terça-feira, julho 23, 2013

- ars longa, vita brevis -
hipócrates

amados, coisas lindas da mãe: aqui vai mais um antes e depois para animar a casa, o país, a vida e tudo e tudo e tudo. sabem, quando penso: "mas porque é que estás a fazer isto? porque é que te dedicas a estudar estas coisas? não achas que já tens idade de fazer bebés e encostar a barriga ao fogão? - lembro-me logo daquela frase do Robert Motherwell: "Art is much less important than life, but what a poor life without it!”. não sei isso serve de alguma coisa. ultimamente tenho pensado muito nesta necessidade das pessoas continuarem a viver, de fazer o que sempre fizeram, mesmo quando as coisas já não fazem sentido. faz-me lembrar aquele diálogo surreal que a Rita Blanco tem os actores que fazem de filhos dela no "Sangue do meu sangue". Depois de saber que a filha está grávida do próprio pai e que o filho levou uma valente surra, ela chega a casa e pergunta-lhes o que estão a ver na televisão e pede-lhes que não deixem as luzes acesas (?!). 
Bem, vamos à vida (que frase paradigmática!). O Paulo mostrou-me a segunda imagem e alguém disse que era uma paródia ao Baco de Caravaggio. Mas eu andei cá a magicar e não me lembrava, na minha biblioteca de imagens mentais de ver nenhum Caravaggio assim. Parecia-me demasiado "solar", quando o Caravaggio é mais "saturnino". E foi quando se fez luz e vi o Baco de Velazquez a encenar uma coroação, com uma coroa de folhas, de um dos seus súbditos. Vamos agora à parte histórica da coisa, aos factos. Velazquez pintou o quadro de Baco rodeado de oito bêbados para Filipe IV que o pendurou (ao quadro) na seu quarto de Verão. A pintura é não só uma raridade no contexto da obra de Velazquez como na história da pintura espanhola que geralmente não mostra as cenas de "inebriamento alcoólico" - vamos chamar-lhe assim - de forma tão explícita como era apanágio da pintura flamenga. Em Espanha, na Espanha doentiamente católica do século XVII a embriaguez era vista como um vício desprezível. Aliás, "Bêbado" ou "borracho" era o mais humilhante e cruel dos insultos. Sim, que eles lá com a inquisição (ninguém vai ver o link, mas é muito engraçado. aliás, tudo dele é muito engraçado, desbragado) podiam ser carrascos, assassinos, mas bêbados... nem pensar! (Para falar a verdade, essa é também uma palavra que me incomoda, ainda mais quando acompanhada pelo respectivo ou respectiva). Mas na corte, ao que parece, era costume e considerado altamente divertido convidar os actores dos teatros de comédia para um serão, fazê-los beber e assim entreter as senhoras.
Este Baco que aqui vemos coroa os seguidores com coras de folhas de hera (que, segundo se dizia, tornava o vinho mais fresco), e outros camponeses que olham para nós. Neste caso, olhavam para o rei, já que o quadro era para ele. Ou seja: o rei podia rir-se deles quando para o quadro olhava, mas eles estariam sempre a rir-se do rei travestidos, com honras reais.
A imagem de baixo, segue completamente a imagem de cima. Trata-se de um pequeno convívio, imortalizado em fotografia, tirada em 1908 no atelier de Amadeo de Sousa Cardoso em Paris, que contou com ele e com amigos. Ao que parece, e visto não existir nada escrito acerca disto ou de acções semelhantes, foi momento único no tempo e não uma performance ou happening que mostra Amadeo e os colegas a recriar a cena de Velazquez. Se bem que, tanto a de cima como a de baixo são imagens performativas, com uma acção a decorrer, e ambas a pedirem a nossa atenção. bem, vou para dentro.   














Velazquez
The triumph of Bacchus
1629
Museo del Prado, Madrid



















Amadeo de Sousa Cardoso
1908