por Deus. A atitude de Santo Antão perante a vida fez com que muitos os seguissem, o que por sua vez deu origem à formação de mosteiros, principalmente na parte mais oriental do Império. Os mosteiros, formados por homens que abandonaram a vida marital, a vida mundana, a vida urbana, levantavam algumas questões: era a sexualidade má já que estava nos antípodas desta vida monástica? era ela incompatível com a pureza? Quem melhor personificou esta luta entre o corpo e o espírito foi Santo Agostinho que, antes de se tornar religioso, levou uma vida dissoluta. Santo Agostinho, conseguia por isso equilibrar uma vivência e outra. Como intelectual que era, estudou o gnosticismo, Platão a religião persa, etc e incutiu nas mentes cristãs a ideia de castidade. 
Nesta altura as partes ocidental e oriental do império separam-se; desta feita Roma deixa de ser, no século V, o centro do Império, uma vez que a capital é movida para Constantinopla por Constantino. Roma entra então num período de declínio, de negligência, de tal forma que as tribos germânicas conseguem chegar até à antiga capital do Império. Godos, Suevos, Francos, Alanos... todos se acercam de Roma à medida que o povo e as legiões se deslocam para Constantinopla. Tudo culminou com a entrada dos Visigodos na cidade, acompanhada pela chacina de milhares de pessoas. Entretanto, e como vimos, o império passou a ser quase dois: a parte ocidental do império falava latim e a parte oriental falava grego; a parte ocidental tinha um líder religioso (à data que aqui interessa, 448, esse líder era Leão I, eleito bispo de Roma), e a parte oriental tinha um outro. Ora Leão I não concorda com a existência de dois líderes religiosos, enquanto o imperador, a viver em Constantinopla, achava que isso era o mais correcto. Vai daí, e numa atitude desafiadora, Leão I auto-intitula-se, Papa. A palavra Papa já existia, mas não era usada para os papas da Igreja Católica. Era antes o termo que os primeiros cristãos africanos davam aos seus líderes religiosos. Em Roma não existia um Papa; o que existia era um bispo, como nas outras províncias romanas, mas nenhum tinha primazia sobre a outra. Ora, se Leão I puxava a brasa à sua sardinha, o bispo de Constantinopla não lhe ficava atrás e replicava, ante as exigência de Leão I em ser líder espiritual do império, que ele teria mais legitimidade para o ser, uma vez que estava em Constantinopla e aí era onde estava, também, o imperador. Leão I insiste que Roma deve ser a sede do Cristianismo. Como do outro lado o bispo de Constantinopla não desarma, Leão acaba por provocar a cisão definitiva na prática e teoria religiosa do império. É nessa altura que Leão I enfrenta outro desafio. Em 452, as tropas de Átila, o Huno, estão às portas da cidade de Roma e acampam lá, prontos a saquear a cidade. Nessa altura, o papa Leão I dirige-se a Átila e dissuade-o, muito provavelmente, com ameaças de castigos divinos e forma de pestes, fome, morte e claro, errância da alma após a morte. Verdadeira ou não, esta história mostra que a grande força de Roma não está nas legiões (corruptas, deslocalizadas e desfalcadas), mas num novo e maior poder: o Papado.

5 Comments:

Anonymous pedro b. said...

Olá beluga,

Não é “elitistas”, mas sim estilitas (do grego stýlos, ou stûlos, «coluna»; já estilete, estilo e estilismo derivam do latim stilu-, «ponteiro afiado para escrever em tabuinhas enceradas»). Chamavam-se assim por viverem no cimo de colunas de pedra. O mais famoso de todos foi Simeão, o Estilita (c. 388 – 459). Aliás, existiram dois com o mesmo nome:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Sime%C3%A3o_Estilita,_o_Antigo
https://pt.wikipedia.org/wiki/Sime%C3%A3o_Estilita,_o_Mo%C3%A7o

A história de como Simeão se foi exercitando no “estilit-ismo” (é difícil não nos enganarmos e escrever “estilismo”) é um pouco cómica: “Foi adoptando cada vez colunas mais elevadas, tendo a última onde viveria durante trinta anos (entre 429-459) dezassete metros de altura. O que era necessário à sobrevivência era levado através de uma escada.” Parece quase uma biografia daqueles artistas de circo, os equilibristas. Desde pequeninos que se vão exercitando no arame, de cada vez com as cordas suspensas de uma altura mais elevada, até atingirem os dez metros de altura.
Uma sobrevivência desta prática (dos ascetas-estilitas, não dos funambulo-equilibristas) encontra-se nos mosteiros gregos dos Metéora, incrustados no alto de pilares de rocha de arenito, hoje património mundial da UNESCO e atracção turística.

p.s.: na verdade existiu ainda um terceiro Simeão Estilita - este só reconhecido pelas igrejas ortodoxa e copta -, mas o assunto é um pouco embaraçoso. Parece que Deus o castigou pela sua soberba (o ascetismo, querer ser melhor que os outros, ser quase igual a deus, pode ser uma forma de soberba): Zeus enviou o seu raio e o pobre foi esturricado, reduzido a cinzas lá no alto do pilar!
https://en.wikipedia.org/wiki/Simeon_Stylites_III

Bom, esperemos que deus não me castigue também a mim, por estar para aqui a escrever estas coisas.
beijos,
pedro b.

23/9/15 11:23 da manhã  
Blogger Belogue said...

Tem razão, mas acredite que foi um erro. Sei o que é estilista desde os 8 anos, altura em que queria ser uma. Vou corrigir.

Sabe que - não tenho a certeza - não é permitida a entrada de mulheres nesses mosteiros gregos? (Entrada no sentido de visita).

Foi Deus que castigou o terceiro simeão, mas zeus é que enviou o raio?

Não se preocupe: se Deus for realmente aquilo que dizem, estará ocupado com coisas como a crise dos refugiados, a guerra na síria, o estado islâmico. A menos que ele tenha agentes infiltrados.

Beijinho, obrigada pela correção e até breve (acho que o professor é a única pessoa que realmente lê os posts)

24/9/15 8:59 da manhã  
Anonymous pedro b. said...


olá beluga,
pare de levar tudo tão a sério!
Em relação aos estilitas-estilistas, eu percebi que foi uma gralha, estava a brincar. (aliás, acho que a gralha era "elitistas", agora já não sei porque foi corrigido... Falei dos estilistas porque, eu próprio, enganei-me a escrever várias vezes. Até pensei que a raiz etimológica fosse a mesma, mas afinal não).

Zeus enviou o raio porque o mais apropriado é que fosse esse deus a fazê-lo, não? (já agora, zeus e deus são, esses sim, etimologicamente relacionados). Era também um trocadilho, uma piada (um pouco seca, reconheço).
Sobre os Meteora: estive lá, há muitos anos e as mulheres podiam visitar os mosteiros, que agora têm escadas. Havia muitos turistas mas os monges geralmente não se mostravam. Os homens eram obrigados a usar calças (podiam vestir-se calças fato-de-treino por cima dos calções) e as mulheres saia (também se vestiam umas saias rodadas, por cima dos calções ou das calças). Um pouco como no Vaticano.

Onde não podem (ou não podiam) entrar mulheres era no Monte Athos. Noutros tempos nem sequer podiam entrar fêmeas de qualquer espécie animal: cabras, ovelhas, etc. -para não causar pensamentos pecaminosos nos monges.
Claro que por "pensamentos pecaminosos" nós pensámos logo em sexo: os monges a copular com cabras e ovelhas. Mas não era isso que eles queriam dizer. Simplesmente achavam-se especialmente piedosos se nunca olhassem para uma mulher ou para uma fêmea animal. Os hassidim também têm um voto qualquer em que podem escolher nunca olhar para uma mulher (ou é para uma virgem? já não sei bem). Enfim, a religião tem destes paradoxos. Ia dizer “contrassensos” mas na verdade, se virmos bem, existe um padrão. As mulheres são discriminadas, na religião como na sociedade. As relações de género são relações de poder.

24/9/15 11:47 da tarde  
Blogger Belogue said...

Olá professor, bom dia.
Sim, tem razão, levo as coisas muito a sério e como consequência, sinto um cansaço constante. Estou sempre a tentar prever todas as situações e corrigir aquelas em que a minha previsão correu mal.

Tem também toda a razão: é no Monte Atos que não deixam entrar fêmeas (na altura, quando li ou ouvi essa notícia, não falavam em fêmeas, mas apenas mulheres, o que é uma pena...). Sendo assim, gostava de tentar Sumela, o mosteiro de Sumela, na Turquia. Tenho aliás uma paixão assolapada pela Turquia, Grécia, Arménia, Israel, Jordânia, síria (para um lado) e Líbia (para o outro). ..

Voltando à questão das mulheres; conhece as burneshas (ou bruneshas, já nem sei onde meter o "r"? São mulheres de zonas rurais da Albânia que, face à escassez de homens, assumem o papel deles, vestindo-se como homens.

Bem, vou embora. Vou tentar postar este fim de semana, mas está difícil.... beijinho, b.

25/9/15 9:10 da manhã  
Anonymous pedro b. said...

olá,
Sim, conheço as burneshas (ou burrneshas, parece que se pode escrever das duas maneiras), mas não conhecia por esse nome. Em inglês diz-se às vezes "sworn virgins". Por coincidência falamos desse assunto na aula de 6.ª feira, e eu disse que actualmente já não existiam - estive agora a verificar e afinal parece que vou ter de corrigir essa informação. Obrigado por trazer trazido aqui esse assunto.
bjs,
pedro b.

27/9/15 11:08 da tarde  

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