quarta-feira, agosto 31, 2011

- original soundtrack -

há uns tempos entrei numa loja de roupa interior e estava a passar esta música. é tão deprimente! (e um bocadinho "emo"). pensei que a tivessem colocado para as pessoas se sentirem mal e comprarem mais. naquele dia fez-me sair da loja, mas hoje...

I was happy in the haze of a drunken hour
But heaven knows I'm miserable now

I was looking for a job, and then I found a job
And heaven knows I'm miserable now

In my life
Why do I give valuable time
To people who don't care if I live or die ?

Two lovers entwined pass me by
And heaven knows I'm miserable now

I was looking for a job, and then I found a job
And heaven knows I'm miserable now

In my life
Oh, why do I give valuable time
To people who don't care if I live or die ?

What she asked of me at the end of the day
Caligula would have blushed

"You've been in the house too long" she said
And I (naturally) fled

In my life
Why do I smile
At people who I'd much rather kick in the eye ?

I was happy in the haze of a drunken hour
But heaven knows I'm miserable now

"You've been in the house too long" she said
And I (naturally) fled

In my life
Why do I give valuable time
To people who don't care if I live or die ?

(Heaven Knows I'm Miserable Now, The Smiths)

- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou o atraso. já sei que este post está atrasado dentro da blogosfera portuguesa, mas como a blogosfera portuguesa é, para mim, "igual ao litro", vou então postar isto conforme acho melhor. Se neste post notarem que algo de estranho no tom, é porque estou com alergia e constipada (ou só uma das coisas, mas não consigo distinguir), e fico sem paciência para tudo. Pois então soube neste site que o fotografo Andreas Kock fez, para a House of Dagmar, uma marca sueca já com bastante projecção no mundo estando representada, segundo sei, em casas de outras marcas, uma sessão relativa a uma colecção (que desconheço a que estação pertence). A roupa é muito bonita, mas o que me interessa hoje é a estética utilizada por Andreas Hock para fazer este trabalho já que se nota uma forte influência da luz de Hopper, Edward Hopper. Escolhi este exemplo, mas como podem ver no site, existem outros que quando comparados com as pinturas de Hopper apresentam semelhanças. Nunca falámos muito de Hopper aqui, o que é uma pena porque há alguns aspectos nos seus quadros que são bem curiosos. Por exemplo, neste quadro e não obstante a grande quantidade de mulheres nuas ao longo da História da Arte, temos uma tipa que olha, não para nós (como a Venus do Ticiano), para o espelho (como a Vénus do Velazquez) ou para as suas intimidades (como as mulheres que se banham, do Degas), mas sim para fora. E este para fora é para um local onde nós sabemos que não estamos. Ela não nos inclui na cena e olha para algo que é "para-físico" já que não existe, é imaterial, é de onde provém a luz. Logo, esta cena que não deixa de mostrar a mulher banhada a uma luz real, também faz alusão à luz espiritual. Esta oposição entre o físico e o espiritual é constante e repete-se nos tons verdes do chão e nos tons verde das colinas que estão na única janela que vemos (a outra, para onde ela olha, não vemos, apenas imaginamos), e também nas linhas curvas das mesmas colinas e nas linhas curvas do corpo feminino. E a gente a pensar (eu pelo menos, que gosto das coisas todas em gavetinhas para ser mais fácil) que a partir de determinada data esta coisa do espiritual saiu de moda... De facto saiu. Quando foi recuperado, o espiritual foi sempre, como dizer... azeiteiro, parolo. Os pré-rafaelitas, os eduardianos e mesmo alguns movimentos intelectuais da época defendem um retorno às fronteiras interiores, ao sonho e à imaginação como forma de alcançar um estado de espírito menos tristemente perecível. Mas isto, isto é diferente: não há idealização, nem tentativa de recuperação de um passado mais ou menos glorioso. O que há aqui é a tentativa de forja e afirmação do Homem tal como é, mas capaz de superar os seus limites humanos.

Há determinadas considerações que faço nestes posts que são só minhas. Como isto do para-físico.

Hopper
A woman in the sun
1961
Whitney Museum of American Art, Nova Iorque

Andreas Kock
House of Dagmar
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

retomo aqui (quer dizer... sei lá se retomo. depende para onde estiver virada), o conjunto de posts dedicados ao auto-retrato. Vamos desta vez para Miguel Ângelo, que eu não sabia, mas se pintou mais do que uma vez. Toda a gente sabe, ou diz-se isso, não se sabe se é verdade, que Miguel Ângelo se retratou na Capela Sistina, quase no centro do Juízo Final, na pele de São Bartolomeu (que morreu esfolado vivo) a pender da mão do próprio. o rosto dessa pele é a de Miguel ângelo, segundo os entendidos. (Apesar de poder auto-retratra-se quando e como desejasse, o pintor não se faz retratar como um homem de poder. Nos seus autoretratos miguel ângelo procura mostrar mais o seu interior em detrimento do corpo ou do rosto. É curioso Miguel Ângelo ter pintado o seu retrato tantas vezes (ou pelo menos mais do que aquelas que são comummente conhecidas), já que ele era avesso à banalidade. Vasari, que o conhecia bem, dizia que Miguel ângelo detestava essa vulgaridade, o comum, o quotidiano, principalmente quando alvo de uma pintura já que geralmente a banalidade não compreendia a beleza perfeita das coisas. Aliás, quando um dia Lorenzo e Giuliano de Médici lhe pediram que os esculpisse, Miguel Ângelo acabou por confessar que não obstante ter feito tal peça, não foi fiel à verdade: conferiu aos dois mais beleza do que aquilo que na realidade possuíam.
Miguel Ângelo
Last Judgment (pormenor)
1537-1541
Capela Sistina, Vaticano

Para além daquilo que podemos ver na Capela Sistina Miguel Ângelo também se auto retratou em outra obra: na Pietá Florentina, também chamada de Deposição. Ali, para além de Cristo, de Maria Madalena e da Virgem podemos ver uma quarta figura que poderá ser Nicodemus que, segundo o Evangelho de S. João ajudou José de Arimateia a recolher o corpo de Jesus da cruz (João 3, 1-9). Assim, e tendo em atenção que essa personagem da escultura em questão não é José, seria então Nicodemus, de capuz. Ora, como é que sabemos que não é José? Pois, porque assim como Van Gogh é reconhecido pela orelha cortada, Dali pelo bigode e a Frida Kahlo pelas sobrancelhas, Miguel Ângelo é facilmente identificado pelo nariz partido (façanha essa conseguida pelo seu colega, mas também rival Pietro Torrigiano, aquando de uma rixa entre os dois). Como homem preocupado com a beleza das coisas, era muito exigente, mesmo consigo e por isso tentava a todo o custo evitar a sua feiúra, embora tivesse, diga-se em abono da coisa, muito orgulho no seu nariz partido. Estava também, aos 60 anos, quando acabou de pintar a Capela Sistina, muito preocupado com as questões da morte e da salvação. Ele faz, por acaso, nos seus sonetos, uma observação muito parecida com aquela que Nicodemus faz ao interpelar Jesus. Pergunta Nicodemus: "Como pode um homem nascer, sendo velho?" (João 3, 4). Pergunta Miguel Ângelo, no soneto 302: "Como posso achar a Salvação com a morte tão perto e Deus tão longe?"

Miguel Ângelo, que tinha dissecado corpos para os seus estudos utiliza estes últimos para representar o homem, mas não num sentido estrito e absolutamente fiel ao original como Leonardo. Assim, a pele que pende de São Bartolomeu não é uma pele tal como Miguel Ângelo a viu e sentiu (parece a pele de um animal). Mas é isso que interessa o pintor, já que também ele não é perfeito perante Deus.
Miguel Ângelo
Pietà
1550
Museo dell'Opera del Duomo, Florença

O crescimento do auto-retrato prende-se com o crescimento da sociedade. Ao princípio os pintores assinavam as obras para se distinguirem dos simples artesãos . Começa no entanto a existir a necessidade de cada um se promover já que há cada vez mais concorrência, clientes mas importantes e encomendas mais volumosas, para além, curiosamente, de melhores espelhos. Até aqui os auto-retratos dos artistas eram deles enquanto testemunhas de um acontecimento: eram de assistência como este de Masaccio e o de Rafael. Tal não quer dizer que os artistas não tivessem consciência de si, como quis fazer crer Jacob Burckhardt. Segundo ele, os artistas até ao Renascimento não tinham quase identidade; ou seja, não tinham de facto consciência de si, o que não era verdade. Alguns como Masaccio ou Rafael pintavam-se na multidão, outros intervinham mais na cena (Dürer é a grande excepção, é o emancipado), mas todos se pintaram. Antes e depois do Renascimento. Frans Hals estava entre os burgueses de Amesterdão no século XVII, Velázquez aparece na Victory of Breda e Manet (mais tarde) encontra-se entre aqueles que passam uma tarde nas Tulherias... Uns mais comedidos como estes e outros, como Giovanni Bazzi mais ousados. Em St. Benedict's First Miracle, o pintor surge no centro da tela, no centro da composição como se tivesse sido ele a fazer o milagre, talvez para se vingar da forma como os monges beneditinos o receberam durante 3 anos enquanto realizava o quadro, chamando-o de "Il mattaccino" (o buffon). Ou como Caravaggio que se retratou, não à direita de Cristo como costuma acontecer nas cenas bíblicas mais solenes, mas à esquerda, do lado dos soldados. No entanto, é ele quem tem a lanterna, quem ilumina a cena e quem coloca em evidência a revelação.
Masaccio
Raising of the son of Theophillus and St. Peter Enthroned
1426-1427
Capella Brancacci, Santa Maria del Carmine, Florença

Raphael
The School of Athens
1509
Stanza della Segnatura, Vaticano

Velázquez
The Surrender of Breda
1634-1635
Museu do Prado, Madrid

Giovanni Bazzi
Life of St. Benedict
1505-1508
Abbazi, Monteoliveto Maior


Caravaggio
Taking of Christ
1598
National Gallery of Ireland, Dublin

(continua...)
- o carteiro -

o que é que têm em comum Goya e Caravaggio? Os pincéis e pouco mais. Ao ler a biografia de um e ver o filme relativo à vida e obra do outro, a desilusão não podia ter sido maior. Ou se calhar até podia, mas é isto que se costuma escrever. A Ars Mundi tem uma colecção dedicada à biografia de alguns artistas. Peguei na de Goya e pensava descobrir um homem extraordinário que pintou de forma excepcional (alguns quadros são geniais, principalmente o do retrato da família real, e os dos acontecimentos de Maio de 1808, o fresco do cão em fundo amarelo, as gravuras dos Desastres...) e acima de tudo, a razão para ser tão estimado no mundo inteiro. Fiquei desiludida. Talvez porque espere da vida coisas extraordinárias e dos homens extraordinários... coisas extraordinárias. Mas a verdade é que a maior parte das pessoas extraordinárias é bastante comum. Ou pelo menos é o que se vai aprendendo. Não que ache mal, mas seria melhor se cada um de nós, para além de esperar para si coisas extraordinárias, também as fizesse. Diz o "roto ao esfarrapado". Bem, continuando; ao que parece Goya foi, no início da sua vida enquanto pintor, uma pessoa bastante subserviente: via-se e desejava-se rodeado de luxos e dos favores da corte. Queria que na sua aldeia natal falassem do número de cavalos da sua carruagem, que se comentasse com quem tinha jantado, que encomendas lhe havia a Igreja feito e com quem privava. Casou com a irmã de um pintor da corte, tendo em vista a sua ascensão ao mesmo lugar. Comprometeu as suas convicções em troco de alguma fama, conspirou em vão contra os seus rivais que acabaram sempre por lhe estender a mão. Goya alcançou aquilo a que se propôs, mas só aos 30 anos. Até aí lutou contra o academismo, sem no entanto, e na minha opinião, fugir totalmente dele. Por vezes, quando uma obra lhe era pedida e o pintor se encontrava sorumbático, pintava segundo o já pré-estabelecido e não segundo o seu espírito inovador. Quando ficou surdo e bastante enfermo, amante de duquesas (quem diria, já velho e doente), Goya nasce para outro tipo de pintura. Faz os seus retratos enquanto pintor da corte, mas dedica-se às gravuras, aos Desastres, aos Disparates, aos Caprichos. Dedica-se à tauromaquia (diz-se que chegou a tourear), desenhando. É pena que para mim só tenha ficado o retrato de um homem comum para uma obra extraordinária, entalada em dois tempos, nenhum deles o de Goya.

Vi depois o filme sobre a vida do Caravaggio de Derek Jarman e também... não sei, deve ser um problema meu, mas fiquei desiludida. Já não se usa a narrativa escorreita, isso é muito século e milénio passado. Tenho a certeza que algum Edgar Morin já disse quando é que as meta-narrativas acabaram, mas sim, esperava uma história tradicional. Não percebi o porquê do carro, da máquina de escrever e da calculadora. Não percebi igualmente como é que um jovem que perante o bispo boceja e afirma-se entediado ante o conhecimento que o mesmo transmite falando de Aristóteles e outros e depois, debita frases inspiradoras durante toda a vida adulta. Sendo que a passou entre tabernas e que mal sabia ler, não seria melhor mostrá-lo como ele era: um excelente pintor, um revoltado, um visionário que não quer ser intelectual. Eu gosto dele assim. O Caravaggio adulto do filme é uma desconcentração: às tantas a pessoa foca-se na imagem e esquece o texto. Talvez fosse esse o objectivo. Só quando interessa (quando descobre a sua Madalena grávida e retira da prisão o amante), é que o diálogo desenvolve. E para quê? Para dizer o que já se adivinha. Não sei. Eu acho que sou muito opinativa. Se analisar amanhã é até provável que não ache nada disto. Porém, e para já, a desilusão mantém-se.

(i'm such a bitch)

sexta-feira, agosto 26, 2011

estou doente. amanhã respondo aos comentários

quarta-feira, agosto 24, 2011

- original soundtrack -

Yeah
Well you can bump and grind
It is good for your mind
Well you can twist and shout let it all hang out
But you won't fool the children of the revolution
No you won't fool the children of the revolution, no no no

Well you can tear a plane in the falling rain
I drive a rolls royce 'cos it's good for my voice
But you won't fool the children of the revolution
No you won't fool the children of the revolution, no no no - yeah!

But you won't fool the children of the revolution
No you won't fool the children of the revolution
No you won't fool the children of the revolution
No you won't fool the children of the revolution
No way, yeah, wow!

(Children of the revolution, T-Rex)

desculpem lá, essas coisas novas são muito bonitas, mas não é a "minha cena"

- não vai mais vinho para essa mesa -

não me têm acontecido palermices dignas de registo. embora na minha cabeça, sim
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou como isto hoje vai ser bastante longo. nas Lições de Estética, de Hegel, o autor introduziu um conceito novo ao falar da pintura holandesa do século XVII: o de "domingo da vida". Com esta fórmula ele pretendia designar o estado de espírito das personagens da pintura holandesa (e quem sabe se também dos próprios holandeses da época) que era caracterizado por um aparente bem-estar físico e psicológico face aos momentos mais prosaicos da existência. Seja qual for a função, o local, a hora do dia... as personagens das pinturas holandesas estão bem, não obstante não serem propriamente católicos. Mas se eles que não são católicos e estão bem, então é porque, ou são bons, ou a arte torna-os bons. Diria que a arte coloca em evidência uma característica deles já que muito se deve ao pintor. No primeiro caso, no caso de Vermeer que apesar de ser um artista apreciado no seu tempo (era um artista que cumpria o que lhe era encomendado), sofreu um período mais obscuro, a jovem encontra-se a segurar numa balança. Até lhe chamaram a "Rapariga que pesa ouro", ou "Rapariga que pesa pérolas", pois são visíveis alguns colares de pérolas em cima da mesa. As análises feitas ao quadro porém não revelam a presença nem de ouro, nem de pérolas nos pratos da balança, nem mesmo de pérolas soltas em cima da mesa, à espera de pesagem. Ora, se se a senhora não está a pesar, o que é que está a fazer com a balança na mão? A questão não é tão irrelevante quanto parece, já que todo o contexto não é inocente. A jovem segura a balança e posa frente a um quadro do Juízo Final. Está por isso entre os valores materiais (em cima da mesa) e os espirituais (no quadro), se bem que a balança vazia nos indique que ela privilegia os valores espirituais em detrimento dos materiais. A confirmar isto temos o seu rosto sereno e certo do que está a fazer. Quem pesa assim, apesar de "filisteu" não podia ser má pessoa. Vermeer acentuou ainda mais a alegoria ao acrescentar espaço para a frente da personagem e cortar o mesmo quase atrás dela, colocando no centro físico da composição (façam duas diagonais no quadro e vejam como no centro está a balança. Ela até faz uma das mãos repousar para não retirar visibilidade ao objecto).
No caso da pintura de Pieter de Hooch - coetânea da de Vermeer, embora um ano seja um ano - há a tentativa de repetição do esquema e quase, do tema. Vermeer e Hooch trabalharam juntos na guilda de São Lucas em Delft e é provável que um tenha "copiado" o outro (copiado no sentido positivo já que neste tempo era normal pintar a mesma temática da mesma forma). Porém, apesar de tudo fazer crer que Hooch seguiu a pintura de Vermeer, é até provável que tenha sido ao contrário. Só a vemos assim (1º Vermeer e depois Hooch) porque Vermeer é mais conhecido. O que se passa é que a pintura de Hooch tinha, na sua versão original, uma pessoa sentada na cadeira e que assim, muito provavelmente Hooch precedeu Vermeer ou caso contrário não teria colocado ali ninguém. Isto é uma "faca de dois legumes" já que ao analisar a obra de Hooch vemos que muito difícil encontrar personagens sozinhas, sem mais ninguém, assim como é raro encontrar janelas abertas naquela posição ou tapeçarias. Teria o pintor feito de forma autónoma, sem influência de Vermeer, como uma experiência, um teste aos seus limites? Ou estaria, ao aplicar elementos nunca antes aplicados, apenas a seguir Vermeer? Humm....
Vermeer
Woman holding balance
1662-1663
National Gallery, Washington

Pieter de Hooch

Woman weighing gold

1664

Stiftung Preussis Kulturbesitz, Gemäldegalerie, Berlim

- o carteiro -

desculpem estar a postar isto às pinguinhas, mas lembrei-me que não tinha falado de uma das melhores iniciativas do Manchester International Festival, de seu nome Eleven Rooms. estas exposições de performances, se é que assim lhes podemos chamar, apresentou no espaço da Manchester Art Gallery onze performances, simultâneas, às quais os espectadores assistiam e, em alguns casos, ajudavam. O primeiro quarto era dedicado a Swap, de Roman Ondák. Consistia numa sala praticamente vazia no centro da qual estava uma cadeira e uma mesa. Em cima da mesa encontrava-se um objecto que, segundo o que me lembro, era CD de música clássica. Assim que os visitantes entravam eram recebidos por um actor (acho que lhe podemos chamar isso, pois não era o artista em si que fazia a performance, mas sim vários colaboradores que se iam revezando) que lhes perguntava o que é que nós, visitantes, tínhamos para oferecer em troca do CD. A pessoa que entrou antes de mim trocou com ele um bloco de apontamentos e eu troquei um pacote de bolachas (Maria) pelo bloco, e olhem que o pacote de bolachas era para mim muito importante já que não consigo encontrar em Inglaterra bolachas Maria simples e só como esse tipo de bolachas. Isto também quer dizer que facilmente nos desenvencilhamos dos objectos, mesmo aqueles que têm valor, perante a iminência de algo novo, mesmo que com valor inferior. Depois, e após muitos risos e sorrisos (pois uns ficaram, atendendo ao valor pecuniário dos objectos, a perder, mas atendendo à experiência, a ganhar), seguia-se para a sala seguinte.

Na sala seguinte estava Joan Jonas e o seu Mirror Check, uma performance já de 1970 (e isso é que me aborreceu pois era suposto a coisa ser actual), mas que não era realizada pela própria, pelo menos a avaliar pelas imagens. Uma performer nua - razão para a porta permanecer fechada entre as entradas e saídas - observava-se muito lentamente através de um espelho, mas naturalmente, e por mais que se esforce, esta mulher nunca vai conseguir ver todos os cms de pele. Há duas notas a acrescentar: o fato de a performer em questão ter usado a aliança de casamento e de estar retratado naquele quarto a pessoa, a sua sombra e o seu reflexo. Quanto à aliança, ela diz-nos muito mais de toda a performer, do que qualquer espelho com potência ginecológica, já que nos indica que é casada. (e tudo o que por consequência conseguirmos intuir)

À sala seguinte dedicarei poucas linhas. Era da responsabilidade de Santiago Sierra e dos seusVeterans of the wars of northern Ireland, Afgahanistan and Iraq facing de corner. Consistia na presença, face a um canto da sala e de pé, de um homem de rosto colado à parede que representava vários tempos e várias pessoas. No entanto não permitia a interação, o que nestes casos se revela um pouco autista... não sei, parecia que era necessário estar dentro de um contexto muito especial para perceber. E a verdade é que quem ia ver, não tinha essa informação. Tive vontade de lhe perguntar o que é que ele estava ali a fazer de cara voltada para a parede, mas tive receio que alguém da organização me viesse repreender.

Na sala dedicada a Tino Sehgal a uma pequena menina faz de Ann Lee, nome da performance. A sala encontrava-se vazia nela, no centro, uma rapariga, com cerca de 8, 9 anos declamava um texto que estava relacionado com outra performance (desconheço se era o texto de outra performance) e em que a performer falava, praticamente, sobre si, sobre a sua condição. No fim do texto a menina abandona a sala lentamente deixando-nos com uma pergunta. Ela fala, mas há ali de facto uma diferença entre a interação e a comunicação. Acho que uma senhora ousou responder-lhe, mas a criança não abriu a boca e quem respondeu foi outra pessoa que também estava a ver a preformer. Logo a seguir entrou outra menina que repetiu todo texto e voltou a deixar-nos...

Revolving Door de Allora & Calzadilla foi uma performance engraçada, mas não deixei de me sentir um bocadinho palhaça. No quarto estava uma fila de jovens, vestidos todos de igual, fila essa que ocupava uma parede à outra. Como se tivessem um eixo central a meio da sala, os jovens iam marchando numa direção ou em outra, como uma porta giratória. Claro que quem os via tinha vontade de provocá-los, marchar com eles, girar na direção em que eles giravam ou até, quando faziam ângulo recto, ficar presa entre duas paredes e as duas filas de pessoas. Fiz isso, mas o fato de eles não terem qualquer expressão facial perturbou-me um pouco. Como disse... senti-me palhaça. É que acho que a arte para ser levada a sério não tem de ser macambúzia. Por isso gostei tanto do primeiro quarto onde para além de trocarmos objectos podíamos conversar com o performer acerca dos objectos.

John Baldessari apresentou uma "ejaculação precoce"; ou seja, apresentou aquilo que estava para ser a performance, mas que depois, por motivos óbvios (como veremos) não pôde ser concretizada. A performance chamava-se Unrealised proposal for a cadavre piece e que consistia em apresentar numa exposição um cadáver. Mas, ou não houve o empenho necessário da parte do artista e da organização, ou por falta de tempo, ou até por imposições legais, não foi possível trazer o cadáver para a exposição a tempo da mesma. O que é que ocupa então o quarto? O conjunto de emails trocados entre as diferentes partes e que falavam, por um lado, da tentativa de aproximação desta performance com o quadro de Cristo Morto de Mantegna e a instalação Étant Donnés de Duchamp, também referiam os aspectos mais práticos da ideia. Daí a presença de emails trocados com funerárias, médicos, advogados. Eram muitos os papéis e era muito difícil ler tudo o que estava lá escrito. Mas era possível uma pessoa aperceber-se, eu pelo menos fiquei com essa impressão que existiram dois impedimentos que mataram o projecto à partida: um foi o célebre laissez faire, laissez passer (o excesso de diplomacia que a isso incentiva) e o outro foi a ausência de tempo para apresentar o projecto do dia da inauguração. Honestamente, achei que aquilo foi mais uma operação de marketing, uma forma do artista se publicitar, apresentando nada, mas com a promessa que poderia - caso ele quisesse - apresentar tudo. Muito barulho para nada, como diria o Shakespeare.

O quarto com a performance Men=flesh/Woman=flesh-FLAT de Laura Lima é talvez o menos interessante. Desculpem lá dizer isto, mas é a minha opinião. O teto do quarto é rebaixado até ficar a cerca de 50 cm do chão. Lá dentro, deitada junto a um candeeiro está a performer que quando fui ver, era anã. Não sei se todos os actores que utilizados naquele quarto eram anões, mas acho que faz todo o sentido se forem. De qualquer forma, e mesmo tendo em atenção que a artista gosta de explorar as relações do corpo humano com o espaço envolvente, não achei propriamente que a performance levantava questões muito relevantes ou que era passível de nos deter. O máximo que me passou pela cabeça foi entrar lá dentro a rastejar e ir ter com ela, mas eu sabia lá se podia fazer isso?. Estive deitada à entrada, à espera de qualquer coisa.

Num outro quarto, um homem nu, deitado numa cama, lê um livro em voz alta. É a base da performance de Simon Fujiwara: Playing the martyr. O livro que o actor lê chama-se "As vidas de Simão". Durante esse tempo ele distrai-se, masturba-se, pensa em voz alta em outras coisas e faz aquilo que não é suposto um actor fazer: falhar a representação. Chamaram-me também a atenção para outra coisa. O actor, que não é Simon Fujiwara, tenta - até pelo nome da performance - fazer de conta que é um mártir. Ora o mártir São Simão está morto, o que quer dizer que também nisso o actor falha, já que não está morto. Se estivesse não poderia ser actor. (Uma ideia que me veio agora à cabeça é que o actor talvez pudesse de facto estar morto e ser actor, como acontecia no caso de John Baldessari. Acho que o trabalho de actor não pode ser visto como a memorização e verbalização de um texto, ou por qualquer actividade física. Se assim fosse, um actor que fizesse de morto não era actor).

Lucy Raven, que é a autora, mas não a actriz, a performer, apresentou What Manchester does today, the rest of the world does tomorrow, na qual se pode entrar de x em x tempo. Lá dentro os observadores sentam-se em dois bancos corridos dispostos na sala, frente a um piano que toca com discos marcados. Não sei como isso se chama, mas é quase o mesmo sistema do realejo. Quem faz a performance não é o performer, mas sim o piano. Daí dizer-se que é uma antevisão do futuro, de como será o futuro em que as máquinas substituirão os homens. Pois eu cá não sei, desconfio muito disso, mesmo para fazer a máquina é necessário o homem. A não ser que a máquina seja feita pela máquina, mas na génese, foi o homem. Talvez seja antiquada, mas não sei se iremos de facto, no futuro, sentar numa sala de espetáculos e olhar para um piano que toca sozinho.

Seguiu-se a performance que justifica todas as outras: Marina Abramovic. Digo-o com ironia pois de senti que todo este festival rodava em torno dela, o que, avaliando pela sua performance e pelo espectáculo de que já falei aqui The life and death of Marina Abramovic, não augura nada de bom. Quer dizer, vamos lá ver se a gente se entende: acho que o trabalho dela, mesmo aquele que ela apresentou na galeria, foi sobrevalorizado. As pessoas parecia que hiperventilavam quando estavam a chegar à entrada do 10º quarto da exposição, quando na realidade ela não mostrou mais do que aquilo que já tinha mostrado. A performance chamava-se Luminosity. Dentro de um quarto escuro, com apenas uma parede iluminada por um foco, uma rapariga nua de braços e pernas abertas, sentada numa plataforma fixa à parede e com os pés apoiados em outras duas, quase como crucificada, permanecia ali até aguentar. Quando ela descia para dar lugar a outra performer dava para ver como o rabiosque estava vermelho e marcado. Não sei se a ideia era mostrar uma mártir ou o martírio em directo já que a posição dela era muito semelhante à de Cristo. E nisto já de fato alguma coisa da tal luminosidade de que fala o título que talvez se deva a uma espécie de epifania. É que a rapariga adota não só a postura de Cristo, como a do Homem Vitruviano de Da Vinci, como também tem qualquer coisa de Hermann Nitsch.

Por fim (ah... o por.fim), isto seguindo mais ou menos a ordem que segui lá a exposição encerra com Xu Zhen e In just a blink of an eye. Vamos lá ver se consigo explicar. Aquilo que vi não vai de encontro ao que li. In just a blink of an eye é não só a performance que vi, mas um conjunto delas que se caracterizam por mostrar pessoas (dizem que são pessoas chamadas por serem da China e encontrarem-se a trabalhar em Nova Iorque) em posições improváveis que desafiam as leis da gravidade e da lógica. Não é magia, é apenas o apoio do corpo numa superfície de metal que fica encoberta com as roupas. Ora em algumas outras performances sob esta denominação de In just a blink... faz de facto sentido aludir ao facto de serem trabalhadores chineses que estão sempre em suspenso, sempre à espera que o seu emprego caia (porque é que sinto que este conceito se podia exportar), até porque usam o tradicional fato azul de operário. Mas nesta performance, o rapaz - de joelhos dobrados e costas paralelas ao chão - usava um casaco desportivo, ténis e jeans. Não me pareceu de quem estivesse suspendo à espera de uma tragédia laboral.

E assim aconteceu. Despeço-me com amizade...

- o carteiro -

para um bom dia:
- Há artistas que não se têm em grande conta. E têm razão. Porém, não desesperem; chegou o MoBA: Museum of Bad Art
- ouvir "frameville" e "bacatelas"
- The Antics Roadshow ou Bansky 3D? Não sei, só sei que depois de ver dá vontade de sair pela rua a dizer e fazer palermices
- A cidade WASP e JAP soltou-se (Say Something Nice). Apesar de não saberem que era algo encomendado pelo Guggenheim à Improve Everywhere.
- It's time com os rapazes da passadeira.

- não vai mais vinho para essa mesa -

barbie parra do douro:

domingo, agosto 21, 2011

O mar de julho
estatístico e pequeno
Um último
textual lembro
remorso sem lição
mar de setembro.

(Poema, por Pedro Mexia)

quinta-feira, agosto 18, 2011




terça-feira, agosto 16, 2011

- original soundtrack -

sei que já postei isto, mas estou a ler Thomas Mann (Os Buddenbrook) e adoro (acho perfeito), este adagietto da 4º sinfonia de Mahler.
(Adagietto, sinfonia #4, Gustav Mahler)
- não vai mais vinho para essa mesa -

não sei se é de mim, mas o que é feito dos grandes e bons romances? Proust, Flaubert, Eça, Saramago, Phillip Roth, Machado de Assis... até o Camilo!, escreveram excelentes romances. a Pastoral Americana foi uma desilusão (completo na medida em que se percebia qual era o fim, mas incompleto se tivermos em linha de conta o uso do pormenor na descrição de personagens que se perdem na história). o Great Gatsby, lamento dizer, mas não achei assim tão great. será de mim? nem sei se tenho legitimidade e autoridade para dizer isto visto que foram considerados grandes livros... mas honestamente, esperava mais. não é a questão do tamanho. não sei... se calhar é um problema que eu é que tenho, não os livros.
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

este não é bem um antes e depois, mas um... antes e depois. não consegui dizer isto de melhor forma. é que Giulio Romano (o depois) foi discípulo de Rafael (o antes), o que naturalmente, e com muita pena minha que preferia semelhanças menos óbvias, deu origem a obras parecidas. não podemos falar das diferenças de cor e saturação porque como vocês sabem, estas imagens são recolhidas da net e têm todas saturações e cores diferentes. mas comparando a Madonna de Rafael com a Giulio Romano podemos dizer que o rosto da primeira é muito mais suave - porém real - que o da segunda. é pelo menos a minha opinião. dizem que Giulio Romano, posterior a Rafael era "mais maneirista". as diferenças, não as das cores e das sombras, mas as diferenças assinaláveis, são, por um lado a rosa, já que a Madonna de Rafael se chama Madonna da Rosa (o tema no fundo é o mesmo ou parecido com os das outras Madonnas do autor, mas o que a distingue é uma rosa pousada na banqueta. Por outro lado (e vou aqui arriscar algo porque não sei se o quadro de Rafael está aqui completo), falta no quadro de Rafael as pernas de São João. Dizendo de outra forma: Giulio Romano alongou o quadro dando espaço para São João mostrar uma perna, que aqui, desculpem a reverberação, me parece uma perna de fauno. não sei se é pela criança ter o cabelo encaracolado e isso lembrar um outro quadro com um fauno, mas de facto aquela perna parece que vai dar a uma pata fendida. mas também há diferenças numa outra coisa: o grande São José de Rafael, ainda que mais atrás, aparece, enquanto que em Giulio Romano esta figura é substituída por uma outra, muito mais pequena de São José a guiar um burro, no fundo, à esquerda do rosto da Virgem. ora eu não sei se tem alguma coisa a ver, mas houve um tempo em que a figura do judeu na arte assumiu o mesmo carácter depreciativo que já tinha no dia-a-dia. assim, não é de estranhar que na natividade de Piero della Francesca, o burro do presépio esteja, lá ao fundo a comportar-se como um animal insurrecto e não como o animal dócil que habitualmente está presente nestas cenas, tirando e espalhando com o focinho as palhas. e o que é que tem a ver? pois, lembrei-me que só muito mais tarde José foi considerado como fazendo parte do núcleo. então até breve:
Raphael
Madonna of the rose
1518-1520
Museo del Prado, Madrid


Giulio Romano
The holy family with the infant St. John
1518-1523
National Galleries of Scotland, Escócia

Piero della Francesca
Nativity (pormenor)
1470-1475
National Gallery, Londres
- não vai mais vinho para essa mesa -

História da Arte do Futuro*
Mais uma corrida, mais uma viagem. Descoberto em Rio Lindo, no Brasil, Marcello Justi é uma das grandes promessas artísticas do país. Marcello Justi tem apenas 19 anos, o que nos pode levar a pensar que é um pouco prematura esta designação de "jovem esperança", mas o seu percurso é, apesar da idade, atípico e por isso, muito promissor. Marcello é filho de uma violonista italiana que, após detectada uma doença degenerativa, se isolou no interior e de um ex-corretor da bolsa de São Paulo, (curiosamente, hippie em tempos idos) que agora acompanhava a mulher nos últimos anos de vida, produzindo algum artesanato. Marcello nunca frequentou a escola, aprendendo tudo com os pais e com a comunidade onde vivia que, não obstante estar localizada no interior Norte do Brasil, era relativamente desenvolvida. A vida de Marcello ficou marcada por estes contactos com uma comunidade muito ligada à terra - de resto o seu pai continuava a mostrar-lhe o uso da agricultura e a importância da mesma, até para a economia, razão pela qual o jovem artista demonstrou sempre interesse em trabalhar com madeira, pedra e água. Instigado pelos pais a procurar resposta a muitas das suas dúvidas na Natureza, Marcello Justi desenvolveu uma arte onde mistura e questiona os conceitos de arte, artesanato e design. O que o jovem faz é mostrar como, através de uma visão menos empoeirada e preconceituosa da arte, é possível criar esculturas com utilidade. Marcello recupera as esculturas que a história da arte produziu (sejam elas representantes da arte africana, da arte do século XX ou da escultura grega) e, ou as relaciona entre si, dando assim às mesmas um novo fôlego e uma função (é conhecida a sua "Bicicleta para pequenos dadaístas" que resulta da união entre Level no. 3 de Martin Puryear e a cabeça de touro de Picasso), ou então, como no exemplo aqui mostrado, faz réplicas das esculturas originais dando-lhes assim uma função.
Marcello Justi
Henry Miranda
2009

*se não vier a ser assim, devia ser.

- o carteiro -

there's a new JV* in town**
Olek, nascida Agata Oleksiak, polaca, pode não ser mais famosa do que a nossa JV, mas por aquilo que vi, parece-me muito melhor. Na Johantan LeVine Gallery apresenta-se com uma pequena exposição intitulada "The Bad Artists Imitate, The Great Artists Steal" (não sei se concordo, mas sempre são melhores os que roubam do que aqueles que fazem de modo a parecer ocasional). Continuando... nos seus trabalhos podemos ver de tudo: tanto encontramos entre eles os bibelots à la Joana Vasconcelos, devidamente cobertos pelos paninhos da tia Celeste, que Deus a tenha, como (e isso sim é o melhor) rouba aos grandes artistas as suas obras mais emblemáticas para tricotá-las. Quando eu era pequenina aprendi a trabalhar com um tear e aquilo que mais gostava era poder ver o tecido a sair daquele emaranhado de linhas e pinos. Demorava, mas saía. A verdade era que pouco depois perdia o interesse por aquilo, mas enquanto não tivesse um tecido que traduzisse as voltas do ponto que tinha inventado, não descansava.
Mais do que cobrir por crochet ou tricot, trata-se de fazer desse tecido um casulo, um ventre (eu hoje estou tão inspirada), que envolva a obra em si, pelo menos no caso de Olek. Assim, e no seguimento daquilo que estava a dizer acima, Olek vai buscar obras como a fotografia de Annie Leibovitz de Keith Haring camuflado na sua própria obra e tricota-a, mas substitui a figura de Keith Haring por a de uma obra de Louise Bourgeois. Ela pura e simplesmente tricota em 3 dimensões a fotografia de Leibovitz; ou seja, ela passa para 3 dimensões aquilo que originalmente foi de 3 (o próprio Keith Haring) e depois de 2 dimensões (a fotografia), fazendo não só algo em 3 dimensões (porque é material, é palpável, é visitável), mas também em 2 pois a analogia só é percebida quando a obra é vista de frente.
Olek
Keith Meets Arch of Hysteria

Nesta mostra também podemos ver "roubos" de obras de Duchamp e Picasso, só que no caso da cabeça de touro de Picasso (salvo seja) feita de manípulos de bicicleta e um assento, ela costurou sobre uma bicicleta de ginástica e uma cadeira de cabeleireiro. O recheio da sua casa, devidamente tricotado, foi vendido ao Smithsonian que irá mostrá-lo no próximo ano. Não sei se isso é arte, mas pelo menos é alguma coisa; ou seja, são os bens dela que sempre são de algum valor (não estou a falar do valor pecuniário) e não uma coisa qualquer comprada nos chineses e embrulhada em napron. Mas visto por esse prisma, talvez isso também seja uma pertinência e devidamente enquadrado dentro da galeria, do museu, tudo ou quase tudo passe por arte. (é por estas e por outras que estou a fazer a minha própria história da arte do futuro).

* Joana Vasconcelos
** ou melhor, "há um novo Christo-Burda-Moda na cidade"
- o carteiro -

[1]
"Adidas is all in"

vi aqui


[2]

While you were talking...

vi aqui

[3]

"Due to the imminent collapse of society..."


vi aqui

sexta-feira, agosto 12, 2011

"act as if", dizem...

segunda-feira, agosto 08, 2011

- original soundtrack -

here come the skillfull blows
here come the puppet men with their fists
you know those backroom ghouls
they make it impossible to resist
I took the money
I took the money and I ran
ran around the world..
run little rabbit, run

I don't wanna go there
I don't wanna see
every time I come down here
somebody is bent on killing me
I don't wanna go there
with all them hungry mouths to feed
every time I come down here
somebody is bent on killing me

somebody is bent on killing me

there goes the Jigsaw man
stuffing you in the pockets of his pants
we thought we'd make it safe and clear
but we never really stood a chance
we took it the money
we took it over everything we held true
ran around the world
yeah little rabbit, run

I don't wanna be here
running through the rain
I could do it over man,
there ain't a thing that I would not change
all my friends are gone
left me freezing on a beach
and every time I crawl up here
somebody tries to take a piece of me

we spent the money
we spent it sailing down the drain
every time I raise my head,
they kill me once
and they kill me all over again
I don't wanna go there
Oh I don't wanna see
every time I come down here
somebody is bent on killing me

take the money and run
round and round the world we go
take the money and run
round and round the world we go
run little rabbit run
round and round the world we go
run away
round and round the world
round and round the world
take the money
take the money and run

(Money and Run, UNKLE+Nick Cave)
- não vai mais vinho para essa mesa -

ler "Governo corta suicídio de Natal" (em vez de subsídio), "Bienal de Capoeira" (em vez de Cerveira) e "Faltam destruir 20 mil Magalhães" (em vez de "distribuir")

- ars longa, vita brevis -
hipócrates

olá, ou sim, como estou a fazer render o peixe. já tinha visto aqui duas fotografias da nova campanha da Christian Loboutin, mas apresento mais outra, desta vez inspirado num pintor que desconhecia (mas é mesmo para isso que serve pesquisar para o Belogue). quer dizer, conforme se pode ver, Nattier era um pintor de corte, das elites. como diria um professor de desenho que tive, "cá em baixo, tudo limpinho, tudo direitinho, mas olha-se para cima e vê-se uma nuvem que parece um PENEDO!". ele acentuava com as mãos e com a voz a palavra "penedo", e acumulava saliva nos cantos da boca. como Nattier pintava a corte (e, ou porque tinha pouco com que se entreter, ou porque as senhoras da corte assim lhe pediam, ou porque era a moda da época) pintava-a como se da própria corte do Olimpo se tratasse. houve uma altura, por volta da Idade Média (o que é muito vago) em que os mecenas gostavam de ser retratados como membros da corte celestial, ou como pessoas com o privilégio de privar desse grupo de eleitos de que o Pai se faz rodear. depois, depois foi a "pouca vergonha". bem, a campanha da marca mantém o traje, o arranjo estético da modelo, o cenário (se bem que, sem "penedo"), mas substitui o cão da marquesa por uma minúscula bolsinha tigresse que é bem pirosa porque nem é uma carteira, nem um saco. aliás, com isto a marca perdeu uma potencial (muito remota) cliente. (também não percebi qual era a pertinência da coisa. em todas as fotografias os sapatos como pouco mais do que um acessório. para o comum dos mortais, os sapatos são um acessório, mas para as mulheres, os sapatos são um Prozac. se a marca vende sapatos, não se percebe esta estratégia de colocar a bolsinha e o sapato como o Wally. bem, mas isto sou eu a pensar cá comigo):
Jean-Marc Nattier
Portrait of Marquise d'Antin
1738
Musee Jacquemart-Andre, Paris

Loboutin
Colecção Outono/Inverno 2011
- não vai mais vinho para essa mesa -

História da Arte do Futuro*
Este grupo que hoje vos apresento é uma dupla argentina formada por Xoana Forlan e Nerli Sarques, dedicada às antíteses. Xoana é de Cárapa e de Nerli de Xilitas, cidades do Norte do país. Xoana estudou em Londres até ao ano passado e aí apresentou já alguma obra que desenvolveu juntamente com as The Girls, um grupo de raparigas de várias nacionalidades que partilhava uma galeria de arte. Desde cedo, Xoana já havia evidenciado alguma consciência artística ao ser eleita e vencedora, por duas vezes, do prémio Juan Marco Solar, que distingue o melhor artista nacional no ano em questão e que estará representado, juntamente com outros, claro, na Bienal de Veneza. Xoana Forlan esteve então duas vezes em Veneza, numa delas praticamente como única representante do país, uma vez que o fazia sem apoio de nenhuma galeria de arte. Note-se que a artista tem apenas 21 anos. Nerli por sua vez desenvolveu grande parte do seu percurso profissional na cidade natal possuía um cargo elevado num banco argentino. um dia, no percurso de casa para o trabalho, viu um grupo de jovens a grafitar uma parede. Embora tivesse tido vontade de se afastar dali e chamar a polícia, permaneceu e acabou por se integrar no grupo. Após mais alguns meses de trabalho no banco deixou a posição privilegiada que tinha para seguir o grupo, mas cedo percebeu que queria uma arte com carácter interventivo, mas não de forma sub-reptícia. Conheceu Xoana num simples Starbucks da capital e o gosto dela pelas contradições literárias e o dele pela exposição das contradições sociais originou os LaDos. Juntos exploram, através da fotografia, esse mundo de opostos. Com eles vemos o frio e o quente, o cheio e o vazio, o áspero e o liso, mas com muito pragmatismo, sem recurso a imagens que sejam chocantes do ponto de vista social (afirmam-se contra as reportagens de guerra ou catástrofes), mas que alertem consciências para as questões sociais. Chegaram mesmo, no início da sua colaboração (que prosseguiu, graças às novas tecnologias enquanto Xoana estava em Londres), a fotografar imagens de flores em cemitérios e flores bem cuidadas numa jarra, em casa, para alertar o governo argentino para a necessidade de respeito pelos ciclos de vida dos animais, que na capital do país eram abatidos quando encontrados na rua, independentemente da sua idade ou estado de saúde. Aqui fica uma sequência onde os autores exploraram o conceito de cheio e de vazio. (Esta obra foi adoptada pela a luta pela legalização da prostituição na argentina.)
Xoana Forlan e Nerli Sarques
Vazio e cheio #5
2005

*se não vier a ser assim, devia ser.
- não vai mais vinho para essa mesa -




quinta-feira, agosto 04, 2011

terça-feira, agosto 02, 2011

tenho de tirar isto da minha cabeça. nem que tenha de tirar a cabeça
- original soundtrack -


Tonight you're mine completely
You give your love so sweetly
Tonight the light of love is in your eyes
Will you still love me tomorrow?

Is this a lasting treasure
or just a moment pleasure?
Can I believe the magic of your sight?
Will you still love me tomorrow?

Tonight with words unspoken
You said that I'm the only one
But will my heart be broken
When the night meets the morning sun?

I like to know that your love
This know that I can be sure of
So tell me now cause I won't ask again
Will you still love me tomorrow?

Will you still love me tomorrow?
Will you still love me tomorrow?...

(Will you still love me tomorrow, Amy Winehouse)

- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou mais do mesmo. não é bem mais do mesmo porque apesar de já ter falado nisto, na Escola de Atenas do Rafael, aqui, (e acho que em outro sítio qualquer também), achei agora semelhanças entre o fresco de Rafael e o quadro de Jan Steen. Já tínhamos falado aqui no Belogue destas semelhanças na composição, como por exemplo aqui, na comparação entre o Massacre dos Inocentes do Guido Reni e a Guernica do Picasso. Sobre a Escola de Atenas não vou falar muito mais. Sabe-se que quase todas ou todas as personagens estão identificadas e que entre elas aparece um mulher, a única, cujo modelo foi La Fornarina, a amante de Rafael que era filha de um padeiro e que, de tão fogosa, matou Rafael durante o acto... Bem... ao ver o quadro de Jan Steen (e ao ler a legenda) vi que de facto existiam semelhanças na composição de algumas personagens, sendo que no quadro do pintor flamengo, as mesmas eram apenas rapazes e raparigas de uma escola mista. A impressão geral é a desorganização dentro da sala de aula, tema que Steen utiliza para denunciar e parodiar um quadro comum na época e que, diga-se, se encontra muito actual. Heraclito na caixa verde, corresponde ao miúdo adormecido no chão da sala de aulas; Pitágoras, na caixa amarela corresponde ao grupo de duas crianças à esquerda (por estarem de vestido não quer dizer que fossem raparigas pois até aos 6 anos, mais ou menos, rapazes e raparigas usavam "vestido"). Na caixa vermelha, atrás de Alexandre, o Grande, está um homem de braço estendido que se assemelha, pelo menos na pose ao rapaz que está no fundo da sala, em cima de uma mesa. Compararia, por fim, o grupo à esquerda na caixa azul (Euclides e um rapaz de azul) com o grupo à esquerda que se debruça sobre a mesa. Só acrescentar que à direita se vê uma coruja, o símbolo da sabedoria e atributo da deusa Atena. Um rapaz oferece à coruja um par de óculos em alusão ao provérbio flamengo que diz mais ou menos isto: De que servem os óculos se a coruja não quer ver?

Rafael
The School of Athens
1509
Stanza della Segnatura, Palazzi Pontifici, Vaticano

Jan Steen
School of Boys and Girls
1670
National Galleries of Scotland
- não vai mais vinho para essa mesa -

- acrescenta o que achares necessário à lista de compras.
- ok. leite para todos, queijos para mim, cocó para ti, maçãs...
- o carteiro -

Ora bem, como prometi, deixo hoje uma "crítica" acerca do concerto de Amadou e Mariam, Eclipse, em Manchester, concerto este inserido no MIF. Não estou a fazer "render o peixe", mas acho que alguém deve falar nestas coisas já que não vi a crítica em nenhum site de Portugal à performance da Marina Abramovic nem a este concerto do duo do Mali, o que me deixa um bocado admirada (até mais pela Abramovic que é muito conhecida. Quando pesquiso na internet é o Belogue que surge em primeiro lugar. enfim, vá-se lá perceber...).

Disse, na última vez que escrevi, que inserido neste festival e que eu tivesse visto, o melhor espectáculo foi o de Amadou e Mariam. Começa pela preparação. À entrada do New Century Hall em Manchester - um pouco afastado do centro - o espectador é avisado que não deve, de forma nenhuma acender qualquer luz, manter telemóveis ligados, que uma vez abandonada a sala não pode voltar a entrar, que as chegadas tardias não vão ver admitidas e que, se pretendesse sair da sala, por qualquer razão, deveria levantar um papel com as instruções e esperar que um assistente de sala viesse fosse ao seu encontro e só aí poderia sair. Isto intrigou o público, mas muito às apalpadelas lá fomos tentando guiar-nos para encontrar uma fila mais para o centro e sobretudo, sem cabeças grandes à nossa frente. Mal sabíamos, mas toda a preocupação era em vão. O espectáculo começou e acabou às escuras. Ouvia-se apenas uma voz de fundo que contava a história do casal Amadou e Mariam, do Mali, ambos cegos, que se conheceram graças à instituição que frequentavam e se uniram pela música. É aliás a música, as várias músicas da carreira de ambos que contextualiza estes episódios. Só não sei se foram músicas tocadas ao vivo, porque estava escuro. Daí o nome Eclipse. A performance não era só deles, era nossa também porque tínhamos de ouvir e sentir um concerto e não vê-lo. Tínhamos de nos colocar na pele deles, e apenas sentir os ritmos. E o facto é que, mesmo sentada, dei por mim a agitar os ombros, bater o pé e balançar a cabeça ao som da música. Nunca faço isso porque tenho vergonha. A luz acende-se apenas para, já no presente, chegarmos à barreira cronológica daquele momento: e naquele momento aqueles músicos estavam ali em Manchester a apresentar o seu mais recente trabalho. Apenas uma canção; cerca de 5 minutos e o grupo, a banda sai em ovação. As pessoas colocam-se em pé, chamam, gritam por eles. Por três vezes vêm ao palco, mas quando lhes exigimos mais uma música chamando lá atrás pelo título da mesma, eles sorriem e recusam. A performance é esta; não há repetições, não há encores e não poderia ter sido a coisa mais simples e mais perfeita a que assisti. É verdade que com a velocidade a que as coisas acontecem hoje em dia, as pessoas têm a tendência para gostar de coisas muito diferentes (para se anteciparem aos outros quando o trivial deixar de ser apreciado) e expressarem opiniões alternativas (para se colocarem na vanguarda), de forma instantânea, mais rápida até que a interiorização daquilo que se diz sentir. Mas também a verdade que não diria isto que não achasse o concerto genial.
- não vai mais vinho para essa mesa -

História da Arte do Futuro*
Esta é uma obra de Janina Cazares, uma artista suíça que nasceu, curiosamente em Espanha, em Vilência perto de Madrid, mas que se interessa, sobretudo pelas relações que os cidadãos do Norte da Europa estabelecem entre si, por oposição às dos países do Mediterrâneo. Cazares deixou Espanha com 20 anos aquando da morte da avó nos atentados terroristas de 11 de Março. Ela, os dois irmãos mais novos, o pai e a mãe mudaram-se para a Suíça onde se encontrava a família materna. Janina ficou muito marcada pelo calor e pela alegria dos povos do Sul lembrança essa inseparável, pelo menos para a sua obra, da da morte da avó de quem era particularmente próxima. Janina Cazares sentiu a mudança, não só a nível climático como dos afectos. As suas obras - em papel A4, simples e que usam como técnica apenas o risco cinza, preto ou azul - estão presentes em todo o mundo. A Diëgstlungkunst Gallerie prepara-lhe uma exposição para o próximo ano. Estes desenhos simples e muito eficazes contrapõem o frio da folha, com o traçado muito fino da linha que representam, tanto o frio da região (e das pessoas, nas suas relações mais pessoais) como as linhas da paisagem interior. Ela fala do vaguear da mente, de uma arte sem conceito por nada, a não ser o livre correr da mão, está presente. Cazares, que também se tornou, no seu país, uma forte defensora da agricultura biológica e da reciclagem (estando até integrada num grupo de estudo do governo suíço relativo à questão ética do uso de pele humana, cabelo e unhas para a produção de novas formas de suporte analógico), cria assim uma obra que respeita o ambiente já que utiliza a parte de trás da folha de papel para outro trabalho. Estas folhas são produzidas por si. A obra de Janina apresenta já fases, das quais destacamos a fase espanhola e a fase fria. Quando enveredou pelo mundo artístico, Janina tinha cerca de 18 anos e trabalhou como modelo de desenho de nu. Com esse trabalho encontrou forma de manter uma pequena produção artística, bastante académica, mas onde já estavam presentes os traçados que tornaram a artista uma das grandes promessas do mundo artístico. Fica aqui uma das obras de Janina, do início do período frio, denominada (de)composição #14: Melancolia de Domingo. Nela notamos aquilo que Janina Cazares denominou de "impetuosidade esquemática da genética", como alusão ao acaso, que não obstante não estar na base do ser humano, se desenvolve de forma que nos parece casual, mas segundo uma ordem que na realidade é para nós incompreensível.
Janina Cazares
(de)composição #14: Melancolia de Domingo
2010
Colecção Privada

*se não vier a ser assim, devia ser.