segunda-feira, novembro 28, 2011

- original soundtrack -

Change your heart
Look around you
Change your heart
It will astound you
I need your lovin'
Like the sunshine

Everybody's gotta learn sometime
Everybody's gotta learn sometime
Everybody's gotta learn sometime

Change your heart
Look around you
Change your heart
Will astound you
I need your lovin'
Like the sunshine

Everybody's gotta learn sometime
Everybody's gotta learn sometime
Everybody's gotta learn sometime

I need your lovin'
Like the sunshine

Everybody's gotta learn sometime
Everybody's gotta learn sometime

(Everybody's gotta learn sometime, versão Beck)

- não vai mais vinho para essa mesa -

se uma pessoa sai do gmail sempre que eu entro, o que é que devo pensar? que tenho vírus? que cheiro mal do umbigo?

- permaneço em modo invisível sempre que lá entro para ver o meu email.
- invisível? dá para fazer isso?
- dá.
- não devia colocar-se invisível.
- pois não. isso é a história da minha vida até agora.
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou "descubra as diferenças". Em Espanha chamam-lhes "floreros" e na Flandres no século XVII era apelidados de "Flores, Frutos e Bouquets" (é aqui que surge a expressão still-leven que depois deu origem ao still-life. no entanto "leven" quer dizer "imóvel" e não "vida". ora isto limita a natureza-morta à representação de objetos inanimados, o que depois não vai contecer sempre. às vezes surge um caracol ou um gato junto do peixe... Em Espanha a expressão Floreros designava apenas estas naturezas-mortas com flores. para alimentos, objectos de cozinha, garrafas e taças o termo era "bodegón", mas hoje o "bodegón" engloba tudo. é preciso dizer que as naturezas-mortas estão mais presentes nos países protestantes do que nos países católicos, porque se coadunam com a exibição muito pontual de imagem religiosa. para além disso a imagem política, é suavizada após a Revolução francesa, mais de acordo com a nova classe em ascensão. quer isto dizer que as naturezas-mortas são mais típicas do norte da europa - à exceção de inglaterra e também de frança. diz-se até que foi Chardin que primeiro as pintou, mas estava a ler uma coisa sobre isso que diz que não foi um francês, mas sim um veneziano que pintou as primeiras naturezas-mortas. um veneziano! saiu-lhes o tiro pela culatra! face a tanta cena histórica e tanta santa e deusa, havia de ser um italiano a dedicar-se às flores!). E embora pareça incrível não são telas de jarras com flores para colocar em cima da televisão, não senhor. São naturezas-mortas e também não têm de ter um simbolismo embora estas duas jarras tenham, como poderemos ver nas flores. Há subjacente ao simbolismo daquilo que é retratado um conceito moral, ainda que não religioso. Ora esta coisa das naturezas-mortas, ainda por cima com flores, não era muito bem vista na escala académica dos críticos. Ao contrário das grandes cenas épicas, sacras ou mitológicas, a natureza-morta ficava no fim da escala já que exigia somente técnica e não criação. Mas, na minha opinião, havia nisto muito trabalho e muito intelecto, já que não eram pintadas flores de forma indiscriminada; eram escolhidas com um objetivo: as tulipas que vemos em abundância nas duas jarras eram a flor da loucura. eram tão raras e tão caras que as pessoas eram capazes de vender tudo, fazer uma loucura só para adquirirem uma. As rosas nunca poderiam ter sido pintadas naquela jarra com as tulipas pois as duas espécies florescem em alturas diferentes do ano. Outra coisinha: as flores que se encontram mais atrás e que são as mais altas, dificilmente teriam caules daquele comprimento, o que nos leva a crer que Brughel, que não devia estar disposto a cometer loucuras para arranjar esta ou aquela flor, tivesse feito as suas naturezas-mortas a partir da observação de estudos botânicos. Estes dois quadros são verdadeiras alegorias da morte e ressurreição de Cristo, bem um alerta para as vaidades passageiras deste mundo. Tal como estas flores, belas e garbosas também a nossa vida acabará e aquilo que somos murchará (nas mulheres costuma murchar antes de acabar: aquilo que antes estava em cima vai para baixo e aquilo que estava em baixo, para os lados). As flores, por quem muitos fizeram loucuras, morrem e o que fica é o espírito. Quando morrerem, o quadro ressuscita o espírito através da borboleta (do lado direito da pintura, em cima de uma flor), borboleta essa que é símbolo de Cristo ressuscitado. (Vaidade das vaidades, tudo é vaidade, lá dizia o Eclesiastes). Queria poder dizer-vos mais sobre isto, sobre as naturezas-mortas, mas ando a estudar coisas por mim. Para além disso a Literatura Comparada leva-me muito tempo embora me dê grande prazer. Posso dizer, tentando não me gabar, que este post me parece um dos mais interessantes do blog nos últimos tempos:
Jan Brughel-O novo
Jarra de porcelana com flores
c. de 1650


Jan Brughel-O novo
Jarra de porcelana com flores
c. 1675

- o carteiro -

o romantismo e o espelho - parte II

O que é o Romantismo?

Em As raízes do Romantismo de Isaiah Berlin, um conjunto de conversas radiofónicas gravadas em 1965 para a BBC, o autor define o Romantismo como sendo: exuberância da vida, caos, paz, harmonia com a ordem natural, estranho, exótico, grotesco, duendes, gigantes, elfos, obscuridade, o irracional, o inexprimível, o antigo, o histórico, o impalpável e o imponderável, desejo de viver o momento, desejo de viver o interesse fugaz, idílio pastoral e bucólico, nostalgia, sonho, solidão, sensação de alienação, a ideia de fazer parte de um grupo, de uma igreja, energia, força, vontade, vida, suicídio, auto aniquilamento, dandismo, tédio-vitae, beber de um crânio humano[1], unidade e multiplicidade, beleza e fealdade, arte pela arte, arte como forma de salvação, sublime, oxímero, sol negro (adoptado pelo Nazismo), tempo efémero[2], pensamento lúgubre, evasão, poesia (“The more poetic the more true”[3]), a felicidade de infância…[4] Como podemos ver, trata-se de um conjunto de palavras-chave através das quais o autor definiu, ou tentou definir, o Romantismo e que são por vezes antíteses. O espírito romântico é exatamente isso: a contradição constante, embora o Romantismo em si tenha sub-temáticas que criam unidades. Tanto que neste aspeto podemos bem dizer que o Modernismo de Baudelaire é herdeiro e dá continuidade, através do ennui que mais não é que o tédio, o fastio de viver, e que passa a existir com a Revolução Francesa e aquilo que ela introduz quanto à consciência de si próprio – dá continuidade, como dissemos – ao Romantismo[5]. Notemos porém que nem toda a criação artística necessita do sofrimento para ser do “Bem” ou do “Bom”. Se é verdade que alguns autores tiveram vidas sofridas, não é menos que sempre isso aconteceu e que outros como Goethe, Leonardo, Degas até alcançarem em vida prosperidade e reconhecimento.

Voltemos então às definições dadas por Isaiah Berlin. O Romantismo recupera tudo isto que nos parece negro, obscuro e inadmissível até aí. Não é por acaso que esta reação anti-clássica surja neste território, onde o Classicismo não é determinante pois a herança do modelo greco-latino é mais fraca. Surge o Romantismo como forma, até de oposição, ao Classicismo, pois os povos do Norte da Europa não tinham, com tanta intensidade essa herança grega. Enquanto a Antiguidade privilegiava a tragédia, mas sob o ponto de vista de luta contra a barbárie, o Renascimento abafou-a com um racionalismo crescente. O Romantismo foge disso e tenta introduzir elementos que não eram comuns: as figuras de excepção e fora do comum passam a normais e adaptadas e assumidas pelo movimento Romântico. O Romantismo abre uma espécie de “caixa de Pandora” pois confrontou as pessoas com o próprio medo, com o seu lado obscuro e com tabus que ocultados.[6]

Influências na literatura, filosofia, pintura e diferentes nações

O momento de erupção desta nova sensibilidade teve lugar na Alemanha e pode ser desdobrado em dois outros: um Romantismo precoce e um segundo momento que é marcado por uma visão mais francesa, racionalista e reaccionária e que herda muito do Império e da Revolução Francesa. O Romantismo precoce é por seu lado influenciado pelo medievalismo, pelo seu carácter cosmopolita, liberal e até revolucionário, de origem alemã e com um teor filosófico, teórico e utópico. Esta sensibilidade teve grande desenvolvimento em redor da universidade de Viena onde se juntavam alguns filósofos como Fichte, Schelling, Schlegel e os escritores Novalis, Schiller e Goethe. Toda esta dinâmica deduz-se já no movimento Sturm und Drang (tempestade e impulso), movimento literário do século XVIII. O nome veio de uma peça de um autor romântico, mas torna-se uma tendência literária que reclama um ideal anti-Clássico através da adoção de um Cristianismo ortodoxo. Surgem então duas grandes linhas: o nascimento de um sujeito estético e um sujeito do saber que vinha da teoria da ciência de Fichte.

O caso de Goethe

Goethe falava da pintura de Friedrich como uma passagem para os símbolos com um rigor extraordinário e qualidade simbólica e indefinida que tornava a sua paisagem num lugar habitado pela transcendência. O escritor era da opinião que a Natureza deveria ser contemplada, mas não dissecada ou estaria o Homem a alterar a mesma[7]. Esta aliás é a faceta mais marcante de Goethe e talvez a menos conhecida. De facto ele era um romântico atípico já que estava apenas inserido no tempo, mas não era totalmente moldado por esse tempo. Passado o entusiasmo inicial da atividade juvenil ele constrói a sua personna, o que resulta na admiração dos demais, até no século XX, mas não no amor dos mesmos. Embora este fosse um tempo de agitação das emoções, a verdade é que Goethe era admirado por contê-las, por neutralizar e dominar de tal forma que esta sua neutralidade era muito mal vista, considerada mesmo diabólica. Há uma formulação pessoal na obra de Goethe: ele detestava o narcisismo romântico e por isso tentava anular-se no mundo que queria conhecer, mas ao mesmo tempo colocava em evidência o seu vasto saber. O seu Fausto aliás é também um homem ponderado que faz um pacto com o Diabo, que não faz a apologia do fragmento, mas sim da cadeia de pensamentos, de divagações. O Fausto é a assemblage, sumo da obra de Goethe, começada na década de 90 do século XVIII e que o autor termina antes de morrer. Todorov enuncia três modos de descrever Goethe: através de um posicionamento clássico que se relaciona com valores morais, uma posição romântica que neste caso coloca no indivíduo como a fonte dos valores através dos quais vai ser avaliado e uma posição moderna que Todorov descreve como tendo esses valores presentes, mas ligados entre si através dos atos do ser criador[8]. O que Todorov diz não pode ser entendido fora do contexto do próprio autor, já que este era um representante e firme defensor da continuidade da humanidade. Como tal, ele acreditava que em Goethe existia uma dimensão mais clássica (até pela sua sobriedade), a clara dimensão romântica e também uma dimensão em que estas duas correntes se iriam sintetizar no futuro. A Goethe não interessava o efeito que a arte podia ter no espetador enquanto medida do interior do artista, nem enquanto expressão da Natureza. A dimensão gigantesca da obra de Goethe deve-se à sua compulsão em conhecer a Natureza e os seus fenómenos, mas também à unidade que liga os seres. Esta é de certa forma uma retoma dos conceitos pré-socráticos e que refere um elemento da origem de toda a diversidade existente e à qual se dá o nome de proto-fenómeno (Urphänomen).

Influências na literatura, filosofia, pintura e diferentes nações (cont.)

O Romantismo inglês por seu lado dá bastante importância à Natureza tanto na pintura como na literatura. Dentro deste romantismo idílico existe também uma dimensão satânica que na literatura é personificada por Byron e Blake, embora este tivesse sido mais onírico. Blake insere-se também na versão do “eu” hiperbolizado enquanto Byron foi uma figura mais intensa no Romantismo, figura esta que introduziu a noção de dandy, do homem que faz de si próprio uma obra de arte numa alusão demoníaca que muito agradava às senhoras. A tentativa de evasão que Isaiah Berlin referiu levava a procurar lugares, na Natureza, que fossem exóticos. Daí o interesse pela cultura celta, a Bretanha e também o Norte de África. Lord Byron por exemplo era uma pessoa escandalosa por opção, mas não obstante o burburinho provocado à sua passagem, viveu um tempo na Grécia, que estava dominada por turcos e que só por isso era uma nação exótica. Delacroix por exemplo também pintou muitos temas de natureza oriental e empreendeu mesmo uma viagem ao Norte de África da qual ficaram conhecidos os esboços realizados pelo artista quanto à vida nómada[9]. Os paisagistas ingleses tentaram juntar a reflexão teórica com a atividade prática, o que veio contrariar os pressupostos clássicos que estabeleceram as fronteiras entre as diferentes artes, principalmente a pintura e a poesia[10].


[1] Referência a Lord Byron que supostamente guardava o crânio de um amigo.

[2] Também ligado à ideia de “ruína” que já tinha assombrado os últimos neoclássicos, só que para estes a ruína era a metonímia de uma realidade admirada. Para os românticos a ruína era a materialização do inacabado, não só a ruína da Antiguidade, mas também a das catedrais góticas e românicas e por isso, era a irreversibilidade do tempo.

[3] NOVALIS, trad. de Margaret Mahony Stoljar – Philosophical writings. Nova Iorque: Universidade de Nova Iorque, 1997, p.117

[4] BERLIN, Isaiah – The roots of Romanticism. Nova Jérsia: Princeton University Press, 1999, p. 17

[5] Seguindo o esquema hegeliano, o Romantismo seria a tese, o Realismo a antítese e o Impressionismo a síntese. Porém, com o Romantismo, parte deste encadeamento desfez-se.

[6] Os povos do Sul têm mais facilidade em expressar e combater os seus medos por causa da exteriorização dos sentimentos. Já os povos no Norte da Europa que são a personificação da impassibilidade têm movimentos muito violentos, que ocasionalmente, pontualmente, originam fenómenos muito violentos que perduram como o hooliganismo em Inglaterra ou o nazismo na Alemanha.

[7] Já Newton escalpelizava a Natureza baseado num pensamento moderno. Talvez não tenha sido apenas por acaso que Goethe, que contrariava os propósitos da ciência da época (o Fausto de Goethe manifesta-se como um desiludido com a ciência) escreveu uma nova Teoria das Cores, diferente da de Newton, fundamentada pela teoria dos contrários de Aristóteles. Sob o ponto de vista científico esta teoria não era muito correta, mas foi importante para o Expressionismo.

[8] TODOROV, Tzvetan - Goethe sur l'art. in GOETHE – Ecrits sur l’art. Paris: Klincksieck, 1983.

[9] Mais tarde, também os Impressionistas e Pós-Impressionistas vão buscar a outras culturas algum exotismo, tais como Renoir ou Gauguin.

[10] A paisagem era considerada um tema menor entre os temas da pintura, tanto que quando Watteau, que era um pintor francês, foi proposto para a Academia, foi necessário criar uma nova categoria para ele. Friedrich por exemplo nunca faz uso de um rosto de forma declarada. O ser humano surge de costas e é substituído pela arte que assume assim o papel humano. Há uma intencionalidade óbvia por parte do pintor nas suas figuras de lado ou de costas que somos nós próprios, esmagados pela escala face à paisagem. Não há qualquer possibilidade de mediação entre nós e a paisagem e somos, sentimo-nos, intrusos perante a Natureza virgem e viva. È portanto uma multividência nórdica muito diferente da mediterrânea.

- não vai mais vinho para essa mesa -

*desculpem, mas é a minha opinião

- o carteiro -

[1]
Depois da body art, a arte da carcaça. Elaine Tin Yo's cortou um porco ao vivo e diz que é artista.

[2]
O amor pintado pela Cartier e com música dos Air, de quem eu gosto muito. quer dizer, também não é assim muuuuito... gosto, pronto.

[3]
Yvonne Rainer vs Marina Abramovic (eu sou pela Yvonne. fiquei mal impressionada com o trabalho da Marina)

sábado, novembro 26, 2011

- não vai mais vinho para essa mesa -

eu cá acho que se o concurso é para avaliar essa parte do corpo, as meninas em vez de terem posado assim, deviam ter posado assim. mas isso sou eu a pensar...
- não vai mais vinho para essa -

abram lá e vejam aquilo que Portugal é para a América conservadora e para a América liberal. (acho que eles não sabem muito de nós... "didactors"?)

terça-feira, novembro 22, 2011

- não vai mais vinho para essa mesa -

"quer-se dizer", não aconteceu nada de especial, mas estive a pensar em coisas que depois levaram a outras coisas... e apesar de não ter chegado a nenhuma conclusão, resolvi sair da toca e, pelo menos durante um tempo, não me dedicar a esse tipo de pensamentos.
- original soundtrack -

eh pá..., eu gosto.
(Grey shirt & tie, Spector)
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou "olá, tudo bem? então cá estamos... aviso desde já que isto não está nada de especial, como sempre. ora bem, eu não vi o filme, mas achei que havia alguma ligação entre o Mamma Roma do Pasolini e esta ceia do Perugino. pensei: "já vi isto em qualquer lado", mas andei à volta com as minhas imagens (minhas, alvo seja) e não encontrei nada que fosse exatamente igual. só poderia ser uma ultima ceia ou umas bodas de cana... e entre tudo o que vi, pareceu-me que era uma última ceia. ora há quem diga que a cena do casamento de Mamma Roma é parecida com a de Ghirlandaio, relativa à última ceia, mas eu cá achei mais parecido com este, embora de facto o Ghirlandaio seja anterior ao Perugino. Perugino pinta a cena no Cenacolo di Foligno num convento franciscano e faz uma simulação de espaço através de um trompe l'oeil. obviamente a superfície útil para pintar a última ceia era complexa, mas na minha opinião o pintor não teve a melhor solução já que ao sugestionar este espaço para além do espaço, fica com o mesmo interrompido pelas limitações da parede. A arcada que Perugino pinta é contradita pelo espaço negro que penso, representa o limite da parede. Se é verdade que as colunas sugerem verticalidade, não é menos verdade que a mesa em "U", mais longa no fundo do que nas laterais e os espaldares forrados acentuam a horizontalidade e tectonicidade do fresco. Só posso destacar alguns aspetos, poucos, que são notórios na última ceia: Judas encontra-se do lado de cá da mesa (sabemos que é ele porque tem a bolsa dos 30 dinheiros na mão), João dorme e no fundo quatro personagens esperam a chegada de um anjo que traz na mão um cálice. a avaliar pelos trajes dessas quatro figuras que correspondem aos de alguns dos apóstolos, poderíamos dizer que se tratava de Jesus (ou São Bartolomeu), São Pedro e um outro, mas estou longe de saber de quem se trata. Aliás esta cena não me lembra nenhuma passagem bíblica, razão pela qual me fico por aqui.

Mamma Roma capta, ainda que num casamento, o visual de uma cena do renascimento e mais do que isso, de uma cena religiosa do peso da última ceia, corroborada pela alvura das paredes nuas (apenas cortada pelo arco cego e pelas duas janelas diametralmente opostas) e pelo afastamento com que uma celebração nos é apresentada. é verdade que no casamento que Pasolini retrata não há Judas, mas há os mesmos mirones laterais. mais do que uma festa, o casamento é uma encenação
Perugino
Last Supper
1493-1496
Convent of the Tertiary Franciscans


Pasolini
Mamma Roma
1962
- não vai mais vinho para essa mesa -

[na aula de civilizações do mundo antigo]
- o que é que acham que o timoneiro está a fazer ali na frente do barco com os braços abertos?
- ....
- nenhuma sugestão? não vos lembra nada?
- ó professora, a mim lembra-me o Titanic.
- o carteiro -

exposições
[1]
O Museum of Contemporary Art de Monterrey, México, apresenta de 20 de Outubro de 2011 a 8 de Janeiro de 2012 uma retrospetiva dedicada a alguns dos trabalhos mais emblemáticos de Richard Meier. A retrospetiva inclui maquetes (nunca sei se se diz maquetes ou maquetas), desenhos e fotografias de trabalhos como a Smith House, o Getty Center, a Neugebauer Residence, o High Museum of Art. Há também uma galeria dedicada ao design de produto.

[2]
De 7 de Outubro de 2011 a 30 de Julho de 2012 estará presente no Centro Pompidou-Metz em Metz uma exposição dedicada ao duo Ronan & Erwan Bouroullec e aos seus quase 15 anos de trabalho. Os visitantes são convidados a passear pela galeria e ver algumas das suas obras mais emblemáticas. Sabem que a minha cena não é bem o design - ironicamente - mas o que destaco desta exposição são os objetos de caráter nómada, modular e orgânicos.

[3]
O Pós-Modernismo estará patente no Victoria and Albert Museum em Londres de 24 de Setembro deste ano a 15 de Janeiro do próximo. A exposição chama-se Post-Modernism: Style and Subversion 1970 a 1990. Apesar do Leonardo da Vinci também estar em exposição em Londres, quem lá for não se esqueça desta até porque é a primeira exposição do género, a abranger tantas áreas e tanto tempo. A exposição mostra como o Pós-Modernismo evoluiu de um movimento arquitetónico de provocação nos anos 70 até se espalhar às áreas da música, cinema, e moda. O Pós-Modernismo alterou os paradigmas: a exuberância das cores, as referências históricas, a paródia e acima de tudo, a liberdade no desenho.

[4]
George Condo: Mental States na Hayward Gallery em Londres de 18 de Outubro de 2011 a 11 de Janeiro de 2012. (isto não é uma frase, mas comparando com alguns jornais, parece). Esta exposição é a primeira grande retrospetiva em Inglaterra, dedicada ao americano George Condo. Este artista emergiu no ambiente artístico dos anos 80 em Nova Iorque, com quadros que parodiavam os velhos mestres. Esta exposição que inclui nos cerca de 80 trabalhos apresentados os nove desenhos de Sua Majestade, a Rainha de Inglaterra.

[5]
E para terminar, na Pinacoteca de Paris, de Setembro de 2011 a 8 de Janeiro de 2012 estará patente uma exposição que eu gostaria muito de ver, mas que não está à frente da do Hermitage no Prado. Trata-se de uma mostra de título Giacometti and the Etruscans e, como o nome indica apresenta uma nova perspetiva acerca das esculturas de Giacometti, já que as relaciona com a civilização e arte etrusca.
- o carteiro -

o romantismo e o espelho - parte I

O segundo capítulo do livro The mirror and the lamp de M. Howard Abrams (1953) inicia com uma citação de A República de Platão (livro X). Aí, Sócrates encarrega-se de explicar a natureza da poesia e introduz uma analogia para melhor se fazer entender. Segundo Sócrates, o carpinteiro que faz uma cama ou uma mesa procede de acordo com as Ideias que possui acerca desses objectos; ou seja: uma mesa tem quatro pés e um tampo, uma cama tem pés, cabeceira e um estrado. O artista porém teria outra forma mais fácil para fazer esses objectos, fosse o fazer através do desenho, da pintura ou da escultura. O truque do artista seria então o espelho. Não se fala aqui do espelho como objeto, mas como coisa refletora. Passando a palavra a Platão, este profere de imediato considerações pouco amigáveis acerca do carácter e valor da arte. Nos seus escritos, Platão adverte repetidamente para a analogia com algo que reflete, quer seja um espelho ou a água e que é no fundo, um simulacro da realidade; ou seja, aquilo a que ele chama sombras. O que Paltão faz, no fundo, é introduzir algo que já existe na natureza, na arte e no cosmos e que levanta como principal questão, a da idoneidade da ilustração.[1]

1. O espelho e a lâmpada

Como referido, até pelo título do livro, o autor adverte para dois momentos no percurso das artes, sejam elas a Literatura ou as chamadas Belas-Artes: um antes do Romantismo e um “a partir” do Romantismo e que podem ser explicados através do espelho e da lâmpada. Desta forma, até ao Romantismo (1850-1900) a arte teria sido o espelho da realidade, que refletia a mesma sem qualquer intervenção do espírito crítico e imaginação do artista, senão como forma de conduzir melhor o reflexo no espelho. Na tela, no papel e na pedra, deveria estar um retrato do que era visto, do que existia na realidade. O recurso a um espelho para refletir a natureza de uma ou outra forma de arte continuou a ser o preferido dos teóricos da Estética, por muito tempo após Platão. No Renascimento, por exemplo a referência à expressão “ver através do vidro” é frequente e específica. Diz Alberti:

“What should painting be called except the holding of a mirror up to the original as in art?”[2]

E Leonardo faz uso repetido do espelho para ilustrar a natureza da pintura e a mente do pintor. Diz Leonardo:

“The mind of the painter should be like a mirror which always takes of color of the thing that it reflects and which is filled by as many images as there are things placed before it… You cannot be a good master unless you have a universal power of representing by your art all the varieties of the forms which nature produces.”[3]

Na literatura há aliás muitos títulos que fazem referência ao espelho, como The mirror of the world de William Caxton (1490), The mirror of minds de John Barclay (1633), Glass of government (1575) e The steel glass (1576) de Gaiscoigne.

2. Passagem do espelho para a lâmpada

O Romantismo porém, tem uma mudança de paradigma. Assim a realidade tal como ela se apresenta deixa de ser o tema da arte e passa a ser a recriação dessa realidade passada pelo crivo da mente artística. O artista já não necessita do espelho pois ele próprio é a lâmpada; ou seja, é a partir dele e da sua capacidade criativa que a realidade vai ser iluminada e vista. Já antes Plotino tinha mostrado que era possível a um artista enquadrar-se nas definições de Platão e mesmo assim evitar um afastamento da norma platónica simplesmente por permitir-se desviar-se do mundo sensível. Não se tratava portanto fugir a esse mundo, mas simplesmente contorná-lo de forma consciente. Mas isto originava contudo a criação de obras de arte ainda mais perfeitas do que a realidade. O que se conclui, em última instância, é que a arte é concebida para imitar alguma coisa que existe dentro do artista[4]. Esta passagem do ideal empírico para o ideal intuitivo pode ser perfeitamente relacionada com a transição do naturalismo concreto de Leonardo para a paisagem torcida e figuras atenuadas de El Greco que, de acordo com a anedota, recusava-se a deixar o quarto escurecido pois “a luz do dia perturba[va] a minha[sua] luz interior.”[5]

Em 1774 Os sofrimentos do jovem Werther de Goethe evidenciam a mudança de paradigma. Foi talvez este o momento inaugural do Romantismo entendido como lâmpada do interior do artista. Refere Goethe através de Werther:


“Não era capaz de desenhar agora, nem um traço, e, no entanto, nunca fui tão bom pintor como nestes momentos.”[6]

Inicia-se o artista como sofredor: esta foi aliás uma obra que fez a apologia da arte feita com o próprio sangue do artista, tendência que desencadeou um conjunto de suicídios pela Europa. A dualidade do Romantismo está tanto presente em aspectos simples como os títulos das obras, como também nos pensamentos produzidos nesse tempo. Paul Valery disse mesmo que esse era o grande problema do Romantismo: a sua dualidade e definição impossível. O Romantismo é de facto tão facetado que não foi uniforme: há um Romantismo utópico e um Romantismo da Idade Média; um Romantismo visionário e o Romantismo das ruínas… Outro momento que pode ser tido como paradigmático desta época é O Anjo Terrível de Rilke. Ali podemos ler:

“Se eu gritar, quem poderá ouvir-me, nas hierarquias

dos Anjos? E, se até algum Anjo de súbito me levasse

para junto do seu coração: eu sucumbiria perante a sua

natureza mais potente. Pois o belo apenas é

começo do terrível, que só a custo podemos suportar,

e se tanto o admiramos é porque ele, impassível, desdenha

destruir-nos. Todo o Anjo é terrível.”[7]

Curiosamente, e para corroborar o dito anteriormente acerca de o Romantismo não se ter esgotado no início do século XIX, a verdade é que já no século XX, quando Thomas Mann escreve Morte em Veneza, coloca o autor como uma personificação de Goethe e a proferir o seguinte: “A beleza gera constrangimento”[8]. E o mais singular é observar que umas páginas à frente faz referência parcial ao título que nos trás hoje aqui quando diz: “Imagem e espelho! Os seus olhos…”[9]



[1] ABRAMS, M. H. – The mirror and the lamp: romantic theory and the critical tradition. Londres: Oxford University Press, 1960, p. 30 e 31

[2] Idem, ibidem p. 32

[3] Idem, ibidem, p. 32

[4] Goethe dizia aliás, e numa inversão do Neo-platonismo tradicional, que o que estava dentro, estava antes fora.

[5] Idem, ibidem, p. 43

[6] GOETHE, Johann Wolfgang – A paixão do jovem Werther. Viseu: João Azevedo Editor, 1989, p. 10

[7] RILKE, Rainer Maria – As elegias de Duíno. Lisboa: Assírio e Alvim, 1993, p. 29

[8] MANN, Thomas – Morte em Veneza. Mem Martins: Publicações Europa-América, p. 59

[9] Idem, ibidem, p. 77