domingo, dezembro 28, 2014

- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou "não sei muito sobre o Joseph Beuys. sei menos ainda sobre o Cattelan. mas vou falar o que sei sobre o Beuys. a maior parte das pessoas não gosta da obra do Beuys. pelo menos a maior parte das pessoas que conheço e com quem falo destas coisas artísticas. a primeira vez que tive contacto com a obra dele não foi através dos livros. se foi, não a reconheci enquanto obra. a primeira vez foi ao "vivo e a cores"; foi uma experiência táctil. tinha uma fotografia disso, vou ver se a encontro. ora bem, como estava a dizer, a primeira vez foi no museu pompidou (que eu confundo sempre com a madame de pompadour!). entrámos numa divisão completamente acolchoada e forrada a feltro preto ou cinzento escuro. e a nossa primeira reacção foi roçarmo-nos no feltro, nas paredes. depois fizemos uma coisa: posicionamo-nos na entrada da sala, começámos a correr e atiramo-nos para as paredes. acho que esta foi a melhor introdução à obra de Beuys. pelo menos a sua criação em feltro. ela provocou em nós aquilo para que tinha sido criada: segurança, conforto, calor. 
dizem que Beuys é o maior artista alemão pós segunda guerra mundial por causa da carga mediática das suas obras e por nelas estar presente muito da sua identidade. E que identidade é esta? esta identidade está envolta numa história: dizem que Beuys era piloto da Luftwaffe na segunda guerra mundial quando o avião que pilotava se despenhou. o que se conta daqui para a frente está envolto em lenda e serviu tanto para a criação da sua persona artística como da sua obra. a "lenda" diz que Beuys foi apanhado numa tempestade de neve quando sobrevoava a Crimeia em 1943. os seus colegas deram-no como morto, não pensando que sobreviveria naquelas condições climáticas e, provavelmente, físicas. mas Beuys sobreviveu e, segundo ele, graças aos cuidados de tártaros nómadas que cuidaram dele cobrindo-o com camadas de gordura animal e feltro, aumentando assim a sua temperatura corporal. (não sei porquê, mas acho que já vi isto em qualquer lado. num filme ou outra coisa assim). Seja esta história real ou não, a mesma acabou por se tornar chave para a iconografia do artista. Em 1947 Beuys entra para a Academia de arte de Dusseldorf, mas só em 49 é que a noção, a ideia de trauma começa a estar patente na sua obra. com o fim da guerra a Alemanha começa a viver uma fase ascética que está presente na obra de Beuys, juntamente com uma espiritualidade própria que se baseava muito na mitologia nórdica ( no papel dado aos animais na sua obra), na oposição entre o material e o espiritual (o que em Nietzsche era o dionisíaco e o apolíneo) e também na ideia de transcendência materializada através do uso de gordura (a gordura muda de estado quando exposta ao calor ou ao frio). nesta obra de Beuys o que vejo presente - mas isso é uma ideia minha - é por um lado essa ideia de transcendência e por outro de conforto e segurança. transcendência pois com o fato temos uma espécie de cobertura para algo físico e também algo imaterial que já não está lá, como se se tratasse de uma cobra que larga a pele. conforto e segurança porque o fato, não obstante ser uma peça formal, tem um aspecto confortável, cosy. não é aqui um símbolo de autoridade com os ombros caídos e o corte largo. é no entanto levado a sério, algo que não acontece com o trabalho de Cattelan que para além de ser mais pequeno que o de Beuys, contém toda a tradição da obra desse artista. temos de ver esta obra de cattelan juntamente com uma outra. também em 2000 cattelan apresentou a obra "La rivoluzione siamo noi" ("a revolução somos nós"), baseada numa obra do mesmo nome de Beuys. só que enquanto Beuys surge nesta obra com o seu ar resoluto e com as suas "insígnias" (chapéu, colete de pescador que nos remete para Jesus e para a ideia de transcendência), Cattelan apresenta-se enforcado. Enquanto Beuys se apresenta a defender a ideia que a arte pode mudar alguma coisa, que a arte pode ser política, Cattelan diz-nos o contrário: o artista até se pode enforcar, mas a arte nunca vai ter qualquer poder no mundo. Cattelan apresenta-nos um paradigma menos romantizado que o de Beuys. O mesmo acontece nesta obra do fato de feltro. o idealismo de que Beuys o revestiu não faz parte deste universo artístico cínico e onde o compadrio abunda. "bou" para dentro fazer as rabanadas. beijinhos às famílias". 




















Joseph Beuys
Felt Suit
1970
Tate Gallery. Londres




















Maurizio Cattelan
Untitled (Joseph Beuys Suit)
2000