quinta-feira, julho 12, 2012

- o carteiro -

mais uma corrida, mais uma viagem. continuo com a análise das prefigurações do Speculum. Bem sei que vocês preferiam outras coisas, mas é que acho, não sei, tenho um feeling, que isto me vai ser útil no futuro. Para além disso, sinto um certo prazer em descobrir que cenas do Antigo Testamento acompanham as cenas do Novo. Tínhamos ficado nos Esponsais da Virgem. Segue-se, segundo o ciclo da vida da Virgem, a Anunciação, mas como já falei dela, passo para a Natividade de Jesus Cristo. Todo o Novo Testamento fala do nascimento de Jesus, embora determinados pormenores chegados até nós sejam obra dos Evangelhos Apócrifos. Por exemplo: nos textos canónicos nada diz que os reis se chamavam Gaspar, Baltasar e Melchior, nem que um deles era negro, nem que lhe ofereceram ouro, nem que eram três. Mateus é muito parco quanto ao nascimento de Jesus. Fala nisso no seu evangelho, capítulos 1 e 2; Marcos não fala do nascimento de Jesus, nem Lucas, nem João. Por isso, como vemos, as descrições foram depois variando e veiculou-se uma ideia que não é propriamente a canónica. no entanto, não há problema: os tratados sucessivos foram acrescentando dados à crença. O cristianismo era uma religião em construção. Hoje parece que já tudo está construído...

















A Natividade de Jesus surge no Speculum acompanhada de mais três imagens. A primeira refere-se ao sonho do copeiro-mor do faraó. O copeiro-mor e o padeiro-mor ofenderam o faraó e para castigá-los, este mandou que fossem presos. Já no cárcere os dois tiveram sonhos que os perturbaram. O copeiro-mor sonhou que estava diante de uma videira com três ramos. A planta floriu, as flores cresceram e os rebentos deram boas uvas. O copeiro via-se no sonho com uma taça na mão a colher uvas e espremê-las para dentro da taça (O copeiro-mor contou o seu sonho a José, dizendo: «No meu sonho, uma videira estava diante de mim. E nessa videira havia três ramos. Apenas ela floriu, as flores cresceram e os rebentos da videira deram uvas maduras. Eu tinha na mão a taça do faraó, colhia as uvas, espremia o sumo na taça do faraó e apresentava a taça ao rei.» - Gn40, 9-11). José (mas não o pai) foi chamado para interpretar os sonhos e relativamente ao copeiro mor disse que os três ramos significavam os três dias na prisão após os quais o criado seria libertado. Ora eu não vejo muito bem a relação entre este sonho e a Natividade de Cristo. Não sei de que forma este sonho pode predizer a Natividade. Mas li que José pode ser a prefiguração de Jesus. Tal como Jesus, José foi humilhado, vendido pelos seus irmãos, despojado das suas vestes e depois conquista as graças do faraó, foi nomeado governador e tornou-se o homem mais poderoso do Egipto (apenas submisso ao faraó). Da mesma forma Jesus se tornou o mais poderoso após Deus.


















A terceira imagem do Speculum relativa a esta cena é o florescimento da vara da Aarão. Já tínhamos visto uma outra vara a florir (não sei o que me parece falar da vara a florir! Parece uma piada sexual). Era a vara de José que havia florido dando assim sinal que era ele o escolhido para ser marido da Virgem. O episódio da vara da Aarão surge nos Números (Nm 17, 16-21). Aarão e Moisés sofreram várias rebeliões durante o seu ministério, rebeliões estas que tiveram lugar porque nem um nem outro possuíam símbolos de autoridade, símbolos visíveis que os identificassem como servos diretos de Deus, escolhidos para guiar o povo até à terra prometida. Deus ordenou então que cada um dos representantes das 12 tribos trouxessem uma vara de amendoeira com o nome da respetiva tribo escrito e a colocasse na tenda para que ela florescesse. No dia seguinte foi a vara de Aarão, representante da tribo de Levi, que estava florescida. "O Senhor disse a Moisés: «Fala aos filhos de Israel e toma deles uma vara, uma vara por casa patriarcal, de todos os seus príncipes, pelas suas casas patriarcais: doze varas. Escreverás o nome de cada um na sua vara. Escreverás o nome de Aarão na vara de Levi, porque só haverá uma vara para cada chefe de casa patriarcal. Depositá-las-ás na tenda da reunião, diante do testemunho onde Eu me revelo a vós. Florescerá, então, a vara do homem que Eu escolher e farei desaparecer da minha frente as murmurações que os filhos de Israel fizeram contra vós.»" Ora o que é que eu concluo é que tal como Jesus foi escolhido entre os demais, também a vara de Aarão foi escolhida entre as outras varas. A vara de amendoeira nascia no Egipto e em Israel e florescia primeiro que as outras árvores e as suas flores espalhavam o seu perfume. Tal como as flores deitavam o seu perfume e traziam esperança ao mundo, assinalando assim o fim do Inverno, também Jesus ao vir ao mundo colocou fim ao Inverno do povo de Israel. Para além disso, ao dar um poder especial a Aarão, Jesus deu ao seu povo um novo líder, tal como, quando nasceu, Jesus se tornou o líder.

















Por fim, a quarta imagem é a de Augusto e a Sibila de Tivoli. Eh pá..., não me perguntem quem é. Para já, e ao contrário das outras prefigurações cujos episódios se encontram no Antigo Testamento, este episódio da sibilia encontra-se na Legenda Áurea de Vazari. A sibila de Tivoli, também chamada de Albunea é importante para o Cristianismo devido ao seu encontro com César Augusto. O senado romano desejava deificar o imperador, mas este, ciente da sua mortalidade, foi ter com a sibila para saber se existiria alguma vez um homem mais poderoso que ele. A resposta da sibila chegou no dia do nascimento de Cristo, quando no céu Nossa Senhora apareceu no centro de uma auréola dourada formada em volta do sol. Uma voz disse: "a mulher é o altar do céu" e a sibila corroborou: "A criança será mais grandiosa que tu". Foi assim que Augusto acabou por dedicar à Virgem o altar de Santa Maria in Ara Coeli. (quem faz palavras cruzadas sabe que "altar primitivo" com três letras, é "ara"). Bom, quanto a esta prefiguração, acho que não é necessário explicá-la, é muito óbvia.































Queria só dizer para o pessoal que vem aqui, para não copiar o conteúdo, porque nem sempre aquilo que escrevo está certo. Vou embora. A esta hora da noite sinto-me sempre esquisita.



















Rogier van der Weyden
Bladelin Triptych (César Augusto e a sibila tiburtina)
1445-50
Staatliche Museen, Berlim