quinta-feira, julho 05, 2012

- o carteiro -


não percebo nada desta formatação nova. a sério pá!
Bem, estou a pensar aqui numas coisas. Uma delas é fazer aqui a explicação de todas as prefigurações existentes no Speculum Humanae Salvationis. Já disse aqui que o Speculum foi um livro escrito no século XII por Ludolfo da Saxónia e que era, acima de tudo, uma fonte gráfica, embora tivesse componente escrita. Servia acima de tudo para relacionar passagens do Novo Testamento e do Antigo, demonstrando assim, como disse Santo Agostinho, que no Antigo Testamento estava latente o Novo Testamento e que no Novo Testamento estava patente o Antigo: Cristo é o novo Adão, a sabedoria divina é uma mulher... O Speculum, pelo menos a versão que encontrei disponível na internet, começa com imagens do anúncio do nascimento da Virgem a Joaquim. Todos os episódios da vida da Virgem, até aos esponsais, encontram-se nos Evangelhos apócrifos, razão pela qual, para já, não irei falar deles. Começo assim no terceiro episódio que diz respeito aos Esponsais da Virgem e de São José, que surge já na Bíblia.

O problema, no meu entender, destas prefigurações, é que essa ideia de que aquilo que havia de vir já estava de alguma forma prevista, não é assim tão linear. Isso acontece de facto em alguns episódios como na Natividade, por exemplo. Ou na Ressurreição de Cristo, mas não acontece sempre assim. 









































Os Esponsais da Virgem foram algo pensado. Segundo os apócrifos e a Legenda Áurea, quando a Virgem saiu do templo (Maria tinha sido educada no templo), e atingida a idade de casar, foi-lhe escolhido um esposo. O esposo deveria ser alguém da casa de David. Segundo o protoevangelho de Tiago, Zacarias reuniu os viúvos e ordenou-lhes que deixassem as suas varas no altar. Foi então que entrou uma pomba e pousou em cima da vara de José que floresceu, tal como havia dito Isaías no AT: "Brotará um rebento do tronco de Jessé..." (1Is, 11:1). Segundo Mateus (1: 1-17), os antepassados de Jesus pertenciam à árvore de Jessé. (Desculpem lá, mas não vou fazer transcrição porque é muito grande).
A segunda imagem que seria do Antigo Testamento é do Livro de Tobias. Trata-se dos esponsais de Sara e Tobias. Tobias é uma personagem interessante. Era filho de Tobite que era cego e partiu com o anjo Rafael sem saber que se tratava de um anjo. O que se destaca em Tobias é o facto de ele ter ficado com as vísceras do peixe, tal como Rafael lhe ordenava e com elas ter curado o pai. Tobias guarda em frascos diferentes o coração, o fel e o fígado do peixe, tal como fizeram os egípcios com as vísceras do morto que eram armazenadas em recipientes diferentes.
O casamento de Tobias com Sara é uma história muito estranha. Tobias parte com Rafael para recuperar um dinheiro que havia perdido e quando chega ao seu destino, encontra o pai de Sara que pagou a dívida do pai de Tobias, bem como a própria Sara. Ela queria um marido que não morresse (os sete anteriores tinham morrido por acção de um demónio, durante a noite), ele queria que o seu pai ficasse curado e já agora, uma mulher.  Casaram-se e na primeira noite, em vez de fazerem o que Deus mandou, ficaram os dois acordados a rezar e a pedir a Deus que os mantivesse juntos até chegarem a velhos. Para além disso, e lembrando-se do que Rafael lhe tinha dito, Tobias retirou as vísceras do peixe do saco e queimou-as. O cheiro das vísceras afastou o demónio que ao fugir foi capturado por Rafael.
























Pieter Lastman
The wedding night of Tobias and Sarah
1611
Museum of Fine Arts, Boston
Segue-se a imagem da chamada Torre de Baris. Ora aqui está um grande problema! Vista a bíblia de cima a baixo, da esquerda para a direita, e da direita para a esquerda, não foi encontrada referência a esta torre. Os asmoneus eram a dinastia no poder em Jerusalém durante o tempo de Jesus. Construíram uma cidadela chamada que no tempo de Jeremias foi chamada Torre de Hananel ("Eis que vêm dias, diz o Senhor, em que esta cidade será reedificada para o Senhor, desde a torre de Hananel até à porta da esquina", Je 31: 38), mas que os asmoneus chamavam de Baris ("There is a great mountain in Armenia, over Minyas, called Baris, upon which it is reported that many who fled at the time of the Delugue were saved; and that one who was carried in an ark came on shore upon the top of it, and that the remains of the timber were a great while preserved . Flávio Josefo, Antiguidades Judaicas, cap. III, 6) A torre de Baris, por ser inexpugnável, seria comparada com Maria, embora esta relação não me convença quase nada.

Chega por fim, a Torre de David. Esta representação da torre de David é claramente uma analogia com Maria. Se repararmos, nas litanias da Virgem, uma delas é "Torre de David, rogai por nós". Aliás, o Cântico dos Cânticos, cap.4, vers.4 (A.T.), diz o seguinte: "O teu pescoço é como a torre de David erguida para troféus: dela pendem mil escudos, tudo broquéis dos heróis." O Cântico dos Cânticos fala do amor entre o homem e a mulher; entre Cristo e a Igreja, para os cristãos, ou então - e isto numa visão mais estrita - Salomão e Sulamita. Desta forma Sulamita seria, para o A.T., Maria. Uma era o amor sensual e a outra o amor espiritual. Desta forma Maria seria comparada a uma fortaleza que guarda as armas dos homens valentes. E esta relação entre Maria e a luta, a guerra, não pode ser tida como forçada, pois mesmo aqui em Portugal, Maria era muitas vezes invocada em batalhas ou momentos de aflição. Tal como a torre de David, Maria permanece imutável com o passar do tempo. Tal como a torre de David, Maria está estrategicamente elevada no mais alto ponto do céu, abaixo de Deus, apenas.


Bem, e com esta me vou. Estou certa que vão ler isto e adorar e por aí em diante...