quarta-feira, abril 15, 2009

- o carteiro -



Who’s that girl?

Estava eu a ver o Canal de História quando me deparei com um nome e uma definição: Lilith, a primeira mulher de Adão. Segundo aquilo que conhecia da Bíblia, a única mulher de Adão foi Eva. Mas segundo o Judaísmo, não. Passo a explicar.

O nome Lilith tem ramificações anteriores ao próprio Cristianismo: na Mesopotâmia o nome Lilith derivava de uma classe de demónios chamados os lilû (o feminino era lilitu), etimologicamente Lilith está relacionado com a palavra suméria “lil” (vento) e não com a palavra hebraica “laylah” (noite), embora tenha sido na tradição hebraica que a lenda de Lilith ganhou maior dimensão. Como podemos ver Lilith tem numerosas interpretações e numerosas são as histórias que se contam acerca desta personagem. Para o Cristianismo e para o Judaísmo, Lilith tem origens e importâncias diferentes. Isaías refere-se a ela quando diz o seguinte: “As feras do deserto se encontrarão com as feras da ilha, e o sátiro clamará ao seu companheiro; e os animais noturnos ali pousarão, e acharão lugar de repouso para si.” (Isaías – 34, 14). No entanto, aqui Lilith é identificada como um demónio. No fundo e em cada uma destas tradições e religiões Lilith é um demónio. Segundo a tradição assíria existiam três tipos de demónios: Lilu (de que já falámos), Lilit e Ardat Lilit, sendo que Lilith faria parte da segunda categoria. Segundo a tradição hebraica os demónios dividiam-se em espíritos, diabos e “lilin”. Os primeiros não tinham corpo nem forma, os segundos tinham forma humana e os terceiros tinham forma humana, mas também possuíam asas. É a este terceiro grupo que pertence Lilith, embora nem sempre seja retratada com asas.

A história parece complexa, mas vamos então ao que interessa já que muitas são as lendas acerca de Lilith, bem como as associações do seu culto a outros cultos. Num esforço para explicar as incongruências do Antigo Testamento foi desenvolvido na literatura judaica um conjunto complexo de escrituras sob um sistema chamado midrash. A midrash é a tentativa judaica de explicar os textos bíblicos à luz de novos conhecimentos. O método de interpretação tanto se socorre da Filosofia e da Teologia como da imaginação e apareceu sobretudo devido às referidas incongruências mas também devido à colisão existente entre as duas formas de criação do Homem. Mais tarde, no século XIII é que estas interpretações deram lugar a uma visão mais mística da literatura religiosa judaica na Cabala.

Segundo a literatura midrástica, a primeira mulher de Adão não foi Eva, mas Lilith. O Antigo Testamento nada refere acerca disto, mas o folclore judaico e os textos presentes no Talmude, no Alfabeto de Ben Sira e no Zohar mostram-nos esta versão da história de Lilith que como se perceberá ficou associada ao Feminismo. Diz-se então que depois de ter criado do barro Adão, Deus criou da mesma matéria Lilith. Ora Lilith cedo se apercebeu que teria de se submeter à vontade de Adão e de Deus, e foi contra isso que se manifestou: se era feita da mesma matéria do Adão, era igual a ele, não havia razão nem para se submeter à sua vontade, nem para ficar por baixo durante as relações sexuais. Lilith opôs-se a Deus e a Adão e acabou por sair do Éden. Adão que estava furioso pela insolência da esposa pediu a Deus que a trouxesse de volta. Este enviou três anjos chamados Senoy, Sansenoy e Semangelof em busca de Lilith que foram encontrar junto do mar vermelho. Apesar dos avisos dos anjos que diziam que se a mulher não voltasse para Adão todos os dias morreriam cem dos seus filhos (Lilith dava à luz cem filhos por dia), ela recusou e disse que tinha sido criada para fazer mal a crianças. No entanto, e após alguma negociação Lilith acordou nada fazer às crianças que trouxessem ao pescoço um amuleto com a imagem e o nome dos três anjos. É por isso que ainda no século XIX Lilith estava associada à síndrome de morte súbita em crianças. Como esta morte não tem explicações médicas as pessoas atribuíam a morte súbita durante o sono a Lilith que se vingava dos seus filhos mortos roubando a alma aos filhos dos vivos. Em muitos lares semitas era comum encontrar na parede do quarto de uma criança recém nascida a inscrição “Lilith-abi”; ou seja “Lilith vai-te embora” que com o tempo terá originado “Lilla-be” e mais tarde “Lullaby”, denominação das canções de embalar.

Diz-se que depois da expulsão do paraíso, e para justificar a existência de mal no Mundo, Lilith dormiu com Adão (marotos!!!) e deu à luz os espíritos maus, as pessoas de má índole (pessoas de má índole, eis a vossa ancestral). Na tradição islâmica por seu lado é dito que Lilith, depois de expulsa do paraíso deu à luz Jinn; ou seja Jinni; ou seja, o “génio” (ufa!). Mais tarde, e porque já não tinha lugar nas escrituras sagradas Lilith foi relegada para o plano das fantasias, alquimias, feminismo, vampirismo e outras que tais, sendo mesmo dito que ela seria um súcubo (a versão feminina do incubo, o demónio) e que durante a noite operava. E de que forma operava Lilith? Para além de retirar a vida às criancinhas também assustava os homens crescidos. É que em comparação com Eva, Lilith é de facto a mulher sedutora e as duas, em comparação com a Virgem Maria mostram como ao longo dos tempos, ou pelo menos, desde tempos imemoriais as mulheres se têm socorrido dos seus encantos físicos (sexuais ou sensuais) para conseguirem seduzir o público masculino. Não com o objectivo de obter deste mesmo público algo de palpável, mas com o objectivo de subjugá-lo.

Os chamados “sonhos molhados” que os homens têm, são atribuídos à presença de Lilith durante o sono. Esta noção remonta à Idade Média onde era dito que Lilith, a mulher do incubo, copulava com os homens durante o sono causando-lhes assim “sonos molhados”. Os sonhos molhados não eram mais do que a ejaculação durante o sono e que ocorre com mais frequência durante a adolescência e cerca de uma vez por mês. Por isso os monges da Idade Média dormiam com as mãos pousadas e cruzadas sobre os genitais e a segurar um crucifixo com vista a protegerem-se das visitas nocturnas de Lilith (eu acho que alguns tiravam as mãos…).

Apesar de não ser reconhecida pelo Cristianismo Lilith foi frequentemente representada em pinturas e relevos relativos ao episódio do pecado original. Ela foi associada à serpente nos Génesis, algo que podemos ver tanto no fresco da Capela Sistina da autoria de Miguel Ângelo como no relevo da Catedral de Notre Dame em Paris. Em ambas as representações Lilith aparece como uma mulher de peito à mostra, mas cujo corpo na parte de baixo é o de uma serpente. Quem também se deixou encantar pela lenda de Lilith foram os Pré-Rafaelitas, principalmente Dante Gabriel Rossetti que chegou mesmo a escrever este poema “Lilith” e a pintar o quadro que vemos em baixo. Bons sonhos!



Adão, Eva e Lilith
Notre Damme, Paris





Miguel Ângelo

The Fall (pormenor)

1509-10

Cappela Sistina, Vaticano



John Collier

Lilith

1887

The Atkinson Art Gallery, Southport




Dante Gabriel Rossetti

Lady Lilith

1867

Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque


Of Adam's first wife, Lilith, it is told
(The witch he loved before the gift of Eve,)
That, ere the snake's, her sweet tongue could deceive,
And her enchanted hair was the first gold.
And still she sits, young while the earth is old,
And, subtly of herself contemplative,
Draws men to watch the bright web she can weave,
Till heart and body and life are in its hold.


The rose and poppy are her flower; for where
Is he not found, O Lilith, whom shed scent
And soft-shed kisses and soft sleep shall snare?
Lo! as that youth's eyes burned at thine, so went
Thy spell through him, and left his straight neck bent
And round his heart one strangling golden hair.


(Lilith, Dante Gabriel Rossetti)

4 Comments:

Blogger Ji|||i said...

lilithly genious.

15/4/09 8:40 da manhã  
Blogger João Barbosa said...

depois há a Lilith Marlene ;-D

15/4/09 9:42 da tarde  
Blogger AM said...

puro serviço público
por muito menos do que isto já tivemos direito a baronesas

15/4/09 10:47 da tarde  
Blogger Belogue said...

jimi:
não te lembras de uns livros que eram sobre a Lilibeth? uma personagem muito emancipada que usava as roupas da mãe e era ilustrada sempre com as pestanas reviradas e os lábios de cereja apesar de andar na terceira classe? aquilo devia ser a Lilith dos mais pequenos. era fascinada por aquela personagem.

Caro João Barbosa:
pois há. ou melhor, havia!

Caro AM:
não percebi bem essa das baronesas, mas obrigada. já sabe como é Belogue, o seu canal independente...

18/4/09 12:51 da manhã  

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