sexta-feira, setembro 11, 2009

- o carteiro -

Onde é que estavas no 11 de Setembro?
Eu estava no departamento a fazer um trabalho. Lembro-me de alguém ter dito que o WTC tinha sido atacado por dois aviões e que as torres tinham desabado. Pensei: "claro que desabaram! a construção na América é do pior, fazem tudo em pré-fabricado!". Isto não deixa de ser verdade hoje, mas já ninguém passará pela vida como se o mundo fosse o mesmo. Mesmo para aqueles para quem essa realidade parece longínqua, ela afectou toda a nossa vida. Tenho para mim que o fenómeno 11 de Setembro se tornou mais do que uma questão de justiça. É sem dúvida uma questão de dimensão da notícia. A forma como nos identificamos com a data, não tem só a ver com o facto de a termos vivido, de estarmos vivos no dia 11 de Setembro de 2001, mas por aquilo que nos foi mostrado. Porque é que é condenável o que alguns terroristas fizeram e não é condenável o que Kissinger fez ao ordenar o bombardeamento do Cambodja originando assim a morte de milhares de pessoas? Simone Weil dizia: "Há sempre um sentido ilimitado do desejo e estes, ao contrário dos limitados, não estão em harmonia com o mundo; pior, o nosso contacto com o bem, ao contrário das atitudes anti-éticas egoístas, sendo impulsionado por desejos de infinitude, visa o absoluto. A origem do bem tem um poder destrutivo tal que, para a nossa estabilidade pessoal, tem de parecer como mal. Por isso Cristo teve de morrer." O nosso desejo de encontrar a culpa apenas nos outros colide com a nossa culpa, pois embora nada possa justificar os ataques, eles tiveram uma dimensão mais simbólica do que numérica. Milhares de pessoas morreram, num só dia. E quantos milhares morreram num só dia na Europa ocupada? E quantos milhares morreram num só dia de conflito nos balcãs? E quantos milhares morreram num só dia na luta israelo-árabe? Quando um dia, ao ver Guernica um oficial alemão disse a Picasso: "Meu Deus, foi você que fez isto?", ele respondeu "Não, foram vocês que fizeram isto".

Há uns tempos, nuns subúrbios de Paris, um grupo de jovens emigrantes insurgiu-se, queimou carros e contentores do lixo, partir lojas e confrontou-se com a polícia após terem sido apelidados de escumalha pelo presidente francês Sarkozy. Mas porquê esta violência? E ainda por cima, porquê esta violência cujo alvo não é o governo francês, não é o presidente da república, não são as instituições, mas os bens de outros emigrantes. Porquê a violência terrorista oriental contra alvos ocidentais? Bom, facciosa a pergunta! A ser possível responder primeiro à questão bizantina de quem nasceu primeiro, se o ovo, se a galinha, podemos dizer que até quando os turcos ocuparam a Terra Santa, a violência dos Templários foi tal (respondendo a um apelo do Papa) que os próprios ficaram escandalizados e envergonhados com o que foi feito. Talvez durante séculos, as nações muçulmanas tenham aguentado, tal como os povos judeus, para exercerem a sua vingança. Quanto mais esperam, mais ostracizados eram e maior se tornava a sua raiva. Podemos também dizer que o caso não pode remontar até os primórdios, mas a verdade é que as relações entre o Oriente e o Ocidente eram relativamente pacíficas até aí. A pergunta continua a ser dúbia porque fala de orientais e ocidentais. Foi sempre possível dizer que alguém (um ocidental) era um "orientalista", sem qualquer dano para o mesmo. Os ocidentais aceitam como uma excentricidade o que vem do Oriente e a denominação continuava a ser uma forma de subjugar o Oriente. Não é possível porém a um oriental dizer que é um Ocidentalista. Isso seria ir contra as suas regras: quem não é pelo Oriente, é contra o Oriente. Porém, quando olhamos para as manifestações de rua acerca do caso das caricaturas de Maomé publicadas pelo jornal dinamarquês Jyllands-Posten notamos que esta civilização que supostamente traz a alteridade ao nosso quotidiano, é profundamente liberal e global. Passo a explicar. A maior parte dos muçulmanos que se manifestaram não tinham visto as caricaturas. O que isto quer dizer é que um fenómeno que acontece na Dinamarca une sob o mesmo pretexto nações tão díspares como a Dinamarca, o Líbano, a Indonésia, o Paquistão, etc. Todos eles estiveram juntos, ainda que de lados opostos da barricada, por causa de uma caricatura. Note-se também que quando os muçulmanos pedem, exigem respeito pela sua diferença, estão a protestar, a exigir direitos iguais na diferença, estão a pedir, no fundo e sem se darem conta, para serem tratados segundo os princípios básicos ocidentais. Acho que o desprezo a que os povos orientais votam os ocidentais é uma camuflagem, uma vez que é absolutamente normal que duas culturas se olhem de forma curiosa. Não há um fundamentalismo autêntico porque não há um desprezo autêntico, não há a ausência de ressentimento ou de inveja. O fundamentalismo islâmico está preocupado e intrigado com a vida, os usos e modos dos não-crentes. Não estão, de forma nenhuma afastados do outro que dizem desprezar.

Mas a vida não é fácil para eles. Quando as caricaturas saíram, a via do diálogo não foi facilitada isto porque o ocidente continua a sacralizar o Holocausto nazi e a não permitir que nenhum tipo de violência tenha uma importância superior a esse período histórico. O fenómeno contra o Oriente é de tal forma global e atinge as nações de forma tão encadeada que França, que se opôs à entrada dos EUA no Iraque viu as suas batatas fritas (french fries) simbolicamente sancionadas. O nome mudou para freedom fries. Ora os apoiantes da França e da sua decisão que se encontravam nos Estados Unidos tinham de trabalhar duplamente para encontrar uma solução que agradasse a "gregos e a troianos". E um ocidental que entrasse num restaurante ou pastelaria iraniana em qualquer parte do mundo saberia que os outrora bolinhos conhecidos por "bolos dinamarqueses" tinham sido substituídos, no nome e como sinal de protesto pela publicação das caricaturas por "rosas de Maomé". Os extremos tocam-se!