sexta-feira, janeiro 15, 2010

- o carteiro -


Este é o dia que o Senhor fez (áléluia, áááléluuuuia) ou "mais vale uma mão inchada que uma enxada na mão":


Este é um post de elogio ao descanso por isso já sabem, se estiverem cansados... não leiam. Estava eu "cácomigo" quando ouvi uma história sobre as proibições de trabalhar ao Sábado. Sei que os adventistas descansam ao Sábado, mas quem não descansa ao Sábado também não fica proibido de trabalhar. Ou seja, o descanso divino dado aos mortais, pensava eu, era uma opção, uma oferenda. Quem quisesse descansava, quem não quisesse, descansava. Mas por aquilo que li, quando a lei foi concebida o povo judeu levantou muitas dúvidas sobre o que podia ser considerado descanso e aquilo que era trabalho, uma vez mesmo o que fosse uma actividade de relaxamento, como um banho, implicava trabalho, como aquecer a água.

Tudo começou nos Génesis quando Deus, depois de criar as plantas, o Dia e a Noite, a Água e a Terra, o homem e a mulher, descansou (E abençoou Deus o dia sétimo, e o santificou; porque nele descansou de toda a sua obra que Deus criara e fizera). E como é que descansava Deus? Depois de um trabalho destes deve ter sido um grande descanso! Ou será que Deus, por temer a ociosidade foi comedido no seu descanso. Na comunidade judaica o descanso divino levantou muitas dúvidas até porque esta não é a única passagem bíblica onde se fala do Sábado e do descanso. No Êxodo voltamos a encontrar-lhe duas referências: E ele disse-lhes: Isto é o que o SENHOR tem dito: Amanhã é repouso, o santo sábado do SENHOR; o que quiserdes cozer no forno, cozei-o, e o que quiserdes cozer em água, cozei-o em água; e tudo o que sobejar, guardai para vós até amanhã(Êxodo 16; 23) e Seis dias se trabalhará, porém o sétimo dia é o sábado do descanso, santo ao SENHOR; qualquer que no dia do sábado fizer algum trabalho, certamente morrerá. E mais tarde, no Deuteronómio (5; 14) encontramos isto: "Mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR teu Deus; não farás nenhum trabalho nele, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu boi, nem o teu jumento, nem animal algum teu, nem o estrangeiro que está dentro de tuas portas; para que o teu servo e a tua serva descansem como tu". Como vemos, para além de ser proibido aos homens trabalhar, também era proibido fazer os animais trabalharem e todos os que trabalhassem seriam castigados. Tudo isto começou devido a alguns atropelamentos ao Sábado enquanto dia de descanso que os judeus não respeitaram principalmente durante o exílio como vemos em Ezequiel: Mas a casa de Israel se rebelou contra mim no deserto, não andando nos meus estatutos, e rejeitando os meus juízos, os quais, cumprindo-os, o homem viverá por eles; e profanaram grandemente os meus sábados; e eu disse que derramaria sobre eles o meu furor no deserto, para os consumir, até que profetas como Ezequiel começaram a manifestar-se contra esta nova forma de viver a religião. Era até comum, antes do período da Restauração, não se respeitar quer dia, quer noite de Sábado e coube aos profetas, através da palavra, restabelecer a ordem das coisas como nos conta Neemias (13; 15 a 22).

Samuel Hirszenberg
The Sabbath rest
1894

Os mesmos profetas conseguiram criar uma tendência generalizada na sociedade judaica que proibia e reprovava o trabalho nos Sábados. De uma visão que se pretendia apenas moral, foi possível criar um corpo teórico de proibições, variações e respectivos castigos para cada um dos trabalhos. O Mikrá fala do conceito de trabalho para os judeus. Aos Sábados, segundo o Mikrá os judeus não podiam: acender o fogo (mas também não podiam apagar ou avivar o fogo), tecer (e quando se diz tecer, diz-se tecer dois fios. A partir de dois fios - que é o mínimo - já não se podia tecer), preparar comida ou transportar objectos ou pessoas (ver aqui). Mas para alguns ortodoxos estas especificações não eram suficientes. Levantaram-se então questões como: curar aos Sábados era permitido, ou devia o médico deixar morrer? Mudar o assento de um sítio para o outro era transportar? E que se comia ao Sábado se não era possível cozinhar? Eis que surgiram as minudências. Cada uma daquelas 39 proibições da Mikrá tem sub-divisões. Por exemplo: era proibido escrever duas cartas, mas os judeus estavam autorizados a escrever uma por cada Sábado. Era possível carregar um objecto do peso de um figo, mais já era uma violação da lei. O que quer dizer que quando um doente ou um moribundo que necessitava dos cuidados de um médico era levado no seu leito até ao curandeiro, estava a ser transportado e por isso, a transgredir: "Então os judeus disseram àquele que tinha sido curado: É sábado, não te é lícito levar o leito". Também não era permitido que o médico fosse ter com o doente, como nos conta Lucas (6; 7), nem que ao mesmo fosse prescrito um medicamento na sexta se este medicamento apenas começasse a fazer efeito no Sábado. Não era permitido colher uma espiga que fosse (Marcos 2; 23-24), ou mesmo cozinhar. Por isso às sextas, antes do Sol se pôr os judeus preparavam o alimento para o Sábado.

As proibições eram de tal forma meticulosas que, da comida que não era pura ou judeus podiam apenas comer o equivalente a um azeitona. E chegou-se a este ridículo: uma pessoa podia comer o equivalente a meia azeitona, vomitar e comer novamente o equivalente a mais meia azeitona e isto constituía crime segundo o Mikrá. Tudo porque o paladar ao todo provou comida do tamanho de uma azeitona. A carga transportada, como vimos podia ser do peso equivalente a um figo. Mas se uma pessoa transportasse peso equivalente a meio figo, colocasse num local e depois o retirasse de lá, isso não constituía crime pois o corpo pegou sempre em "meio figo". Não era permitido levar nada de um local público para um local privado ou vice-versa. Mas para desespero vosso, não havia uma definição daquilo que era o público: o mar, um metro de terra ao lado de uma propriedade, um vale... Pior: o que podia acontecer a uma pessoa que transportasse um objecto com peso equivalente ao de meio figo de um local público para um privado (ou ao contrário), duas vezes? Estas duas acções combinadas eram crime? E por qual dos dois deveria o judeu ser condenado? Se um objecto que devia ser usado à frente caísse para trás, ninguém estava a incorrer em erro pois era a acção do vento que o determinava. Mas se o mesmo objecto caísse para a frente havia crime pois esse movimento era provocado pela acção humana. Se um judeu apanhasse a água da chuva, não estava a pecar, mas se apanhasse a água da chuva que caiu de uma caleira, então estava a pecar. Um professor não podia permitir aos seus alunos que lessem se ele próprio olhasse para o livro, o que me leva a pensar que isto é um exagero pois ninguém devia ter aulas ao Sábado.

As mulheres não podiam olhar-se ao espelho pois se vissem um cabelo branco sentiriam o impulso de tirá-lo, o que constituía falha. Mas os homens não podiam usar qualquer instrumento para ver pois isso era indigno (fosse em que dia fosse). Uma mulher podia andar na rua e em casa com cabelo falso, mas um homem não podia andar com um sapato sequer que tivesse sido confeccionado pela mão humana. Muito se discutia se a tira de uma sandália deveria ser arranjada ao Sábado. A resposta é não. Era apenas possível colocar lá o suficiente para conseguir caminhar com a sandália nesse Sábado. Tudo o resto era "melhorar" a sandália, implicava trabalho e movimentação e isso não era permitido.

A dada altura as restrições não existiam para restabelecer a fé e a ordem espiritual - não há nelas nada de espiritual - mas apenas para regular um conjunto de minudências que, quando não cumpridas, permitiam aos vizinhos acusarem-se mutuamente.

2 Comments:

Blogger AM said...

isto é que é trabalhar...

15/1/10 8:56 da tarde  
Blogger Belogue said...

Olhe que realmente... Só por causa disso devia descansar, mas não posso. Tenho mais dois exames. Faça figas!

18/1/10 12:11 da manhã  

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