sexta-feira, julho 30, 2010

- o carteiro -


Van Gogh
Fifteen Sunflowers in a Vase
1888
National Gallery, Londres
Todos os clichés que nos trauteiam só fazem sentido quando passamos pelas situações que deram origem ao seu nome. Mesmo quem os trauteia não sabe, na maior parte das vezes o significado daquilo que diz. Apensa se sente obrigado a dizer algo que todos sabem, que é verdade, mas que é dito sempre com o mesmo tom vago e oco.

Expressões como “depois telefona-me para tomarmos um café”, “gostei de estar contigo” ou “havemos de voltar a falar” são para mim ar. A “porca torce o rabo” é quando as pessoas se encontram de verdade, tomam cafés umas à frente das outras, quando lhes vemos o olhar e os gestos. Foi por isso com muito nervosismo, ansiedade e emoção que reencontrei, após 15 anos de total quebra de contacto as amigas do liceu. Quinze anos volvidos como estariam elas, as miúdas que bebiam nas tascas, que faziam dietas em grupo, que liam Ragazzas e Bravos, que faziam a vida num inferno a qualquer professora de francês, que competiam nas notas e nos rapazes, que compravam roupa em quantidades industriais e que abominavam as experiências parentais e que achavam que a vida acabava antes mesmo dos 30?
A Marta estava casada, após mais de 40 tipos de beijo diferentes. Vivia numa casa de pescadores junto ao mar (que para ela era o retiro da Brigitte Bardot m Saint Tropez) com o marido que era surfista e uma cadela muito velha. Dava massagens, praticava ioga e embarcava em projectos fotográficos para os quais se tinha preparado academicamente, mas que por uma razão ou por outra nunca tinha praticado. Parecia-me feliz, dizia-se feliz e nunca se sentia sozinha. Não bebia leite nem comia trigo.
A Jenny, após o aborto aos 16 anos tinha desaparecido da cidade para se isolar nos Estados Unidos junto da família emigrante. Retomou o namoro com o Miguel, à revelia dos pais dela e dele, e quando ninguém esperava, casaram-se lá, em New Jersey. Nunca o nome dela vinha separado do dele, até ao dia em que, nascido já o André, separaram-se. Afinal o amor acabou. A Jenny voltou para Portugal e o Miguel também. O André andava preso à mãe e ela presa à maternidade, às obrigações, à frustração de não poder sair e reconstruir a vida. Dizia-se doente, escusava-se às reuniões quando o filho requeria a sua presença para mais beijos e mimos. Queria fazer o curso de design de decoração e estava sempre a rir-se. Nas fotografias ela é aquela que está sempre a comer.

A Mariana estava muito grávida. Engravidou na Holanda onde vivia com o companheiro, um piloto de uma companhia cujo nome não recordo, e resolveu ter a criança em Portugal, na terra que se não a viu nascer, pelo menos viu-a dar os primeiros passos e as primeiras passas. Até que a incompatibilidade com a mãe, nascida em berço de ouro e que tinha criado as suas filhas no mesmo, a levou a abandonar a cidade do liceu. Voltava pois então para parir o seu Santiago. A Mariana que era acusada de colocar algodão nos soutiens para poder compor o decote, exibia agora um peito orgulhoso. Parecia-me feliz, talvez farta de estar grávida, ela a quem nenhum tipo escapava.

A Rita M. era professora de ioga e tinha abandonado o trabalho de arquitecta na Câmara Municipal (por influência do pai que é proprietário de um restaurante muito famoso lá da terra) devido a um conflito com um superior. Internos falavam de uma brincadeira com um X-acto. De outras bocas ouvi falar de uma faca apontada ao pescoço. Era sair ou ficar sem ele? Vivia num apartamento que o pai tinha comprado: um para ela, um para o irmão e um para ele e para a mãe. Sentia-se metafísica, omnipotente e etérea com a sua sapiência espiritual, bem-estar interior e uma voz de desenho animado que desde sempre a anunciou.

A Rita A. que sempre foi mais retraída, trabalhava num museu, emprego conseguido após um romance de faculdade com um professor e morava com um namorado, do qual dizia, sem muito segredo, que “não havia aquela chama”. O João Pedro era figurante em telenovelas e séries da TVI, a Iva desenhava jóias em Londres e um conheceu a Bjork.

Eu ouvia-as com admiração e sem vontade de falar.