terça-feira, agosto 02, 2011

- o carteiro -

Ora bem, como prometi, deixo hoje uma "crítica" acerca do concerto de Amadou e Mariam, Eclipse, em Manchester, concerto este inserido no MIF. Não estou a fazer "render o peixe", mas acho que alguém deve falar nestas coisas já que não vi a crítica em nenhum site de Portugal à performance da Marina Abramovic nem a este concerto do duo do Mali, o que me deixa um bocado admirada (até mais pela Abramovic que é muito conhecida. Quando pesquiso na internet é o Belogue que surge em primeiro lugar. enfim, vá-se lá perceber...).

Disse, na última vez que escrevi, que inserido neste festival e que eu tivesse visto, o melhor espectáculo foi o de Amadou e Mariam. Começa pela preparação. À entrada do New Century Hall em Manchester - um pouco afastado do centro - o espectador é avisado que não deve, de forma nenhuma acender qualquer luz, manter telemóveis ligados, que uma vez abandonada a sala não pode voltar a entrar, que as chegadas tardias não vão ver admitidas e que, se pretendesse sair da sala, por qualquer razão, deveria levantar um papel com as instruções e esperar que um assistente de sala viesse fosse ao seu encontro e só aí poderia sair. Isto intrigou o público, mas muito às apalpadelas lá fomos tentando guiar-nos para encontrar uma fila mais para o centro e sobretudo, sem cabeças grandes à nossa frente. Mal sabíamos, mas toda a preocupação era em vão. O espectáculo começou e acabou às escuras. Ouvia-se apenas uma voz de fundo que contava a história do casal Amadou e Mariam, do Mali, ambos cegos, que se conheceram graças à instituição que frequentavam e se uniram pela música. É aliás a música, as várias músicas da carreira de ambos que contextualiza estes episódios. Só não sei se foram músicas tocadas ao vivo, porque estava escuro. Daí o nome Eclipse. A performance não era só deles, era nossa também porque tínhamos de ouvir e sentir um concerto e não vê-lo. Tínhamos de nos colocar na pele deles, e apenas sentir os ritmos. E o facto é que, mesmo sentada, dei por mim a agitar os ombros, bater o pé e balançar a cabeça ao som da música. Nunca faço isso porque tenho vergonha. A luz acende-se apenas para, já no presente, chegarmos à barreira cronológica daquele momento: e naquele momento aqueles músicos estavam ali em Manchester a apresentar o seu mais recente trabalho. Apenas uma canção; cerca de 5 minutos e o grupo, a banda sai em ovação. As pessoas colocam-se em pé, chamam, gritam por eles. Por três vezes vêm ao palco, mas quando lhes exigimos mais uma música chamando lá atrás pelo título da mesma, eles sorriem e recusam. A performance é esta; não há repetições, não há encores e não poderia ter sido a coisa mais simples e mais perfeita a que assisti. É verdade que com a velocidade a que as coisas acontecem hoje em dia, as pessoas têm a tendência para gostar de coisas muito diferentes (para se anteciparem aos outros quando o trivial deixar de ser apreciado) e expressarem opiniões alternativas (para se colocarem na vanguarda), de forma instantânea, mais rápida até que a interiorização daquilo que se diz sentir. Mas também a verdade que não diria isto que não achasse o concerto genial.