sexta-feira, fevereiro 20, 2009

- original soundtrack -


(Gnossienne n. 3, Erik Satie)
- não vai mais vinho para essa mesa -



há aqui duas coisas que não compreendo:

1) Deus disse à serpente que tentou Adão e Eva : "Porquanto fizeste isto, maldita serás mais que toda a fera, e mais que todos os animais do campo; sobre o teu ventre andarás, e pó comerás todos os dias da tua vida." Então como é que se movia a serpente antes de ser castigada?


2)Diz os Génesis que : "E havendo lançado fora o homem, pôs querubins ao oriente do jardim do Éden, e uma espada INFLAMADA que andava ao redor, para guardar o caminho da árvore da vida." Como é que havia fogo se nos seis dias de criação Deus não criou o fogo?
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou como vocês já devem estar fartos de Vermeer e de fotografias de moda. Às vezes fica difícil postar estes "antes e depois" porque a correlação entre as imagens parece estar já esgotada. É claro que não está, mas a busca torna-se mais difícil por a correspondência ser menos óbvia. E como não queremos fazer uns posts "Taschen", mais vale ter um pouco mais de paciência nas buscas e entretanto postar o que é mais evidente. De qualquer forma, um Vermeer e um Steven Klein nunca são de desenhar; nem um nem outro "estão verdes, não prestam". O quadro de Vermeer é muito semelhante a outro quadro do mesmo autor ("Lady Standing at the Virginal"), embora o último seja banhado pela luz de Vermeer. Não sei se já repararam, mas nas pinturas de Vermeer as acções decorrem quase sempre na mesma sala, ou em salas muito parecidas, com uma característica: as personagens estão sempre voltadas para uma janela e a janela é igual (ou muito semelhante) em todas as pinturas. Deixo aqui alguns exemplos que facilmente podem pesquisar e nos quais incluo a referida "Lady Standing at the Virginal": "A Lady and Two Gentlemen"; "A Lady at the Virginals with a Gentleman"; "A Lady Drinking and a Gentleman"; "Girl Interrupted at Her Music"; "Girl Reading a Letter at an Open Window"; "Lady Writing a Letter with Her Maid"; "Officer with a Laughing Girl"; "The Milkmaid"; "Woman Holding a Balance"; "Woman in Blue Reading a Letter"; "Woman with a Lute near a Window"; "Woman with a Pearl Necklace" e "Young Woman with a Water Jug". Vale a pena ver estas imagens: entre elas existe o mesmo canto da sala, a mesma perspectiva e a mesma ideia de que as cores do quadro só têm sentido devido à presença da luz natural, como se o quadro fosse um vitral. No quadro "Lady Standing at the Virginal" a rapariga está de costas para a janela, mas a janela está nos limites do quadro e todo ele é iluminado pela luz que dela advém. Já em relação a este "Lady Seated at a Virginal", vemos que a janela não aparece e talvez por isso o quadro está mergulhado nas trevas. Quer dizer, comparativamente aos outros, a acção decorre na penumbra. Comparativamente com a fotografia, também. A pintura está nas sombras e embora nos seja possível ver todos os detalhes da mesma, o quadro de fundo que cobre a parede ("The Procuress" de Dirck van Baburen. Vão lá ver se não é o mesmo!), anula a indicação de qualquer presença de luz directa e torna negra uma cena que não o é. Note-se também que enquanto os instrumentos musicais estão pintados com todo o pormenor, Vermeer parece ter atalhado no que diz respeito à resolução da cortina. Não tem definição nem pormenor e parece apenas cobrir qualquer coisa que pode não ser uma janela, mas apenas a parede. Se cobre uma janela, qual a razão para a luz do exterior não incidir no interior? E se cobre uma janela, que não é, como vimos, um apanágio nas obras de Vermeer, porque está a cortina tão mal pintada?


O cenário escolhido por Steven Klein é muito mais iluminado e com uma decoração diferente. A própria posição do piano, voltado para o outro lado, poderia ser um motivo para relacionarmos esta pintura com a "Lady Standing at the Virginal". Só que nesta fotografia a Linda Evangelista não está em pé, está sentada tal como nesta pintura de Vermeer. E não sabemos quanto à posição das pernas, mas a expressão facial de alheamento é a mesma. O quadro que cobre a parede de fundo da fotografia apresenta na retratada quase uma rival de Linda Evangelista, não pela beleza (isso é discutível), mas porque está em plano mais elevado, de pé e no plano mais profundo da composição. Sabem que nem sempre o que está em primeiro plano (e isto aplica-se à pintura como a outras áreas), é o mais importante:"


JohannesVermeer
Lady Seated at a Virginal
1673
National Gallery, Londres


Steven Klein
Vogue
Setembro de 1991
- o carteiro -
numa hagiografia portuguesa
fica bem
S. Gonçalo
sin vergüenza

Sei que "vergüenza" é castelhano, mas achei que ficava bem. É que este "vergüenza" tem duplo sentido. São Gonçalo de Amarante é um santo sem vergonha exactamente por causas das suas "vergonhas" que andam muitas vezes de fora. Vamos então ao que interessa e à história oficial – os os mais afoitos poderão saltar. São Gonçalo, padroeiro da cidade de Amarante, nasceu por ali em 1187. Ainda novo dedicou-se ao sacerdócio. No entanto alimentava o sonho de visitar a Terra Santa e Roma. Para não abandonar a paróquia onde era sacerdote, pediu a um protegido seu que também era padre que cuidasse da mesma enquanto empreendia a sua viagem. Segundo Frei Luís de Sousa, São Gonçalo passou cerca de 14 anos a viajar (sem licença de vencimento, penso eu) e quando regressou, aquele que um dia foi seu protegido, ostracizou-o e como o tinha dado como morto, tomou o lugar do nosso santo. Que na realidade é só beato. Como não tinha para onde ir acabou por se tornar ermitão na ermida da Senhora da Assunção em Amarante e mais tarde ingressou na ordem dos Dominicanos em Guimarães, tomou o hábito, embora tenha vivido sempre na ermida onde faleceu em 10 de Janeiro de 1259. Mais tarde a ermida deu lugar à Igreja e ao Mosteiro de Amarante.

Na hagiografia oficial de São Gonçalo são invocados inúmeros feitos. O principal é aquele que depois o representa nas pinturas e que se refere à construção da ponte sobre o rio Tâmega que terá dado origem ao núcleo urbanístico que agora é Amarante. Diz-se que a sua intervenção na construção da ponte foi ao nível dos peditórios nas populações vizinhas, ao nível da construção em si (esta estava atrasada o que dificultava a vida das populações. São Gonçalo construiu o que faltava da noite para o dia) e ao nível das aparições havendo relatos de pessoas que um dia, ao observarem o nível da água do rio, viram aparecer sobre a ponte a imagem de São Gonçalo.
António André
São Gonçalo de Amarante
c. 1600 – 1650
Museu de Aveiro

Atribuem-se-lhe outros milagres que a Igreja Católica não confirma nem desmente. Como é um santo que também tem devotos no Brasil, é natural que seja qual for a sua história verdadeira, esta vai-se misturar sempre com as histórias idiossincráticas dos dois países, das suas populações e com aquilo que cada um privilegia no santo. No Brasil por exemplo -e vemos pelo conteúdo da história que esta devoção não poderia ser portuguesa - que após a viagem à Terra Santa e a Roma e após o desentendimento com o outro padre, São Gonçalo procurou manter uma vida virtuosa ajudando os outros a manter a sua conduta de bons e devotos cristãos. Para isso, conta-se que calçava uns sapatos com pregos (para fugir à tentação), agarrava na sua viola e ia pelas ruas onde sabia ir encontrar prostitutas e para elas tocava e dançava. O objectivo disto era mantê-las entretidas e cansadas: enquanto estavam a dançar não se estavam a prostituir e quando ficavam cansadas já não saíam para ir procurar clientes. (Eu cá acho que a estratégia devia ter sido directamente nos clientes e não nas prostitutas. Já se sabe S. Gonçalo que quando "um não quer, dois não pecam") Diz-se até que ainda hoje existe, nos dias de romaria a S. Gonçalo (dia 10 de Janeiro), se baila essa dança em São Gonçalo do Amarante, Brasil.


A lenda da vida de São Gonçalo recua até à sua infância. Diz a mesma que no próprio dia do seu baptizado, ainda criança, contemplava com amor, temor e encanto uma imagem de Cristo Crucificado.
Mas há também uma terceira história que é a menos referida, mas com certeza é aquela que o povo relembra com mais facilidade e carinho, e que a Igreja teima em afastar dos dicionários de santos. (Aliás, nos dicionários de Santos, à excepção do Dicionário de Santos Portugueses de João Ameal), não há referência a São Gonçalo. Está bem que é só beato, mas não custava nada dizer um bocadinho mais). E a história que o padre João Gaspar de Aveiro diz tratar-se de uma figura "quiça adulterada, no decorrer dos séculos, num homem galhofeiro e com culto menos digno". Note-se que Aveiro também festeja o São Gonçalo, que o povo desta cidade trata carinhosamente por São Gonçalinho. No mesmo dia 10 de Janeiro, a confraria de São Gonçalo (para os aveirenses, santo protector das populações piscatórias cuja ermida octogonal se ergueu na zona perto dos canais) junta-se no cimo da capela de São Gonçalo e atira, de lá de cima cá para baixo uns doces típicos em forma de mão curvada que se chamam "cavacas", muito duros e que são apanhados através de variadas técnicas. Como a confusão é grande e os confrades atiram com a sua maior força (tendo havido mesmo lesões em pessoas que não se protegeram contra a cavaca nem a apanharam), as pessoas utilizam redes de pesca, guarda-chuvas ao contrário e até luvas de hóquei.
Mas vamos à história. Diz-se que São Gonçalo é o santo protector das velhas e que cura problemas de fertilidade masculina. Segundo a lenda o santo teria casado em segredo os habitantes de uma aldeia chamada Ovelha, habitantes esses que a Igreja não queria casar: os que viviam maritalmente. Entre estes encontravam-se novos e velhos, como é claro. Mas o povo passou a dizer que São Gonçalo era o "casamenteiro dos de Ovelha", que abreviado e com o tempo deu "casamenteiro das Velhas". Das questões sentimentais rapidamente o povo passou para as questões de ordem sexual. Não há provas neste caso (assim como não há no outro, mas sempre há uma história que o justifica) de que São Gonçalo tenha sido o taumaturgo dos impotentes sexuais, mas se virmos os ex-votos que são colocados na capela onde se encontra o seu sarcófago antropomórfico, notaremos que se são na sua maioria partes do corpo como seios, partes genitais masculinos e femininos e corpos de crianças. O que pode corroborar estas duas histórias e juntá-las é a venda, ainda hoje, nas barracas e nas pastelarias mais tradicionais de Amarante, de uns bolos em forma de pénis aos quais se dá o nome de (desculpem-me) caralhinhos de São Gonçalo.



Eis a vergonha do santo desavergonhado. E mais, tão desavergonhado é que permitiu que o povo fizesse estes lindos versinhos que qualquer um pode ouvir em Amarante e não só:

"São Gonçalo de Amarante
Que estais virado para a Vila
Vira-te para o outro lado
Que te dá o Sol na p***"

"Casai-me, meu São Gonçalo
Casai-me porque podeis
Já tenho teia de aranha
Naquilo que bem sabeis"

E anda a gente com terços e rosários e com o credo na boca, a bater no peito e a fazer peregrinações para estas poucas-vergonhas. Ai se fosse no meu tempo...




quinta-feira, fevereiro 19, 2009

- post tapa posts -

este post serve para tapar o post abaixo. Provavelmente em vez de tapá-lo, vai enfatizá-lo, vai fazer com que as pessoas pensem "humm... o que será o post abaixo?". Mas era só para não ficar durante tanto tempo à vista de todos um discurso sentido, mas que quase exige um comentário lisonjeiro. Há muita gente a fazer isso - assim que me lembre, de repente, nunca fiz; a não ser hoje. Mas o que estava a dizer é que se observarem os blogs notam sempre que um desabafo é coberto por um post de cariz totalmente oposto. Quase como se quem escreve estivesse a dizer: "vêem como consigo passar de um estado de espírito para outro com grande facilidade?", ou "aquilo não foi nada, adiante". E agora que tapei a Marilyn, vou indo.

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

- b' day -

Porque o número é redondo queria só fazer uns breves agradecimentos:
à minha família por me amarem mais do que aquilo que provavelmente mereço;
aos meus amigos por terem sido (e serem diariamente) a razão pela qual escolhi a vida em vez da morte, durante a rehab e fora dela;
a ti por me teres feito acreditar que era importante para alguém;
aos senhores comentadores que aparecem aqui por me fazerem querer ser uma pessoa melhor;
a mim... porque sim.

sábado, fevereiro 14, 2009

- back to black -

"It's better to be unhappy alone than unhappy with someone. So far." - Marilyn Monroe
- o carteiro -

Caro Anónimo:
tenho de lhe pedir desculpa e dizer-lhe que não tenho aquele sistema de enviar mails sempre que há um comentário no Belogue. Se calhar devia ter pois assim não passava nem por presunçosa nem por mal educada. Acredite que não respondi no dia foi porque não vi o comentário (geralmente só respondo aos comentários do dia anterior. mas não é por mal; é só porque estão mais frescos na minha memória).
Para falar (escrever) a verdade, nunca me tinha dado conta que as crianças diziam lésmica. E até lhe digo mais: não dizia lésmica nem lémia porque quando os meus progenitores me pediram para me sentar e ouvi-los pois iam explicar-me como nasciam os bebés, respondi "não estou interessada". Nem sei se sabia da existência da homossexualidade, vivia num mundo à parte. Tem sorte, na sua casa não se riam e na minha o meu avô dava-me um rebuçado por cada vez que eu dissesse o nome daquilo que me ia dar. Só que eu dizia "rabuçado" e o meu avô ria-se. Bem... quer dizer, também tinha sorte quando os rebuçados eram aqueles caramelos de Espanha ou os de mirtilo da Penha... Flocos de neve é que não me motivavam.
Este espaço não tem íntimos; ou seja, quem for aparecendo, torna-se "íntimo", mas ninguém tem prerrogativas.
Viu este blog numa revista de arte? Não terá sido a L+Arte? Mas isso já foi há muito tempo...
Volte sempre e desculpe-me este descuido nas respostas céleres.

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

- original soundtrack -

(...)
I am the son
And the heir
Of a shyness that is criminally vulgar
I am the son and heir
Of nothing in particular

You shut your mouth
How can you say
I go about things the wrong way?
I am human and I need to be loved
Just like everybody else does

There's a club if you'd like to go
You could meet somebody who really loves you
So you go and you stand on your own
And you leave on your own
And you go home and you cry
And you want to die

When you say it's gonna happen "now"
Well when exactly do you mean?
See I've already waited too long
And all my hope is gone

You shut your mouth
How can you say
I go about things the wrong way?
I am human and I need to be loved
Just like everybody else does

(How soon is now, The Smiths)
- o carteiro -

se clicarem na imagem podem ler melhor, mas o que mais gostei foi de saber que o mestre corrigiu os dez mandamentos, tirou as nódoas do Tobias, avivou as chamas do Inferno e renovou o Céu, limpou a orelha de São Tinoco e pôs os cornos ao Diabo. Quem é que precisa de Deus quando tem experiência em Conservação e Restauro?

- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou "como Monet ou Manet é tudo igual", ou como "eles são é uns vigaristas, esses artistas", ou como "uns sabidolas", ou como "uns sem vergonha", ou "como este post é muito Taschen (vá corram, está tudo nos livrinhos: volume Manet e volume Monet). Já sabíamos que aqui o Dejeuner de Manet era, como se costuma dizer "pau para toda a obra": ele é Picasso, ele é Marcantonio Raimondi, ele é Bow Wow Wow, ele é... Monet. É natural: foi um quadro polémico na época e embora faça já correr tinta, é agora um quadro icónico (como se não o fossem todos!). Mas este é especial porque ficou cristalizado como numa fotografia (a fotografia que nessa altura dava os primeiros passos) e porque coloca o observador no lugar de observado. E porque mostra uma mulher que não era uma figura mitológica, nua. E porque ela está junto de dois homens vestidos. A partir daqui os conceitos de nu e de despido tiveram de ser revistos. A mulher não estava nua: nua estaria se estivesse sozinha ou com outras pessoas nuas. Ela estava mesmo despida "a desavergonhada"! Pois, após observação cuidada podemos ver no quadro de Monet um extracto do quadro de Manet. Os dois andavam há muito confundidos; ou melhor, a crítica era muito desleixada no que concernia a Monet pois confundiam-no muitas vezes com Manet. De facto quando Monet entrou em contacto com os quadros de Manet, os seus quadros alegraram-se e a paleta de cores tornou-se mais ampla, tal como era a paleta de Manet. O estilo também sofreu alterações e embora todos os impressionistas fossem pintores da vida moderna, nem todos tinham a mesma visão da realidade. Não que Monet fosse sombrio, mas a temática tornou-se mais leve e tratada de forma mais prazenteira. Monet era um pintor mais académico e isso nota-se quando, influenciado pelo Almoço na Relva de Manet, tenta fazer a sua versão de um almoço na relva. Começa pela ambição nas medidas: se o quadro de Manet era um quadro de atelier, o seu teria de ser maior e para isso nada melhor que se pantagruélico. Se Manet pintou uma mulher nua, pois Monet iria pintar todas as suas mulheres vestidas. E os homens também. E mais, como pintor da vida moderna, iria pintá-los de acordo com o último grito da moda nas casas parisienses. O efeito que a tela teve nos críticos e nos colegas de profissão foi exactamente o oposto: os críticos e académicos atacaram veemente as escolhas de Manet, foram brandos com Monet, mas enquanto os impressionistas ficaram maravilhados com a audácia de Manet, relativamente a Monet ficaram desiludidos porque o quadro era uma cópia mal pensada da disposição das personagens na relva, que Manet já tinha justificado.

O facto de relacionarmos a obra de Manet com um pormenor da obra de Monet não teria efeitos práticos se os livros não nos tivessem avisado de tal coincidência e relação, mas também não seria conhecida se a tela em si não tivesse sido fragmentada. Ao que parece, segundo a Taschen, Monet pagou a renda da sua habitação com este quadro, mas quando um dia tentou reavê-lo, notou que a obra gigantesca estava bastante danificada e apenas dois pedaços sobraram da mesma.

Eu cá acho que esta relação não é totalmente forçada pois há semelhanças: dois homens e duas mulheres, fruta, pão e vinho no chão, e o homem de fato escuro sentado no chão no quadro de Manet assume uma pose que oscila entre a da senhora nua do quadro de Manet e o cavalheiro à sua direita.

Edouard Manet
Le Dejeuner sur L'Herbe
1863
Musee d'Orsay, Paris


Claude Monet
Luncheon on the Grass (pormenor)
1865
The Pushkin Museum of Fine Arts, Moscovo
- o carteiro -

Última chamada para o Darjeeling Limited. Percorrerá a arte da Índia e tem paragens para fazer xixi e comprar um shari. Ou dois. E banho com direito a engolir uma das muito famosas bactérias do Ganges. Última chamada senhores!!!

No ano passado, não sei se por causa dos Jogos Olímpicos ou porque a "bolha" no mercado de arte ainda não tinha rebentado, as exposições de arte por esse mundo fora foram dedicadas à Arte Chinesa. Para falar a verdade, não gostei porque acho que somos agnósticos relativamente à arte chinesa. Não é que não acredite na sua existência, mas não acredito na nossa capacidade para compreendê-la, exista de facto uma arte chinesa ou não. Existe claro a arte chinesa antiga, mas actualmente o que vemos parece-me um pouco pointless, para além de não ser fruto da cultura chinesa apenas, mas de uma miscigenação com as práticas do Ocidente. Provavelmente será uma visão muito estrita da coisa. Também não nos questionamos se haverá ou não uma arte australiana, por exemplo. Trata-se no entanto, e sempre, de mostrar uma forma de arte cujos conceitos nos são estranhos. E se é verdade que a linguagem da arte é universal, também é verdade que as excepções confirmam as regras. E que vale sempre a pena aprender a dizer o básico como "obrigada", "adeus", "olá" e uns palavrões... Mas este ano a tendência parece seguir outro sentido. “Estibe a inbestigar” e não há grande consenso: duas exposições relevantes dedicadas a Degas, duas exposições dedicadas a Kandinsky e para além disso só se destacam as exposições dedicadas à Índia. Será influência de "Quem quer ser bilionário?" de Danny Boyle ou será o ano da Índia, pertencente ao BRIC, se destacar em algo (o Brasil já guarda o monopólio da música e da moda, tem de sobrar alguma coisa para os outros)? Seja como for, o denominador comum este ano é a Índia.

Temos então a exposição "Chalo India! A New Era of Indian Art" patente até 15 de Março no Mori Art Museum em Tóquio, Japão. Em indiano "chalo" quer dizer "vamos embora" ou "avante". A exposição é de arte contemporânea e dela destacam-se as cores fortes próprias das antigas pinturas indianas, algo que está bem presente nesta mostra composta por vídeo, escultura, fotografia e instalação. É uma exposição feita da mistura entre a cultura indiana tradicional e o modernismo ocidental. São 100 trabalhos de 27 artistas, dos quais destacamos Subodh Gupta, Shilpa Gupta, Jitish Kallat e Bharti Kher entre outros.

Na Rússia, em São Petersburgo e mais concretamente no Hermitage poderemos ver até 5 de Abril a exposição "The Caves of a Thousand Buddhas". Trata-se de uma exposição que revê o percurso de exploradores russos, europeus e asiáticos ao longo da Grande Rota da Seda e das grutas que estes visitaram. Estas grutas foram construídas por pessoas ligadas ao Budismo até à chegada do Islamismo no século XI. A cultura em si desapareceu, mas o interior das grutas, as suas paredes, fotografias e livros antigos, documentam-na e preservam-na.

Até 3 de Março o Museu Albert Khan em Paris terá em exibição a exposição "Infinitely India". Esta exposição é composta por fotografias recolhidas na Índia pelo milionário e filantropo Albert Khan no início do século XX. Para além de filantropo Albert também devia ser apaixonado pelo Guiness Book pois esta era apenas uma parte de um projecto que visava fotografar os povos de todos o mundo. Por isso, para além de um grande número de fotografias muito coloridas e vívidas, a exposição é composta por pequenos filmes da época retratam os rituais com a água, a maneira de vestir e as práticas religiosas indianas. Só vos posso dizer que algumas fotografias são um espanto porque têm aquele ar gasto dos postais antigos, têm algum grão, mas ao mesmo tempo as cores continuam vivas como se as fotografias tivessem sido captadas hoje e não há cerca de 100 anos.

Por fim, até dia 27 de Fevereiro, os mais aventureiros que gostem de comprar bilhetes de última hora, ou que já tenham comprado e esperam ir apenas para passear, podem dar um saltinho Piero Passet Gallery em Londres onde se encontra a exposição "Stuart Redler: Rajasthan". Como o nome indica, os trabalhos - neste caso trata-se de fotografia - são da autoria de Stuart Redler, um fotógrafo britânico que durante cerca de 20 anos viajou por África, América e Médio Oriente. Esta mostra incide sobre a herança cultural e arquitectónica da Índia (o trabalho, os animais, o divertimento, os transportes...), fotografados a preto e branco para colocar em evidência a luz indiana.
- não vai mais vinho para essa mesa -

[agora é que não vai mesmo mais vinho]
- estás a ver isto?
- sim.
- é do Vicente.
- aqui na legenda não tem "e" no fim. deve ser estrangeiro.
- mas eu estou a traduzir. é um quadro do Vicente!
- ah!
- foi um dos percurssores do depressionismo.
- do depressionismo?
- sim! não vês que ele estava deprimido e cortou uma orelha? chama-se a isto depressionismo e situa-se no século XIX.
- ah!
- e este, estás a ver?
- estou.
- pois, repara bem. não tem sobrancelhas.
- ah que engraçado. pois não!
- é do Leonardo que era depilador profissional.
- no século XVI?
- ouve o que te digo. eles eram muito avançados! chamavam-lhe o Leonardo "dá vinte" porque depois das depilações pedia sempre uma grojeta de 20 ducados milaneses.
- estás a brincar?!
- não, a sério. foi o percurssor do depilacionismo. Por isso é que ela se chama Mona Lisa. Não tem nada...
- nada? nem... lá em baixo?
- nem lá em baixo!
- como é que sabes?
- então, é fácil! põe-te de cabeça para baixo.
- sim...
- vês alguma coisa?
- não.
- então é porque não tem nada.
- e houve mais a ficar assim?
- sim, Leonardo viajou para muitas cortes e ensinou as técnicas do depilacionismo. principalmente no cabelo.
- no cabelo?
-sim, mas isso é muito complicado. e este, sabes o que é?
- é um busto. de alguém famoso.
- não. é um bust, do francês buste. diz lá!
- bust.
- isso
- e quem é que fez isto?
- vários. e hoje faz-se ainda mais. chamava-se e chama-se o embustismo.
- porquê?
- porque é um bust. não vês que lhe falta o "e" no fim? no bust falta sempre alguma parte.
- e porquê?
- o comprador compra mas só leva uma cabeça, uns ombros e um pedaço de peito. é o embustismo.
- ars longa, vita brevis -
hipócrates


Carlos against Federico ou dois homens e um destino:

Lucas Cranach the Elder
Portrait of Charles V
1533
Museo Thyssen-Bornemisza, Madrid

Piero della Francesca
Portrait of Federico da Montefeltro
1465-66
Galleria degli Uffizi, Florence

Do lado direito do ringue temos Federico da Montefeltro e do lado esquerdo, Carlos V. Comecemos pelo primeiro. Federico era um condottiero, um homem de guerra ou um mercenário. Os condottieri eram mercenários que trabalhavam para grandes instituições como o papado ou cortes. Nasceu filho ilegítimo dos senhores de Urbino, mas só gozou do trono quando o seu meio-irmão, filho legítimo foi assassinado pelo povo (talvez devidamente instruído por alguém...). Mesmo com a suspeita sobre a sua cabeça, Federico assume o trono e não obstante esta mancha no seu percurso, era para a época um homem sério, um grande estratega que trouxe para o seu Estado grandes benefícios. E mesmo assim, qual gestor do BPN, era um humanista formado em Mântua que por ali ficou refém para ser obrigado a guerrear com as outras cidades-estado. Naquele tempo era um "vê se te avias" ou "vê se avias mais pedaço de terra". Note-se que Federico não podia separar o seu lado de humanista do seu lado de cortesão: tinha de continuar a fazer as suas guerras, a ser sociável e um líder, mas tinha interesses que não eram comuns para a época: interessava-se pelo Homem e por conhecer o seu lugar no Mundo e a sua posição no Universo. Interessava-se pela proporção, pela regra, pela ciência, pela arte e pela medicina. Pela astronomia e pela alquimia. Como tudo era desconhecido, tudo era objecto de desejo para os humanistas. Cedo Federico se apercebe que o seu Estado conquistado graças à força das armas necessitava de ser "dourado" ou adocicado para que a lembrança da guerra não fosse mais fresca que o gosto suave da paz e da prosperidade. É por causa disto e por causa do seu humanismo que Federico vai fazer de Urbino uma grande corte.

Ao contrário de outros homens do seu tempo como César Bórgia que era execrável, Federico era um homem justo e que tentou aplicar as teorias humanistas à sua forma de governar: criou um palácio que sai fora da matriz Palácio-Fortaleza, manda vir vários artistas do resto de Itália e instala-os na sua corte, rodeia-se dos mais completos e belos manuscritos, importa iluministas que lhe copiavam manuscritos (o que lhe valeu a acusação de novo-rico) e cria uma das bibliotecas mais fantásticas do tempo e do espaço. Esta corte no ducado de Urbino era uma excepção à regra e era a personificação do seu modo de vida que aliava o Cristianismo ao Classicismo (duas áreas que por vezes estão de costas voltadas, mas que encontraram em Federico o seu lugar de estudo: o studiolo. O studiolo mais não era que um lugar reservado do palácio, surgido no século XV, onde estavam reunidas peças de vários cantos do mundo e obras de arte, apenas acessíveis a pessoas com uma dimensão estética, individual e humanista e que tinham capacidade para estudar o que lhes era mostrado. São o equivalente às kunstkammer e por isso e por aquilo que já vimos, muito elitistas).

Baldessare Castiglioni faz uma descrição muito lúcida sobre Urbino: refere-se à corte de Urbino como uma corte moderada, proporcionada e contida, o que contrasta com o espírito guerreiro de Federico. Este mesmo espírito de luta e de quem veio de uma família de condottieri, contrasta com a forma de ser de Federico que por sua vez espelhava o que era a sua corte. Ele era sóbrio no comer, no trato, no vestir e no agir. A sua única fraqueza, se assim lhe quisermos chamar foi o coleccionismo.

A corte de Urbino tem uma dimensão diferente da de Mântua. Em Urbino trabalham artistas como Rafael e Bramante, mas Urbino esgota-se em Federico: o seu interesse humanista morre para o Estado quando Federico morre. Já em Mântua o humanismo era ensinado numa escola de humanistas integrada na corte e com o apoio dos Gonzaga (família que governava Mântua).

Como vemos, abordamos estes Estados, não pela sua dimensão ou importância histórica, mas por aquilo que possuem; eles valem mais do que aquilo que valem as suas colecções, mas dentro do valor total as colecções perfazem uma grande percentagem. É que apesar de não estarmos a falar de Estados abastados e grandes, com muitas posses e influencias, estamos a falar de grandes colecções.

Carlos V (dos Habsburgo e não de Espanha) foi o homem que compreendeu o potencial das colecções de arte nos pequenos Estados. Enquanto Francisco I dinamizou e alocou a magnificência do seu reino para o Palácio de Fointainebleu, Carlos V percebe que o seu reinado e o seu império devia estar onde ele estivesse. Como viajou durante 10 anos por todos os lugares do Mundo onde tinha possessões (México, Norte de África, Estados Alemães, etc…), durante esses 10 anos levou consigo e para todo o lado a grandeza do conhecimento. Já Francisco I, mesmo em termos físicos personificava a autoridade monárquica que faltava a Carlos V.

Carlos V abdicou do trono quando tinha 55 anos de idade. A sua vida doméstica era, ao contrário da maior parte dos soberanos daquele tempo, calma, carinhosa e talvez por isso, pelo apelo dessa vida, Carlos V larga a corte itinerante e abdica. Não foi um papel fácil aquele que teve de desempenhar: por um lado era um homem calmo, mas por outro carregava nas suas costas o peso de ter sido o primeiro soberano sagrado pelo Papa depois do Saque de Roma. Por um lado tinha problemas físicos que lhe vinham das relações de consanguinidade (queixo protuberante, mancava, era baixo e tinha um pé boto), mas por outro era um aventureiro que nunca quis estagnar. Por um lado tinha raízes alemãs, por outro é flamengo por opção e por orientação e como se isto não bastasse, era um encantado por arte italiana. Por um lado era soberano num contexto adverso a mulheres; por outro toda a sua vida foi passada com mulheres (a tia, a irmã e Isabel de Portugal. Mulheres que eram mecenas e hábeis políticas e de quem ele herda essas características). Por fim, por um lado tentou incorporar sempre com a sua paciência, calma e sem preconceitos a adequação do modelo católico com o humanismo tolerante de Erasmo de Roterdão e com a crítica do mesmo. Mas quando a Inquisição surgiu o século XVI tornou-se atordoador para Carlos V do ponto de vista das guerras católicas. O soberano bem tentou moderar e remendar as lutas (cede encontra-se com Lutero e faz os possíveis para que um Concílio se reúna), mas percebe que a questão ultrapassa a barreira religiosa e passa a estratégia política.

terça-feira, fevereiro 10, 2009

- o carteiro -


genti, ólhi, num sápoquenti não, mais vô tê qui sáí disimbestáda dessi pousti ôje. É que tô numa assoberbação dánada. Tô inté pensado virá sindjico dji mim mesma! Ólhi e tem mais: vorto amanhã, num isquéci não. Promêto prá Iemanjá, vici?

sábado, fevereiro 07, 2009

- back to black -

"What good are computers? They can only give you answers." - Pablo Picasso

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

- ars longa, vita brevis -
hipócrates
antes:

(Da fábrica que falece à cidade de Lisboa, Francisco d'Holanda)

depois:
1) Da fábrica que falece à cidade de Lisboa
2) Da fábrica que falece à cidade de Lisboa
...

(uff, tantas fábricas e tão pouca "Lisboa")

terça-feira, fevereiro 03, 2009

- original soundtrack -

Some expressions in your eyes
Always took me by surprise
Where was I, how was I to know?
How can we drive to a movie show
When the music is here in my car
There's a band playing on the radio
With a rhythm of rhyming guitars
They playing 'oh yeah' on the radio
Oh oh oh oooh (yeah)
And so it came to be our song
And so on through all summer long
Day and night drifting into love
Driving you home from a movie show
So we turn to the sounds in my car
There's a band playing on the radio
With a rhythm of rhyming guitars
They're playing 'oh yeah' on the radio
Oh oh oh oooh, Oh oh oh oooh
It's some time since we said goodbye
And now we lead our separate lives
But where am I, where can I go?
Driving alone to a movie show
So I turn to the sounds in my car
There's a band playing on the radio
With a rhythm of rhyming guitars
There's a band playing on the radio
And it's drowning the sound of my tears
They're playing 'oh yeah' on the radio
Oh oh oh oooh

(Oh Yeah, Roxy Music)
- não vai mais vinho para essa mesa -

Post atrasado porque eu movimento-me a pedal e aproveito as descidas, já sabem como é:

Abro o número 1000 do Jornal das Letras: página 3, tudo muito bem. Cumprimento o Sr. Presidente da Comissão Europeia Dr. Durão Barroso, mas salto o comentário dele. Cumprimento o Sr. Presidente da República e fico muito feliz por saber que afinal o homem lê jornais. Uma pequena inconfidência familiar na última frase mostram o nosso Presidente como um homem, que se não é culto, pelo menos vai ter muito que reciclar (noblesse negligé!). Mas depois, nessa página 3 apenas encontro os comentários de Rui Villar (Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian), Simonetta Luz Afonso (Presidente do Instituto Camões), Lauro Moreira (Embaixador do Brasil junto da CPLP), Manuel Veiga (Ministro da Cultura de Cabo-Verde), Domingos Simões Pereira (Secretário Executivo da CPLP). E nenhum membro do governo Português. Mas como há que dar o benefício da dúvida, prossigo até à página 6. Muita gente a felicitar o Jornal das Letras, pela estratégia, pela luta no panorama nacional, pela preserverança, pelo contributo no ensino do Português além fronteiras, pela cobertura transversal das artes e das letras em Portugal. Lá estavam (e vou dizê-los todos para que não pensem que vos ando a endrominar): Fernando Henrique Cardoso (Presidente da República do Brasil de 1995 a 2002), José Saramago (Prémio Nobel da Literatura e Prémio Camões), Jorge Sampaio (Presidente da República de Portugal de 1996 a 2006), António Guterres (Primeiro-Ministro de Portugal de 1995 a 2002, Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados), Mário Soares (Presidente da República de Portugal de 1985 a 1995, Presidente da Fundação Mário Soares), Pepetela (escritor angolano, Prémio Camões), Mia Couto (escritor Moçambicano), Itamar Franco (Presidente da República do Brasil de 1992 a 1995), Freitas do Amaral (ex-Presidente da Assembleia Geral da ONU, vice Primeiro-Ministro), Lygia Fagundes Telles (escritora brasileira, Prémio Camoões), José Sarney (Presidente da República do Brasil de 1985 a 1990, Presidente do Senado, escritor), Manuel Alegre (poeta, Prémio Pessoa e vice-presidente da Assembleia da República), Jorge Couto (directora da Biblioteca Nacional e antigo presidente do Instituto Camões), Marcos Vinicius Vilaça (anterior Presidente da Academia Brasileira de Letras, Ministro do Tribunal de Contas), Nélida Piñon (primeira mulher a presidir à Academia Brasileira de Letras, Prémio Juan Rulfo), Eduardo Portella (membro da ABL, ex-ministro da Educação, Presidente da Biblioteca Nacional do Brasil e do Conselho Geral da Unesco), Francisco Lucas Pires (foi Presidente do CDS, ministro da Cultura e vice-presidente do Parlamento Europeu), Helena Vaz da Silva (foi Presidente do Centro Nacional de Cultura e deputada ao Parlamento Europeu), José Azeredo Perdigão (primeiro presidente da Fundação Calouste Gulbenkian) e, last but not least, Agustina Bessa-Luís (escritora, Prémio Camões).

Não querendo cansar os meus leitores com estas minudências onomásticas, acho, parece-me óbvio a ausência de membros do governo português com cargos de responsabilidade “temática”. Nada de Primeiro-Ministro José Sócrates, nem uma palavra de Maria de Lurdes Rodrigues, Ministra da Educação e nem uma linha do Ministro da Cultura Pinto Ribeiro. Mais há frente, na página 190, surge Manuel Maria Carrilho, mas é só e esse não exerce funções governamentais neste momento. Costuma dizer-se que “no news are good news”, mas eu acho que neste caso “no news are no nothing”
- ars longa, vita brevis -
hipócrates
antes e depois ou “como vocês bem sabem que não gosto de El Greco; acho tétrico, arrepia-me e não daria um tostão para ver um museu dele. Eu sei, é feio dizer isto, mas não gosto. Um museu El Greco, como existe um em Toledo, seria mais ou menos o mesmo que caminhar por uma sacristia churrigueresca, no fim de uma tarde de Inverno, à luz dos sírios pálidos e dos ex-votos de cera em forma de pés e de mãos… ugh. Tenho que dizer, mais uma vez que neste post El Greco não sai bem visto, principalmente quando colocado ao lado e em comparação com Dürer. Mas vamos lá ver o que aconteceu. Dürer fez esta xilogravura antes da pintura de El Greco e temos de concordar que é espantosa. (Para quem não sabe, a xilogravura é o produto da xilografia, técnica que consiste em escavar ou esculpir uma placa de madeira e fazer do desenho um carimbo. Isto muito resumidamente) Dürer pegou na madeira e como em muitos outros trabalhos, esculpiu-a ao pormenor. El Greco seguiu-lhe o estilo. O quadro do pintor grego foi encomendado para o altar de Santo Domingo el Antíguo em Toledo e é apenas uma parte de um retábulo. Aliás, esta parte está colocada por cima da Assunção (salvo seja!). E apesar de El Greco voltar frequentemente aos seus temas, a este tema da Trindade não voltou. Nele vemos o Pai (à direita, de mitra na cabeça, embora seja uma mitra diferente daquela que Dürer criou), o Filho e o Espírito Santo (a pomba por cima de Pai e Filho). Vemos também umas pequenas cabeças de putti debaixo do braço do Pai, mas a mim parecem-me carraças!
A referência a Roma é notória na coloração que está muito próxima da usada pelos artistas de Roma em detrimento da coloração típica dos artistas venezianos. Podemos facilmente relacionar a posição do corpo e o efeito pesado do mesmo com a Pietá de Miguel Ângelo, o que é estranho em El Greco. Os seus quadros e as personagens que neles habitam são sempre etéreas e quase fantasmagóricas. El Greco pinta o corpo de Cristo com o peso necessário para tornar a cena minimamente real (ou credível) e depois veste o corpo nu do Filho com panejamentos mais fluidos e muito ao estilo “grequiano”. [que eu detesto, diga-se]:
Albrecht Dürer
The Holy Trinity
1511


El Greco
The Holy Trinity
1577
Museo del Prado, Madrid
- momento borda d’água –

A sabedoria popular é, passo o pleonasmo, sábia. As luas influenciam as sementeiras, as dores de ossos anunciam a mudança do tempo, os animais prevêem catástrofes, os ditos entre os antigos batem sempre certo. Diz-se, por exemplo que o tempo que fizer nos doze primeiros dias de Janeiro, será aquele que teremos em cada um dos meses do ano. Presta-se especial atenção ao dia 6, 7 e 8, mas depois – eu pelo menos – esquece-se. Ontem, foi dia de Nossa Senhora das Candeias, um upgrade cristão de uma cena mitológica que já foi abordada aqui. Diz-se que neste dia, “Se a candelária ri, está o Inverno para vir e se a candelária chora, está o Inverno fora.” Quer isto dizer que se o dia estiver risonho e solarengo ainda vamos ter muito Inverno pela frente. Se o dia estiver chuvoso, o Inverno está a terminar. Ou pelo menos, o pior já passou. Não conheço as vossas latitudes nem altitudes, mas por aqui parece que vamos ter de guardar as roupas leves ainda mais algum tempo. Shit!
- o carteiro –

O homem corvo

O seu nome de baptismo foi Charles-Edouard Jeanneret-Gris, mas a uma determinada altura da sua vida Charles resolveu adoptar uma alcunha que ficava no ouvido, que era totalmente adequada para um arquitecto com as suas ideias, assim como se coadunava na perfeição com a sua vida. Le Corbusier, ou “O Condor” era o alter-ego do arquitecto que aos 20 anos começou a assinar assim os seus documentos. Num postal enviado aos pais por alturas do Natal, Charles auto intitula-se “corvo”. Ora como se sabe o corvo é uma ave muito associada à morte, mas por uma questão de sobrevivência. Penso até que esta denominação “Le Corbusier” devia algo às teorias de Nietzsche quanto ao Homem na sua obra “Assim falava Zaratrusta”, assim como à ideia Nietzschiana de que Deus estava morto. Ao assumir-se como “Le Corbusier”, o arquitecto coloca-se numa posição demiúrgica uma vez que quando traduzida a expressão diz tratar-se de “O Corvo”. O uso do “Le” não é arbitrário, pois pressupõe a existência única e sem rivais deste super-homem. A outra analogia com Nietzsche é através de “Assim falava Zaratrusta”. Neste livro temos dois factores muito importantes: a águia e a ciência. Ao escolher ser águia, ser pássaro e ter a capacidade de voar sobre as cabeças humanas, Le Corbusier assumia-se como seu próprio Deus e é por essa religião que se rege. Há quem também diga que a escolha deste nome não é de todo casual, um incidente, já que este seria mais ou menos o sobrenome do avô do arquitecto. Le Corbusier viria então de Lecorbésier que traduzido, pelo menos naquela altura, queria dizer: “o corvo incomparável”. O corvo que voa também volta sempre ao mesmo ramo, onde tem o único ninho. Isto talvez seja uma tentativa da parte do arquitecto de se alicerçar.

Há sempre implícito em Le Corbusier a ideia de confronto. Na sua viagem com um amigo ao próximo Oriente, Itália, Grécia, Turquia e Cairo ele vai sugando como uma esponja as coisas que via e que produziam nele alguma espécie de frémito, de impacto. Quando visita a Acrópole, por exemplo, fá-lo sozinho ao fim da tarde, com a luz do crepúsculo e opta, não por tirar fotografias, mas por desenhar pois o desenho era mais intuitivo, transmitia mais emoções e era passível de mais interpretações que a fotografia. Ao mesmo tempo que pretere a máquina fotográfica, um símbolo do seu tempo, compara o Parténon a uma máquina e coloca-o como símbolo máximo da razão, tal como Marinetti dizia que um carro de corrida era mais belo que a Vitória de Samotrácia. As suas obras são um pouco a síntese disto, são actos de razão uma vez que nelas o homem é um pouco domesticado através da matriz industrial, podendo ser assim inscrito num circuito platónico. Um exemplo desta comparação com o Platonismo é o Modulator que através da secção áurea quantifica todas as secções e posições do homem.
A Capela de Ronchamp que escolhi falar de entre muitas das suas obras estava inserida num programa de reconstrução de edifícios destruídos pela guerra. Quando fazem a proposta de construção de Ronchamp, Corbusier não era um homem religioso. Por isso, tenta inteirar-se dos actos e ritos católicos a fim de mapear as possíveis orientações da obra e dar resposta a todos os requisitos. A capela foi sucessivamente destruída devido a várias razões o que levou a que a mesma fosse fruto de uma ideia e de um acto peregrino, um acto “sísifico”. E é de facto um edifício magnetizante pelas suas formas que estavam muito avançadas para a época, para um período pós-guerra que se queria racional. Há na capela a ideia de duplicidade que de resto há no arquitecto que criou um alter-ego que guarda em si outro alter-ego. Vista do exterior, ela é como um barco no topo de uma colina, um barco que navega muito devagar; no interior é como as casas com chaminé de fada da Capadócia, como um refúgio. Até prefiro pensar que se aproxima muito das teorias estéticas do gótico e que as aberturas funcionam simbolicamente como vitrais coando a luz em exactos momentos do dia e dos rituais que no interior têm lugar. De facto esta opinião tem paralelo com o passado, mas não com a Idade Média: Corbusier baseou-se no que viu da villa Adriana na sua viagem a Itália. A luz é filtrada e escorre pelas paredes derramando um reboco rugoso que dá o sinal de uma presença sobrenatural. E quando a luz invade o interior o vermelho é a cor que se assume, que assume a sua intensidade. A dualidade referida há pouco também se nota no confronto de pesos, como por exemplo entre a leveza do tecto e a robustez das paredes, entre o orgânico e o ortogonal, entre as paredes planas sem aberturas e as paredes perfuradas, entre o tecto suspenso e o tecto atarracado, entre as linhas axiais e as linhas que desenham elementos como nuvens, mãos, rios, cobras e estrelas, entre as cruzes e pedras fundadoras e as borboletas e pombas que marcam a entrada da capela. A partir da carapaça de um caranguejo nasce a configuração de um abraço e a partir do corpo crucificado de Cristo nasce a ossatura interior do tecto.
A espontaneidade um pouco agrilhoada da criação também se prende com o confronto entre o sentido de pertença da obra a um lugar e o sentido sagrado da mesma que faz com que ela pertença a lugar algum por ser como o próprio Deus: omnipresente. Esta criação que geralmente associamos ao divino e que necessita de um tempo de incubação também pode estar associado ao maligno, uma vez que o “incubo” era um demónio. O acto de criação também poderia ser um acto de esconjurar o demónio. Cruzes canhoto, lagarto, lagarto, lagarto.


- o carteiro -
O F.G ou a F.B. (nunca sei o que devo escrever) enviou-me este link para o Forward Thinking Museum. Aconselho-vos a AES+F, a Jan Banning at Kunsthal Museum, Zhang Huan e Jen Davis. Já agora agradeço a "prova do crime".