terça-feira, abril 20, 2010

- ars longa, vita brevis -
hipócrates

talvez não seja bem isto que quero dizer, mas vocês compreendem. queria um "antes e depois", só não tenho a certeza que a este "antes" corresponda este "depois". Estava a ver a História da Arte da Gulbenkian e passei pela fotografia de uma página de um álbum de arte islâmica. Já tinha passado várias vezes por ali e só nesse dia me pus a pensar: "X, isto daria um bom antes e depois. Tão bom" - disse eu para mim com algum laivo de exagero - "que nem tu deste por nada." E continuei "pensaste sempre que esta imagem era de arte contemporânea". Terminei com a devida repreensão "és mesmo...". Mais curiosa ainda foi a leitura de parte do capítulo que dizia que as imagens relativas à decoração islâmica eram muito semelhantes ao que víamos na arte contemporânea. Quer dizer, contemporânea na altura em que aquela História da Arte foi escrita. A imagem parecia-me tão actual que nunca coloquei a hipótese de ser da época que depois vi em legenda. E por ser actual, o antes e o depois eram um só, de tal forma que me foi difícil arranjar um depois que estivesse à altura do antes. A arte islâmica - do pouco que sei - não era dada ao figurativismo, embora seja possível encontrar exemplos de retrato de pessoas e animais. E não é só na arte não religiosa pois há imagens de Maomé, sem rosto, a ser erguido aos céus, como aconteceu segundo o Corão. No geral a arte islâmica era iconoclasta e daí a forte presença de elementos não figurativos baseados na caligrafia pois a caligrafia era uma arte. Tal como os monges copistas atingiam algum estatuto durante a Idade Média, o mesmo acontecia com quem se dedicava à escrita no próximo Oriente. Vejamos as coisas desta forma: a arquitectura era a arte suprema para o Ocidente. Pois para o Oriente a maior expressão artística era o livro. Um livro era a Gesamtkunstwerk; ou seja, aquilo que para nós (para Wagner) é a ópera: a "obra de arte total". Era caligrafia, desenho e encadernação. Nem mesmo os motivos vegetais, presentes na nossa Arte Nova, Modernismo, Jugendstil and so on, poderiam figurar na arte islâmica pois isso seria equiparar o homem a Deus no processo de criação, algo que, muito me espanta, nunca ergueu querelas no Ocidente. Talvez Mondrian - e hoje sabemo-lo, ou julgamos saber - não se tenha inspirado neste tipo de arte. A abstracção de Mondrian bem como de outros "neoplasticistas" (não sei se isto existe), e movimentos antecedentes, resultou de um progressivo desinteresse pelo crescente academismo que se tinha tornado o movimento da Secessão Vienense, originalmente concebida para responder a esse mesmo academismo. Daí para o Expressionismo, o Der Blaue Reiter e o Die Brücke (ou vice-versa, são movimentos patrícios) foi um passo de cerca de duas décadas para o De Stijl; ou seja, o Neoplasticismo. Um passo de duas décadas não é nada para quem antes assistia a movimentos artísticos que eram políticos e sociais e duravam séculos. O Neoplasticismo foi, dos movimentos modernos de não ruptura. O Futurismo fez a ruptura com a emoção e o sentimento, o Cubismo fez a estilização da realidade, o Suprematismo afastou a realidade da arte (criando de certa forma o abstraccionismo), e o Dadaismo fez o resto; ou seja, arrasou tudo o que antecedia o seu próprio tempo.
[não podemos ver estes movimentos como estanques e independentes. tenho para mim que a facilidade crescente na deslocação de pessoas e bens, tal como a época febril que se vivia foi importante para que estes artistas e por conseguinte as suas obras, fizessem rapidamente a ponte entre o estilo em que começavam e o estilo que fundavam. a linha que os separa não está bem definida.]

Influenciado pela sua formação cubista, Mondrian transmite para a tela a abstracção total, talvez a primeira forma de abstracção que parte de modelos concretos. Tal como o Cubismo dizia, Mondrian estiliza cada vez mais o que vê. Mis enquanto Picasso e Gris sobrepunham pontos de vista no quadro (como se fosse uma pintura de "acrescento"), Mondrian retirou tudo aquilo que era acessório e resumiu a realidade às cores primárias, às formas elementares (quadrados e rectângulos) e ao ponto (ponto, linha, plano, o princípio de Kandinsky). Mondrian apenas eliminou a linha dinâmica - diagonal - e a forma de reunião por excelência - o círculo de forma a criar uma pintura completamente objectiva.

Álbum do Conquistador (Sultão Maomé II)
Século XV
Museu do Palácio de Topkapu, Istambul


Mondrian
Broadway Boogie Woogie
1942-1943
The Museum of Modern Art, Nova Iorque

7 Comments:

Blogger João Barbosa said...

bem observado

20/4/10 1:08 da manhã  
Blogger AM said...

não sei... a "abstração", quer dizer, a utilização de motivos geométricos ditos "abstractos" (vá lá saber-se...) já vem dos "primitivos"...

20/4/10 10:48 da tarde  
Blogger Belogue said...

Caro AM:
e quem são os "primitivos"?
O que eu quis dizer foi que após a arte pré-histórica (quase toda figurativa, principalmente aquela que nos influencia directamente. atente-se nas pinturas rupestres) a arte evoluiu num sentido cada vez mais figurativo, até chegar ao momento de abstracção.
Os primitivos, excepto a arte islâmica, retratavam algo que pudesse ser identificado.

21/4/10 11:28 da tarde  
Blogger alma said...

Beluga,
EXCELENTE !
tenho um postalito que é um vestido do YSL baseado no Mondrian que é muito catita (o vestido)

22/4/10 12:45 da manhã  
Blogger Belogue said...

Cara Alma:
também já postei isso. tenho uma ideia que o YSL tinha feito uma colecção baseada em Picasso. Vi isso num programa de moda, já há uns anos, mas nunca mais encontrei nada. É engraçado que a moda move-se tão rapidamente que nem a internet a acompanha. Já não se encontra nada dos 90's.

24/4/10 12:03 da manhã  
Blogger alma said...

envio-lhe foto via AM

25/4/10 2:40 da tarde  
Blogger Belogue said...

Cara Alma:
envie mesmo via mail que é conhecido por toda a gente:
beluga@portugalmail.com

25/4/10 11:57 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home