domingo, dezembro 28, 2014

- o carteiro -

coisas do mundo da arte
de há uns anos a esta parte, felizmente, tenho-me "movido nos corredores do poder". estou a brincar. de há uns anos a esta parte tenho tido a possibilidade (e daí o "felizmente") de trabalhar no "mundo da arte". muitas aspas, é verdade, pois isto sem aspas fica bastante piroso. pois é assim, trabalho sim senhor nesse mundo. e como é que as coisas vão? de mal a pior.

em Portugal o "mundo da arte" nunca esteve bem: mesmo quando nos anos 80, 90, havia dinheiro para dar e para vender, não havia uma consciência artística, uma estratégia. Depois da entrada na ida CEE e daquilo que se lhe seguiu (Europália, Lisboa Capital Europeia da Cultura, Expo 98, Porto Capital Europeia da Cultura) a coisa estagnou. E não foi só a crise de 2008. ora vamos lá ver:
a) Não há, no nosso país, uma verdadeira colecção pública de arte portuguesa contemporânea. Instituições como Serralves (não propriamente pública, mas com capacidade de aceder ao grande público) deveria estar a criar uma colecção de arte nacional, mas na realidade o dinheiro recebido da secretaria de Estado tem sido utilizado mais para promover artistas iranianos, sírios, palestinianos..., naquilo que pode ser entendido de duas formas: ou é uma herança do tempo que a actual directora dedicou a Abu Dhabi ou uma preparação para lá voltar pós-Serralves. Seja como for, não há essa grande colecção de arte portuguesa contemporânea. pode argumentar-se com alguns museus de arte contemporânea. mas serão museus ou centros de arte? e são-no de arte nacional (a coleção berardo não é direccionada para a arte portuguesa)? e os museus como o do Chiado? é exemplificativo daquilo que é a arte contemporânea no nosso país? a resposta a todas as questões é "não". porquê? porque há uma grande disseminação da arte nacional. Nos idos anos 80, 90, muita gente comprou arte porque dava prestígio, porque havia dinheiro, porque sim... o dinheiro circulava sem falar; ou seja, sem facturas, sem rasto... até ao caso BES, e não obstante a crise de 2008, o mercado, pelo menos o primário, foi vivendo. o caso BES desenhou uma linha indelével no mercado de arte nacional. Mas voltemos à grande colecção de arte contemporânea nacional. Como estava a dizer as coleções estão disseminadas. Houve há algum tempo uma tentativa de criar no Porto, junto ao Norteshopping um complexo que iria funcionar como grande armazém para albergar colecções de arte (não sei se apenas de coleccionadores nacionais ou também estrangeiros, nem se de arte nacional ou internacional ou as duas), mas a ideia não seguiu. Ouvi dizer que por "dor de cotovelo" de Lisboa. Não sei... sei é que a megalomania é o nosso pequeno "guilty pleasure" e que, como não podia deixar de ser, o projecto arquitectónico escolhido correspondia à proposta mais cara que se apresentou a concurso.
b) Serralves, como foi dito anteriormente, é quando muito um centro de exposições já que, apesar de possuir um acervo, o mesmo não é usado para constituir uma colecção permanente. O modelo de Serralves, muito elogiado, não é bem como o pintam: o voluntariado é incentivado e é tido pela entidade como uma forma de ascensão social para quem o faz. Enquanto existirem "tias" que o fazem, Serralves não formará a sua equipa. Um exemplo: há uns anos Serralves pediu à equipa que estava na recepção, que constituísse uma empresa. Isto ficaria mais barato para Serralves do que inserir esses trabalhadores nos seus quadros. Pedia-lhes assim que se tornassem empresários deles mesmos. Os trabalhadores, pagos a recibos verdes, opuseram-se à ideia e foram despedidos. Depois Serralves contratou uma empresa que prestasse os mesmos serviços que os anteriores colaboradores prestavam. Não sou pelo emprego nine-to-five, de nalga sentadinha, mas acho que quando uma instituição, ainda mais uma instituição com responsabilidades dentro do universo artístico - que é por si avesso às injustiças e preconceitos (pelo menos era) - o faz, não pode em seguida deixar passar para cá para fora um lamento infundado quanto à não existência de uma geração mais nova capaz de ir aos poucos rendendo a antiga. foi o que ouvi por aí...
c) apesar da troika e da crise, o mercado de arte não se ressentiu efectivamente até Julho/Agosto de 2014 quando o caso BES veio para os jornais. Esta foi sem dúvida "a" machadada, pelo menos no que diz respeito ao mercado primário (galerias). Se até aí muitas empresas e particulares compravam arte no mercado primário, com o conhecimento do caso BES, as empresas deixaram de adquirir arte no nosso país. quando o fazem, preferem fazê-lo lá fora. note-se que actualmente, e por causa dos Mirós, uma obra de arte não pode sair do país sem que seja pedida autorização à Secretaria de Estado da Cultura. As vantagens de comprar fora do país são evidentes: se não é necessário avisar ninguém, não é necessário declarar, fiscalmente falando. já os particulares, deixaram de adquirir arte no mercado primário, preferindo fazê-lo no mercado secundário (leiloeiras). As leiloeiras têm sido as principais beneficiadas com o efeito BES/crise/troika, já que muitas das pessoas que agora se vêem em apuros, foram outrora possuidoras de obras de arte. pessoas que compraram por 10, esperando um dia poder fazer dinheiro, vendendo por duas ou três vezes mais, vendem agora ao desbarato peças com maior ou menor valor sentimental e monetário. Para as leiloeiras é indiferente: mesmo que vendam a 5, acabam sempre por ganhar, mesmo que a percentagem seja mais baixa. Surgem então a leilão peças de grandes nomes que de outra forma nunca apareceriam a preços tão baixos. Por esta razão os coleccionadores acabam por comprar no mercado secundário, já que no primário os grandes nomes não apresentam obra nova (ou já morreram ou não estão com saúde para produzir obra nova).
d) o caso da colecção Berardo também devia fazer pensar sobre a forma como as dotações financeiras do Estado são gastas: durante quase 10 anos o Estado contribuiu com uma verba anual de 250 mil euros para a aquisição de novas peças por parte da colecção Berardo. foi este o acordo feito entre o Estado e o comendador em 2007: o fundo de aquisições era formado por 500 mil euros do Estado e 500 mil euros do comendador/associação da coleção Joe Berardo. O Estado cedia-lhe também o espaço do CCB e a possibilidade de durante 10 anos (até 2017), mostrar a sua colecção e valorizá-la (um espaço público valorizou durante 7 uma coleção privada...). tinha como prerrogativa a possibilidade e prioridade na aquisição da coleccção. mas a montanha pariu um rato. Berardo endividou-se junto da banca contraindo um empréstimo bancário para a aquisição de acções do BCP. como garantia deu 75% da colecção. sendo que a maior fatia dos empréstimos foi dada pela CGD e que Berardo ficou a perder com o negócio já que as acções desvalorizaram,  a coleção, ou parte dela já é do Estado. No entanto, o secretário de Estado diz que este não vai adquirir - a percentagem em falta - da coleção, avaliada em 316 milhões de euros, mas que muitos especialistas dizem valer muito menos. é verdade que a colecção tem grandes nomes e é verdade que o número de visitantes do CCB aumentou muitíssimo desde que a coleção lá se encontra. mas quer isso dizer que a colecção é boa? e a sua presença nesse espaço não impede a realização de outras exposições?
e) o mercado de arte nacional é paroquial: os que vendem conhecem-se, atraiçoam-se, enganam-se e depois fingem que nada aconteceu; os que compram têm "mais olhos que barriga" e fazem-no como investimento financeiro (muitas vezes sem ter lido uma linha do autor a adquirir) ou snobismo.

vou para dentro

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Verdade, extinto o Instituto de Arte Contemporânea, morreu a ideia de criar a colecção nacional. Infelizmente, pessoas com a visão do Fernando Calhau são cada vez menos e não estão para se dedicar à causa pública como o próprio o fez, seria até interessante saber por onde param as obras que o mesmo promoveu a adquisição e talvez abanasse o "meio" se se expusesse este acervo sob a chancela daquele qu foi o seu promotor.
Na equação, não se falou da Gulbenkian, espero que pelas melhores razões, a ideia que tenho é que a Isabel Carlos tem feito o seu caminho, ainda de de forma discreta.

29/12/14 2:35 da tarde  
Blogger Belogue said...

Olá

Pois... não falei da Gulbenkian. Mas costuma dizer-se que "no news are good news". Acho que era o Churchil que dizia. Se calhar Churchil é com dois "l's". A Gulbenkian é - ou pelo menos era até cerca de 2004/2005 com a extinção da Companhia de Bailado - uma espécie de Ministério da Cultura, fazendo o que este não fazia. E continua a ser já que a programação não é elitista, não se limita a mostrar a própria colecção (consegue reinventá-la, o que mostra que esta está bem estudada) e tem uma ação abrangente.

Acho igualmente apreciável o esforço que o Museu Nacional de Arte Antiga tem feito no sentido de ter boas exposições, embora para ser sincera, a exposição de obras do Museu do Prado tenha sabido a "restos de coleção".

"Bou" pra dentro. Boa noite

30/12/14 12:34 da manhã  

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