sábado, novembro 29, 2008

- back to black -

sexta-feira, novembro 28, 2008

- original soundtrack -

Cash e Dylan para vocês (e a letra para mim):

Well, if you're travelin' in the north country fair,
Where the winds hit heavy on the borderline,
Remember me to one who lives there.
She once was a true love of mine.

Well, if you go when the snowflakes storm,
When the rivers freeze and summer ends,
Please see if she's wearing a coat so warm,
To keep her from the howlin' winds.

Please see for me if her hair hangs long,
If it rolls and flows all down her breast.
Please see for me if her hair hangs long,
That's the way I remember her best.

I'm a-wonderin' if she remembers me at all.
Many times I've often prayed
In the darkness of my night,
In the brightness of my day.

So if you're travelin' in the north country fair,
Where the winds hit heavy on the borderline,
Remember me to one who lives there.
She once was a true love of mine.

(Girl from the Norh Country, Johnny Cash e Bob Dylan)
- não vai mais vinho para essa mesa -

[no mercado]
- Ó Rosa, está pêra é da boua*?
- Intão* num é crida*? É táão* boua quinté* se come crua.


*boua - boa
*intão - então
*crida - querida
*táão - tão
*quinté - que até
- ars longa, vita brevis -
hipócrates
antes e depois ou como este post é um bocadinho desinteressante, confesso. Em relação À Vénus de Giorgine, quadro mais que parodiado e revisitado para não dizer pastichizado, o pintor explora um tema sensual ao estilo veneziano. No quadro de Giorgione havia, inicialmente, um Cupido perto da figura reclinada, mas em 1843, alguém cobriu o Cupido, o que é muito estranho pois a alteração foi feita por outra pessoa que não o pintor (pois esse já tinha morrido) e numa altura em que a arte dos Grandes Mestres já tinha algum estatuto. A Vénus está posicionada de forma a criar uma diagonal no quadro e ocupa grande parte do mesmo; domina a pintura e tem um braço atrás da cabeça o que faz com que toda a linha do corpo seja muito mais sinuosa e as curvas do mesmo ficam acentuadas, para fazer pendant com as curvas da paisagem que se desenvolve atrás de Vénus. Este quadro foi pintado numa altura em que Veneza lutava para conquistar “terra firma”, o que nos pode levar a pensar de Vénus (Venere) estava de alguma forma ligada a Veneza. Além disso, a beleza de Vénus é acentuada tanto pelos seus lábios avermelhados como pelo manto que a cobre que é de um vermelho escuro. Por outro lado, a sua pele leitosa rima com a parte creme do mesmo manto.O decoro que se exigia na época e que nunca era respeitado foi aqui contornado com uma manobra magistral: Giorgione pintou a Vénus adormecida, o que quer dizer que ela fica ilibada da possibilidade de culpa na falta de decoro.
Se compararmos a Vénus de Giorgione com a Vénus de Urbino de Ticiano, vemos que este último copiou quase integralmente a posição da figura do quadro de Giorgione. Há no entanto um erotismo maior numa Vénus acordada que provoca conscientemente do que numa Vénus adormecida que provoca involuntariamente. Há outra diferença (técnica, mas uma diferença) e que se prende com a autoria dos quadros. A Vénus de Urbino foi pintada pela mão de Ticiano, mas quanto à Vénus adormecida, pensa-se que tenha sido do atelier de Giorgione sem ter sido integralmente feito pelo pintor que não é veneziano, mas é como se fosse.Quanto a Moise Kisling, que não é nada conhecido, para não dizer que é desconhecido, faz parte do conjunto de pintores que não fazia parte de nenhum conjunto; ou seja, tal como Modigliani, não era um cubista mas pintou e frequentou os mesmos locais que os cubistas. Era companheiro dos bairros boémios de Montparnasse e Montmartre mas também não foi um orfista. Pintou retratos, mas não tinha a paleta de cores nem a técnica agressiva dos Fauves, foi coetâneo dos expressionistas, mas nos seus quadros não há tensão, está longe do Surrealismo e do Dadaísmo. Tanto Kisling como Modigliani pintavam temas comuns de uma forma que não era comum, herdeira talvez de Cézanne e Gauguin mas não comum, e no entanto era aceite por todos como uma nova forma de pintura que reduzia os elementos identificativos de uma figura ao mínimo necessário para essa identificação, não sem alguma ironia e distorção.

O que une estas duas pinturas também é aquilo que as separa (esta frase não quer dizer nada, mas é uma frase feita e um post sem frase feita é um post que tem a mania que é bom e não queremos que isso aconteça aqui no Belogue). O corpo feminino é aquilo que visualmente têm em comum e é também o que as diferencia, porque a figura feminina de Kisling não está a dormir como a de Giorgione; está a provocar-nos (para quem se sentir provocado). A figura de Kisling não faz a separação entre a natureza humana e a Mãe Natureza, pois deixa-se pintar num quarto todo vermelho. O que há é o uso do seu corpo como separador entre a natureza morta do prato com os dois frutos, e vida que se pode encaixar entre a figura feminina e as almofadas. De qualquer forma, é importante ver como muitos pintores da esfera de Modigliani (o próprio também), se serviram das poses dos quadros relevantes dos Grandes Mestres como pretexto para uma pintura onde exploravam os seus objectivos, treinavam novas técnicas e defendiam o seu ponto de vista acerca daquilo que poderia e deveria ser a pintura:"

Giorgione
Sleeping Venus
c. 1510
Gemäldegalerie, Dresden


Moise Kisling
Nu num divã vermelho
1918
Musée d'Art Moderne, Petit Palais, Bruxelas
- o carteiro -
what to wear VII (1850-1900):
No final da primeira metade do século XIX assistiu-se a um ascetismo inexplicável na moda, principalmente na feminina. Mas a segunda metade do mesmo século foi diferente da primeira por fazer ressurgir a feminilidade, não sem algum saudosismo e admiração pueril pelo passado, ao mesmo tempo que dava passos em direcção a uma semelhança de estilos, não obstante nunca o ter sido entre géneros. Aquela que foi a década das grandes revoluções (década de 40 do século XIX), inaugurou a segunda metade do século com uma revolta da esquerda, o que trouxe para alguns países a primazia de uma direita tirana. Curiosamente em Inglaterra e na França isso traduziu-se numa vitória da burguesia. Note-se que foi em Inglaterra que se deu a Exposição Universal de 1851 que prometia paz e prosperidade através das inovações tecnológicas (o tempo veio provar que eram falsas esperanças) e que em Londres proliferavam as casas com fachada, pórtico e duas colunas à entrada, na maioria ocupadas por membros da burguesia inglesa para se concluir que o homem de negócios já não vivia por cima da loja (na Idade Média as pessoas mais pobres dormiam no compartimento ao lado dos currais para ficarem mais quentes). Toda esta prosperidade, pelo menos nestes dois países, resultou na mesma medida em elaboração e preocupação com os trajes. Esta preocupação era tal e estendia-se a todos os quadrantes sociais, que no início da segunda metade do século XIX as criadas e as patroas vestiam-se de forma mais semelhante do que há apenas 30 anos atrás. Num Domingo era praticamente impossível distinguir a criada da patroa.

As saias que eram muito apagadas, quase abafadas pelos redingotes, foram ganhando volume através de um número crescente de anáguas (tipo, varina da Nazaré com sete saias. Já experimentaram contar? São mesmo sete). O pior era que o grande número de anáguas usadas dificultava os movimentos e era pesada. Por isso as anáguas foram substituídas pelas primeiras crinolinas. Já antes com a farthingale e com os panniers no século XVIII se tinha feito um ensaio das saias armadas, mas só as crinolinas produziram este efeito e tinham na sua base estudos científicos. Ainda que nada práticas, estes acessórios eram fruto de novos materiais e técnicas que permitiam arcos flexíveis e peças mais leves cozidas directamente à anágua. A crinolina tinha uma vantagem para as mulheres: debaixo dela e da saia, as mulheres tinham as pernas muito mais à vontade. Mas trazia inconvenientes: é que bastava um pouco de vento para provocar um desequilíbrio e a senhora mostrar uma pernoca. Como a época de mostrar as pernas ainda estava longe e isso era inadmissível em qualquer mulher, fosse ela uma herdeira ou uma meretriz, as senhoras começaram a usar umas “pantalonas” por baixo da crinolina. Até as crianças usavam as pantalonas, mas como as suas saias eram mais curtas, o efeito era ridículo.



Como em todas as épocas a moda também se fez de exageros e no final da década de 50, as crinolinas criavam uma amplitude tão grande nas saias que duas senhoras não se podiam sentar no mesmo sofá ou conversarem perto ou mesmo entrar numa sala pela mesma porta, ao mesmo tempo. As senhoras rodeavam-se de renda e atrás vinha um escaler, um acompanhante masculino, que tinha de ficar na sombra da sua figura. A crinolina tinha uma carga erótica forte e foi por isso que as mulheres não a abandonaram com facilidade. Por um lado era uma forma de distingui-las dos homens, numa altura em que a sociedade era dominada por eles. Se uma mulher se apresentasse como um ser estranho, essa estranheza iria chamar até si os outros, principalmente homens. Mas ela mantinha-se inacessível pela impossibilidade de proximidade que a crinolina criava. Um homem podia admirar e desejar uma mulher, mas fisicamente, não se podia aproximar dela. A crinolina aumentava a zona da anca, criava a falsa ilusão de anca larga que como se sabe, pelo menos é o que dizem os cientistas, atraem os homens que querem procriar. Por outro lado, era como um abat-jour mal encaixado, um balão numa marcha popular: abanava-se aqui e ali, movia-se e por vezes deixava ver o tornozelo da senhora. Eis o grande tormento do homem do século XIX; o tornozelo feminino que o corrompe na sua seriedade. Por isso nesta altura a taxa de natalidade em Inglaterra subiu e muito. Também por isto as mulheres passaram a calçar botas e botins até meio da canela e apertadas aí.








Deve ter existido uma relação natural entre a crinolina e o Segundo Império que foi o início de uma era próspera, ambiciosa, mas ao mesmo tempo dissimulada e feita de aparências. A principal representante e defensora da crinolina foi a Imperatriz Eugénia e este facto não é irrelevante uma vez que deverá ter sido a última personalidade real a ter algum efeito sobre a moda. É nesta altura que começam a aparecer os estilistas homens. Até cerca de 1860 havia estilistas, mas eram todas mulheres. Acontece que a moda se tornou algo de tão importante, cerimonioso e determinante mesmo na vida das pessoas, que as mulheres influentes começaram a deixar o seu corpo e o seu dinheiro ao critério de uns quantos estilistas homens que também ganharam o seu estatuto. Até aí eram os estilistas que iam a casa das clientes e a partir da Imperatriz Eugénia (excepto para ela e para as suas acompanhantes), as mulheres deslocavam-se ao atelier de costura. Isto faz do trabalho do estilista quase uma arte pois com os pintores, passada a época dos pintores de corte, eram as encomendas que iam ter com os artistas e não os artistas que iam em busca deles, excepto, claro, nos concursos. No entanto o desenho de moda ainda era um pouco rudimentar. Estilistas como M. Worth que não sabiam desenhar, tinham sempre a mesma base de trabalho; colocavam braços e cabeças posteriormente, feitos a partir de litogravuras. (um vestido que concebeu para Elisabeth da Áustria)



As mulheres não abdicaram facilmente da crinolina, nem mesmo quando tiveram outras alternativas. Na América, por exemplo, estas modas não eram tão bem aceites e em 1951 a senhora Bloomer chegou mesmo a deslocar-se em digressão à Europa para mostrar o novo traje que dava mais liberdade de movimentos às mulheres, embora em meu entender retirasse toda a piada do jogo de sedução. O traje Bloomer que acabou por ser parcialmente aceite no fim do século quando todas as pessoas se dedicavam ao desporto, principalmente ao ciclismo, consistia num corpete mais simplificado do que aquele que era usado e uma saia ampla e um pouco abaixo dos joelhos. Por baixo das calças, para tapar o que sobrava de perna propunha-se umas calças largas, mas apertadas no tornozelo deixando uma barra de renda em baixo. Ora esta sugestão surtiu efeitos indesejados: os homens tinham medo de perder o poder que lhes era conferido pelo uso de calças e as mulheres não queriam abandonar a sua feminilidade, embora algumas mulheres já tivessem os seus trajes um pouco masculinizados. Conclusão: o movimento Bloomer fracassou redondamente.


A crinolina também não teve muito mais tempo de vida, pelo menos nos moldes conhecidos. Teve o seu auge na década 60 do século XIX que como vimos foi pródigo em crinolinas a fazer círculos perfeitos com a mulher ao centro, corpete justo, cinturas finas e xaile, novamente, para se estar ao ar livre. As senhoras usavam chapéu, mas o tamanho do chapéu diminuiu consideravelmente a agora era apenas uma cobertura no cimo da cabeça (afastada da testa para se poder ver o cabelo), e apanhada debaixo do queixo por uma fita. Depois, em 1868, a crinolina passou a ser deslocada um pouco para trás, deixando a parte da frente do traje e do corpo feminino liberto para conversas e proximidade física com o outro. Para o traje não ficar com mau aspecto amontoava-se atrás uma grande quantidade de tecidos que cobriam a armação e faziam uma cauda. Mais tarde a crinolina deixou de ser usada, mas para conferir aquele aspecto de rabiosque grande (que também era sinal de fertilidade e agradava os homens), optou-se pelo uso das anquinhas, mas desta vez já com algumas inovações que tornaram o seu uso muito mais simples.





A derrota da França em 1870 (frente à Prússia), e alguns problemas (deposição de Napoleão III, início da Terceira República) fizeram com que Paris se afastasse da vanguarda da moda por algum tempo. De facto o que se nota é que não há continuidade na evolução (deslocação da crinolina para trás, substituição da crinolina por anquinhas e previa-se o abandono destas), mas uma estagnação, embora os vestidos da década de 70 nos pareçam muito luxuosos. Para esta ideia e para a elaboração nas vestes femininas muito contribuiu a invenção da máquina de costura e a invenção de tintas à base de anilina que permitiam novas cores, enquanto a máquina de costura permitia novos modelos e cortes. Podíamos pensar que daqui viria boa coisa, mas a verdade é que as saias e os corpetes tinham cores diferentes e berrantes e como as senhoras se sentiam inspiradas pela máquina de costura, começaram a criar vestidos cheios de cortes de tecidos diferentes. Um vestido podia ser uma autêntica colcha de patchwork e nunca, segundo os críticos, as mulheres se vestiram tão mal. Os vestidos podiam ser de uma só peça (estilo princesa que permitia variações como a polonaise, o vestido de Jersey lançado por Mrs. Langtry e o vestido para o chá) ou com saia e corpete separados, o que na minha opinião já não é um vestido. As senhoras usavam também uma jaqueta para passeio, uma jaqueta curta, mas eram-lhe adicionadas basques como cortinas de forma a que parecia que a saia ou a parte de baixo do vestido tinha uma sobre-saia. Mais tarde, já em 1876 as mulheres começaram a usar uma armadura que mais não era que um espartilho dos quadris. Junte-se a isto o espartilho tradicional e a anquinha traseira para termos mulheres muito mal dispostas. Se não eram, tinham todas as razões para serem.



Os chapéus voltam a cair sobre a testa e os penteados usam-se altos, no topo da cabeça e depois a cair em cachos ou tranças. Como era necessário muito cabelo para fazer este tipo de “corte” e não havia assim tanto cabelo disponível foi necessário importar cabelo para fazer frizettes e scalpettes.

No final da década de 70, a anquinha tal como era usada, deixou de estar na moda, mas não foi banida. Ocupou outra posição mais abaixo no vestido o que fazia com que os vestidos possuíssem caudas muito longas. Mas com os ombros à mostra, o espartilho cada vez mais apertado e uma saia que travava os movimentos na zona dos joelhos, muitas eram as revistas e ilustrações que ridicularizavam as mulheres que temiam em seguir a moda. As anquinhas subiram um pouco mesmo no rabiosque e depois o vestido caía sem mais armações. Começava aqui também um movimento de oposição aos trajes da época liderado por John Ruskin e pelos pré-rafaelitas que propunham um estilo completamente diferente. Segundo os pré-rafaelitas as mulheres estavam demasiado adornadas e despidas e até porcas, uma vez que na opinião da Irmandade as anquinhas não eram muito higiénicas. (De facto não eram; faziam transpirar muito e com o vestido muito apertado na zona dos joelhos não permitiam grande liberdade de movimentos nem arejamento. No entanto algumas marcas começavam já a usar a tecnologia para fazer anquinhas respiráveis e para substituir a crina de cavalo e outros materiais, por materiais mais fáceis de adaptar aos movimentos normais de uma mulher). As queixas do movimento pré-rafaelita foi transformado em movimento por parte de um grupo de intelectuais, apelidado de Traje Racional, uma proposta um pouco utópica e pretensiosa como podemos ver pelo nome. No essencial eram iguais às roupas da época, mas menos apertadas: as mangas eram em balão, os vestidos não exigiam o uso de espartilho, os sapatos não tinham salto e os cabelos eram bastante simples. Quanto ao traje masculino privilegiava os calções até aos joelhos, casaco de veludo, gravata informal e chapéu wideawake. Para vermos este traje basta olhar para Oscar Wilde que foi um defensor do movimento Traje Racional. Apesar de ter sido um movimento muito satirizado acabou, ao fim de algum tempo e insistência por ter algum efeito, à medida que as mulheres também começaram a ter uma vida mais activa. Resultado disso foi o abandono do espartilho rígido.

Como foi dito, o desporto começou a ter muita influência neste final de século e a ser praticado tanto por homens como mulheres como vimos em relação ao traje Bloomer. Como os trajes eram muito formais para praticar desporto alguns deles tiveram de ser mudados para algo mais prático. Para praticar tiro, por exemplo, os senhores podiam usar um casaco Norfolk, com pregas verticais e calções largos até aos joelhos e polainas. O traje de críquet era o mesmo de hoje em dia à excepção das cores que nesse tempo ainda podiam ser berrantes. No ciclismo ainda se usavam as bicicletas com a roda dianteira maior que a posterior e os trajes, por razões óbvias tiveram de ser adaptados à condição feminina. O ciclista usava um casaco muito justo com ar militar, calções pelo joelho igualmente justos e boné pillbox. Levava consigo também uma corneta para advertir os transeuntes da sua presença. Quanto às mulheres ciclistas, viram já no final do século as vantagens do traje Bloomer; como não podiam usar calças, usavam saias bifurcadas ou knickerbockers. Independentemente isto permitir às mulheres realizarem actividade física sem mostrarem as pernas, o traje foi achincalhado na praça pública e na Igreja. Mesmo assim, algumas mulheres continuaram a usá-lo e muitas preferiram trocar as rendas pelo traje cinzento muito parecido com o dos homens, mas na versão “saia”. Era um traje constituído por saia, camisa justa e com gola levantada como a masculina e um casaco um pouco mais feminino, mas um casaco sem qualquer adorno e em cores que até aí as mulheres não usavam.


Os homens continuavam, fora da actividade física, a privilegiar o casaco: o chesterfield, o top frock, o ulster e o inverness, gladstone e albert. À noite os senhores usavam o dinner jacket e quando as senhoras se retiravam mudavam para o smoking jacket, igual ao outro, mas almofadado, não me perguntem porquê. No geral os trajes masculinos adquirem um aspecto mais informal à medida que nos aproximamos da década de 90 e do fim do século também. Usar casaco era mais do que uma questão de moda; era uma questão de moral. Um homem que saísse de casa sem o casaco vestido, independentemente de ter consigo o sobretudo, era mal visto. Quanto às calças no início da década eram largas em cima e apertadas em baixo, a afunilar e alguns jovens começaram a usá-las com a bainha dobrada para fora. Isto era admitido aos jovens, mas não aos homens de posição social como o visconde Lewisham que em 1893 compareceu na Câmara dos Comuns com este modelo. Algo que não mudou foi o colarinho que se tornou tão apertado como os dandys haviam usado ainda na primeira metade do século. Podiam no entanto ser adornados com lenços ou gravatas que muitas vezes já vinham prontas a usar.


Relativamente à moda feminina, depois de se ter abandonado as anquinhas e as rendas, optou-se por um corte justo nas ancas, mas enviesado, quase em forma de sino. Permanecia no entanto a cauda, mas no geral o visual era bastante recatado: blusas de renda em gola alta, com um laço ou folhos a cair do pescoço, as mangas eram em balão (chegou mesmo a existir um certo exagero no tamanho das mangas que levou a que muitas mulheres usassem pequenas almofadas para obter o volume pretendido. O mais estranho era que, independentemente do teor das peças de teatro, este era o tipo de figurino que vigorava no guarda-roupa de cada teatro.) O uso de renda nas blusas era muitas vezes estendido a todo o vestido quando se tratava de comparecer numa cerimónia que decorria à noite. No dia, a renda era aplicada na gola, mas também nos punhos e na anágua que ao ser mostrada por uma senhora quando esta pretendia subir um degrau ou quando levantava um pouco mais a cauda do vestido para se deslocar, provocava calafrios (ou calaquentes) nos homens. Os chapéus continuavam pequenos e usados no topo da cabeça, para os passeios as senhoras usavam capas e pelerine sendo que algumas capas tinham uma gola do tipo médici, os sapatos e as botas de salto alto eram muito usados e senhora que se prezasse não podia esquecer as luvas compridas (às vezes com 20 botões) e o leque. As cores eram vivas e quase sempre destoantes e curiosamente, as senhoras gostavam muito do amarelo.



O domínio francês estava solidificado e a França pensava mesmo aliar-se à Rússia, o que fez com que muitas francesas, influenciadas pela moda e necessidade russa de usar peles, começaram também a usá-las, quando antes as peles eram um privilégio masculino. Uma brisa de liberdade chegava à cidade com a presença de novos-ricos sul-africanos, mas o novo século foi incompreensivelmente o século de todas as guerras.
- carteiro -

No seguimento do seu comentário, eis a minha resposta, mas devo dizer-lhe que nunca será, nem foi mesmo antes de ler o artigo, vinda de uma atitude imparcial. Quando li o pequeno desafio, fiquei mal impressionada; ou seja, as citações que me apresentou eram tão rebuscadas que não faziam sentido e por isso, parti do princípio que o artigo do suplemento Ípsilon do Público de sexta-feira, 21 de Novembro, bem como o artista e a sua obra não deviam ser levados a sério.

Quando li, tenho que reconhecer que quase fiquei convencida que Christopher Wool era afinal muito dotado. Não só pela forma como o artigo está escrito que dissuade o espírito crítico de qualquer pessoa que não tenha o mínimo conhecimento de arte (e esta atitude de superioridade do crítico face ao público é bastante comum), mas também pelos inúmeros encómios que desarmam quem não viu a exposição. O objectivo é que este tipo de artigos – especialmente este que foi escrito quando a exposição ainda não tinha sido inaugurada – aguce a curiosidade de quem os lê para uma visita à exposição. Dizer que é bom só, não chega, mas dizer que é excelente porque pelo meio surgem uma série de nomes com os quais Wool é associado, é insultuoso.
Por isso li o texto novamente, sem preconceitos e eis que cheguei à mesma conclusão: algo não se torna bom porque dizemos que é bom; o estilo elogioso e subserviente que os críticos utilizam para classificar uma exposição que já parece de si (mal) validada pelas instituições que a representam, só nos faz acreditar que os artistas de hoje são o resultado de um casting “Morangos com Açúcar”. O valor (monetário e artístico) de Wool é muito inflacionado pelos nomes a que está associado, mas isso não faz desta exposição, uma exposição a ser vista; ou pelo menos não faz deste texto um texto que nos dê vontade de ver a exposição.

Eis algumas incongruências que mostram que nem Christopher Wool é o artista que parece ser, nem a sua obra merece ser comentada num tom tão elogioso, nem o artigo foi escrito imparcialmente. Quando se fala de “intensidade urbana traduzida em arte”, a propósito de uma fotografia que capta uma parede onde Wool escreveu Direct Action/ gets the goods” e que de resto, posso dizê-lo aqui sem qualquer problema, é fraca, não mostra nenhuma intensidade urbana. O graffiti, de que o texto também fala, já fez isso e de forma muito mais incisiva e premente que Wool. Quando se diz que Wool “se apropria, por exemplo, da linguagem do graffiti para contaminar, sujando mesmo, a tradição – seja ela proveniente do expressionismo abstracto ou da pop…”, temos que nos lembrar que Cristopher Wool não é um pioneiro e que esta leitura do “sujar” e “contaminar” vista como algo de bom não expressa mais do que a opinião do crítico e não aquilo que é na realidade. Porque um outro crítico pode achar que Wool suja e contamina a tradição como algo de muito negativo, uma vez que artistas como Morris Lewis, Kenneth Noland ou Barnett Newman já o fizeram com mais legitimidade (ordenaram o caos na pintura abstracta, o que não deixa de ser uma subversão). Esta frase é aquilo que se chama um “nem coisa nem sai de cima”, porque não assume Wool como neo-neo-expressionista, nem como um neo-pop, ou como um expressionista contemporâneo ou um pop-contemporâneo, mas deixa sub entendido que ele é um percursor. A “contaste negação”, o “contínuo fazer e desfazer” referido por Ulrich Loock são uma antítese: a constante negação é o niilismo, o fazer e desfazer é o tapete de Penélope que adiava o dia em que tinha de escolher um pretendente para substituir na cama o seu marido Ulisses. Pior ainda é a “sobreposição de camadas” que não é nem niilismo, nem adiamento, mas construção. Por isso não se pode falar de “Falhar, começar de novo”, quando nenhum das três expressões é hegeliana a esse ponto.

A “permanente desconfiança de Wool perante as grandes narrativas da história da arte”, mostra, tal como Picasso dizia, que Wool é como um ‘cão que ladra à caravana errada’, pois um artista já devia saber que não há grandes narrativas na história da arte, nem na história. Que pelo menos na arte tudo se conta através de pequenos passos que fazem o todo e quanto mais o tempo passa, mais a memória se vai desvanecendo. Até na nossa própria história, isto porque só captamos o que nos interessa. Mas não é por causa da desconfiança que Wool “safa, deteriora a superfície de cada obra”. Ele fá-lo, porque… não tem destino. Porque não sabe quando acaba a obra.

Há também referência às expressões escritas por Wool e lê-se o seguinte: “surge com a frase ‘you make me_’ escrita no peito, o pintor irá realizar uma das suas obras com palavras, sobrepondo exactamente as escritas pelo músico e deixando um espaço em branco por baixo, correspondente ao traço inferior que nos convida ao preenchimento.” Ora então dê-se o estatuto de obra de arte às portas das casas de banho de estações, escolas e centros comerciais, à parede daquela capela no Norte de Espanha, coberta de conchas e onde cada concha está rabiscada por um turista e aproveite-se a leva e queime-se o quadro de Magritte “A traição das imagens” ou as obras de todos os artistas conceptuais.

Há, nos trabalhos com palavras, pelo menos nos citados, resultados positivos embora não excelentes. São poesia visual desencantada quando lhe tiramos o “visual” e já vista (Alberto Pimenta, Graham Gussin, a nossa Jenny Holzer, E. Melo e Castro, Barbara Kruger). Diz-se mais à frente que “a própria prática conduz a um número crescente de elementos pictóricos”. Eu traduziria isto em duas palavras: Jackson Pollock, o tal expressionista abstracto cuja arte Wool sujava admiravelmente.

O último comentário que o texto me sugere é que com comentários assim - e quem sou que só “toco de ouvido” – não admira que o país continue a dividir a arte em arte para elites e arte pimba. Aquilo que não percebes ou que não te sugerir nada, é bom. Aquilo que tu gostas, mas não se inscreve no novo feio, é mau.
- ars longa, vita brevis -
hipócrates

[Mugabe 0 - 1 Mhlanga]
A organização filantrópica ArtVenture decidiu entregar o prémio Freedom to Create ao escritor e crítico Cont Mhlanga, que por acaso tem sido um forte opositor ao presidente do Zimbabué, Robert Mugabe. O trabalho de Cont Mhlanga tem sido censurado pelo regime de Mugabe, mas o prémio vem provar que o sentido de humor e a persistência podem ser mais fortes que a força física. O prémio foi partilhado com o grupo zimbabueano Women of Zimbabwe Arise Group que se dedica a lutar pela igualdade de géneros.

[A cavalo dado não se olha o pivot]
A pintura de Matisse intitulada "Le Mur Rose" e que já pertenceu ao exército nazi (para destruir, com certeza pois esta gente não dava "ponto sem nó"), pertence agora a uma instituição de caridade que ajuda a angariar ambulâncias para Israel. "Le Mur Rose," pertencia a um judeu alemão chamado Harry Fuld Jr. Em 1937 as tropas nazis confiscaram-lhe esta obra e depois da guerra, em 1948 a polícia francesa encontrou o quadro perto da casa do oficial nazi Kurt Gerstein, que foi o responsável pela carnificina em Auschwitz através da gaseificação. A pintura entrou na posse da França e integrou a colecção do Centro de Arte Moderna George Pompidou, pertencendo a uma das 2000 mais valiosas daquele país. Foi porém doada a uma instituição de caridade britânica que espera com a sua venda conseguir angariar fundos para a rede Magen David Adom comprar ambulâncias, pagar paramédicos e construir centros de tratamento em Israel. O mês passado a pintura esteve exposta no Museu do Judaísmo em Paris numa mostra intitulada "A quem pertencem estas pinturas?" Esta pertence agora à Terra Prometida".

[Dores de crescimento]
Depois dos mega hotéis e das cidades e ilhas artificiais para ocidentais, eis que o mundo árabe se prepara para enfrentar o seu maior ponto fraco: os tabus religiosos e sexuais. Foi o que aconteceu na Embaixada Francesa em Riade. A embaixada foi invadida por sauditas e estrangeiros que queriam ver as obras de arte ali expostas da autoria de sete mulheres sauditas artistas. Uma delas expôs num quadro um seio nu, o que deve ter enfurecido os arautos da moral e dos bons costumes muçulmanos, uma vez que da porta da embaixada para dentro a polícia religiosa não pode entrar. Na Arábia saudita o interesse pela arte (por aprender arte e por conceber arte) está a aumentar com mais cursos de arte e possibilidade dos alunos e interessados irem estudar para o estrangeiro. A primeira sociedade artística não governamental foi fundada há um ano e conta com 4 mulheres entre os seus 10 membros, o que já não é mau. Há uns tempos atrás isso não só seria impossível como ridículo pois a sociedade, o governo e a polícia política teve sempre tendência a considerar a arte, principalmente a abstracta, indigna de apreciação. Em 2001 por exemplo, só uma aluna acabou o curso de escultura, uma vez que para a lei islâmica a escultura viola o princípio da não representação de ídolos.
- não vai mais vinho para essa mesa -

foi melhor assim
- o carteiro -

ainda estou a elaborar a minha lista, mas aqui ficam as primeiras impressões:
- melhor filme de 2008: "O segredo de um cuscuz" e "Aquele querido mês de Agosto"
- melhor disco de 2008: Randy Newman - "Harps and Angels" e Roisin Murphy - "Overpowered" (sei que foi lançado no final de 2007)
- melhor livro que li em 2008: "A Guerra do Mundo" de Niall Ferguson
- melhor concerto de 2008: Roisin Murphy e Nick Cave

segunda-feira, novembro 24, 2008

- original soundtrack -

Oh oh oh oh oh oh
You don't have to go oh oh oh oh oh
You don't have to go oh oh oh oh oh
Baby please don't go.

Ay ay ay ay ay ay
All those tears I cry ay ay ay ay ay
All those tears I cry ay ay ay ay ay
Baby please don't go.

When I read the letter you wrote, it made me mad mad mad
When I read the news that it brought me, t made me sad sad sad.
But I still love you so, I can't let you go
I love you- ooh baby I love you.

Oh oh oh oh oh oh
Every breath I take oh oh oh oh oh
Every move I make oh oh oh oh oh
Baby please don't go.

Ay ay ay ay ay ay
You hurt me to my soul ay ay ay ay ay
You hurt me to my soul ay ay ay ay ay
Darling please don't go.
(...)

(D'yer Mak'er, Led Zeppelin)
- não vai mais vinho para essa mesa -

[na estação, à espera do comboio]
1 - ó ‘ria, tu sabes quinhe é este?
2 - posch? Num beijo nada cum estes ócles!
1 - é o sobrinho do Zé da Bica!
3 - Tá a falar sozinho.
1 - Cala-te Nel quele pode ubir!
2 - Foi este que matou a mãe?
1 - Foi. Deu-lhe uma pancada co cabo de uma inxada, ela foi próspital e dois dias despois morreu.
3 - batia na mãe. Agora debe ter abariado que tá ali a falar sozinho.
1 - Tá calado Nel quele pode ubir!
2 - Num é ele!?
1 – é ele é. Intão tu pensas qué quenhe?
2 – Num é o do Inrique que bibe no monte?
1 – Não, esse inté já morreu. É sobrinho do Zé da Bica.
2 – É este qué o Febra?
1 – É Febra da parte da mãe e Bica da parte do Pai.
2 – Mas o pai num era Pinhal?
3 – Era, mas tinha um café.
- ars longa, vita brevis -
hipócrates
este "antes e depois" poderia ser mais um "depois e antes" com um "meio" entretanto, pois está é uma história intricada. Van Gogh pintou várias Arlesianas que é quase o mesmo que dizer que pintou várias Madames Ginoux. Duas delas (uma com livros e outra com gurada-chuva e luvas foram pintadas em 1888. As seguintes foram pintadas em 1890. A grande diferença entre as que foram pintadas em 1888 e as que foram pintadas em 1890, é que nestas últimas a posição do corpo feminino altera-se. Como devem ter notado, as datas indicam que os quadros de Van Gogh e Gauguin foram pintados no mesmo ano, mas se escolho Van Gogh a "imitar" Gauguin e não o contrário é apenas devido a uma frase do autor da obra relativamente à mesma. Disse Gauguin sobre o quadro "Night Café at Arles" numa carta enviada a Bernard: "Pintei um café do qual gosta muito Vincent, mas a mim não me convence. Ao fundo, a cor do local e os canalhas não estão feitos para mim. É uma questão de educação e isso é uma coisa que não se pode mudar". Escreveu também a Schuffenecker a dizer "Não é nada é nada o meu estilo, as cores locais de um bar qualquer não me atraem". Gauguin não fala da figura feminina, gerente do café que cujo interior já Van Gogh havia pintado (ver aqui), mas apenas do interior do espaço. Van Gogh gostava do quadro de Gauguin porque o seu era deprimente, apertado, insano e o de Gauguin pleno de cor. Além disso no de Gauguin nada esbate a figura de Madame Ginoux. Os dois influenciaram-se mutuamente: Gauguin pintou algumas cadeiras depois de Van Gogh ter passado as mesmas para a tela e Van Gogh isolou a figura de Madame Ginoux (chamada A Arlesiana) e pintou-a pelo menos quatro vezes. Primeiro pintou-a numa outra posição, de um outro ponto de vista, mas com a mesma mão a segurar a face (ver aqui). Mais tarde pintou-a tal como ela aparece no quadro, de frente. Tenho para mim que Gauguin, não querendo atormentar o já atormentado Van Gogh e preservando a amizade que os unia nunca terá dito a Van Gogh o que pensava do quadro. Por bem menos Van Gogh mutilou-se(em Dezembro desse ano, quando os dois pintores viviam e trabalhavam juntos em Arles, têm uma discussão. Vincent ameça Gauguin com uma navalha, mas quando este sai de casa e passa a noite num bordel, Van Gogh corta a sua própria orelha, embrulha-a numa folha de jornal e oferece-a a Rachel, uma das prostitutas do prostíbulo):"

Paul Gauguin
Night Café at Arles
1888
The Pushkin Museum of Fine Art, Moscovo


Van Gogh
L' Arlesienne (Madame Ginoux)
1890
Kröller-Müller Museum, Holanda
- o carteiro -



- o carteiro -

what to wear VI (1800-1850)
Agora torna-se necessário dividir os séculos a meio e mais tarde a moda será aqui discutida quase década a década. Na continuidade do que tínhamos escrito acerca do século XVIII, o início do século XIX pauta-se por vários aspectos que vão mudar ao longo do século: a França sofre grandes influências da nobreza inglesa no que diz respeito à moda masculina, a moda feminina tem mais variações e possibilidades e o século começa com o corte Império no vestuário feminino e uma estagnação no vestuário masculino que remonta quase ao reinado de Carlos II, excepto nas perucas.
Os vestidos estilo Império, sem cintura, fluídos e deixando os ombros e grande parte do peito à mostra eram tão leves que se achava não pedirem nada em cima. Ou em baixo. Talvez desde os tempos primitivas as mulheres nunca tinham usado tão pouca roupa como no início do século XIX. Em 1850, por exemplo, a moda mudou de tal forma que as mulheres usavam dez vezes mais roupa do que em 1800. E mais uma vez, incompreensivelmente, usavam aquelas roupas fizesse calor ou frio (com algumas cedências no tempo frio), mas a meu ver, não as suficientes para o Inverno Europeu. É também por esta altura que a situação da supremacia inglesa perante a Inglaterra se inverte e passa a ser a Inglaterra a imitar o estilo francês.


O vestido fluído chegava até aos calcanhares, mas era feito de um tecido muito fino e o peito ficava completamente desprotegido. Nota-se que os vestidos têm claras influências do classicismo grego, mas ao mesmo tempo os rufos voltam, desta vez moderados, como se fossem coleiras e levemente tufados. As senhoras passam a usar o xaile que ao princípio vinha de Caxemira, mas com a guerra com a Inglaterra, as importações tornaram-se impossíveis e a França arranjou maneira de produzir os seus próprios xailes. O xaile era peça-chave de qualquer senhora que se prezasse. Era o chamado "must have".



Quando Napoleão fez a expedição até ao Egipto vivia-se o Romantismo na Arte e toda a sociedade tinha sede por coisas exóticas: notícias de países longínquos, plantas e animais estranhos, costumes de culturas diferentes, etc, tudo isso foi absorvido com avidez pelos Franceses. Com o Egipto no curriculum Napoleão fez renascer no gosto francês a moda dos turbantes e de tudo o que fosse exótico e oriental. Podemos dizer que a influencia clássica durou três anos no século XIX e a influência oriental durou outros três. As mulheres queriam-se com feições invulgares, cabelos negros e um toque apimentado. Quando finalmente a Paz de Amiens surtiu efeito, as mulheres inglesas foram a Paris e aí notaram que as modas divergiam: as francesas continuavam a usar os vestidos brancos, mas no findo, em vez do vestido cair em linha recta, abria ligeiramente. Os vestidos ingleses por seu lado começavam a aderir ao estilo romântico e as mangas passaram a ser em balão e com aberturas; ou seja, com elementos que nos remetem para o reinado de Elizabeth I. Foi por esta altura que as inglesas começaram a aproximar os seus trajes do vestuário francês.


Isto em relação ao vestuário feminino, porque no vestuário masculino aconteceu o contrário. Se a moda inglesa masculina já era uma realidade no fim dó século XVIII, no início do século XIX ela é adoptada como lei e seguida à risca. A vantagem no uso do traje inglês está no tipo de tecido usado; ou seja, a caxemira. A caxemira tinha a mais valia, face aos outros tecidos ricos, de poder ser esticada e moldada ao corpo. É este o princípio do dandismo pois dandy não era aquele que se vestia de forma extravagante, mas cujas roupas estavam sempre impecáveis. Se virmos a roupa de um dandy, esta não ostenta bordados nem cores extravagantes. Há um aprumo na roupa do dandy principalmente perto do pescoço que se traduzia por levantar as pontas do colarinho da camisa e apontá-las para o rosto. Esta posição era auxiliada por um lenço que mais não era que uma longa tira de tecido chamada plastron. Mas também havia quem usasse o stock que mais não era que uma "coleira" rígida que não permitia grandes movimentos de cabeça, como virar a cabeça em direcção a quem falava ou baixar a cabeça para cumprimentar alguém. Por isso os dandies passavam por arrogantes quando na verdade faziam sacrifícios em nome da vaidade. Sabe Deus o que aquilo devia doer! Primeiro usou-se o casaco e cartola ingleses, mas mantinham-se os calções e as meias. Mais tarde, o calção desce (continuando a ter a cintura muito subida), até ao tornozelo, deixando a meia à mostra. O casaco era quase sempre azul-escuro, mas o colete e os calções podiam ter outras cores. A gola usava-se alta na nuca e era feita de veludo, os coletes eram curtos e ficavam cerca de 5cm acima do casaco que apertava à frente, mas dava pela cintura na frente e abaixo dos joelhos nas costas. No colete os botões de cima ficavam por abotoar para que se visse a renda da camisa. De dia usavam-se os calções justos com as botas por cima e à noite, para alguns eventos, preferia-se os calções, as meias de seda e os escarpins. As cartolas eram usadas sempre, bem como as bengalas em substituição da espada, mas existia um tipo de cartola para o dia e para a noite preferia-se o bicorne (como o tricórnio mas só com duas abas, ficando em forma de rissol. Era melhor do que a cartola ou o tricórnio porque podia meter-se o chapéu debaixo do braço). O cabelo usava-se curto e revolto tipo "Titus Imperador".








Tal como aconteceu com os macarrónicos, nos anos 20 do século XIX a moda foi levada ao extremo e as roupas dos dandies começaram a ser ainda mais excêntricas. Os melhores exemplos acerca dessa moda chegam-nos pela mão dos caricaturistas que mostravam no seu trabalho cartolas muito altas e ligeiramente mais largas em cima do que perto da aba, as extremidades dos colarinhos chegavam aos olhos, o stock tornou-se mais alto e mais apertado e as calças muito inchadas para tornear artificialmente a perna. P.S.- Os senhores usavam espartilho. É verdade...

Foi por esta altura que as roupas femininas sofreram algumas alterações: a cintura que era subida até ao peito baixou para o local natural e foi mais apertada ainda. As mulheres regressaram aos espartilhos e por consequência, cintura mais fina, saias mais volumosas. O espartilho era mesmo utilizado em crianças do século feminino e um especialista da época aconselhava as mães a deitarem as suas filhas de ventre no chão para apoiarem o pé nas costas das coitadas quando fossem puxar os cordões do espartilho. (Sabe-se que os espartilhos provocavam deformações no corpo, dificuldades em respirar, costelas partidas e podiam levar mesmo à morte). As mangas também aumentaram de volume naquilo que parecia ser um retorno ao Renascimento. Mas não. As senhoras estavam a ser muito influenciadas pelos romances de Walter Scott de tal forma que se vestiam como as heroínas dos seus livros ou usavam mesmo pequenos apontamentos de padrão escocês na roupa.




Já na década de 30 a saia ficou mais curta, mas mais ampla do que anteriormente a para contrabalançar isso, as mangas também aumentaram de volume. As senhoras usavam chapéus tão grandes que se uma senhora fosse ao teatro com o seu chapéu, quem se sentasse atrás não via nada. E os chapéus não eram simples. Tal como as perucas do século anterior que atingiam cerca de um metro de altura e eram decoradas com flores, plumas, pássaros, e alguns objectos, também os chapéus eram muito decorados e feitos em cores muito berrantes. Os cabelos tinham penteados elaborados com cachos na testa, nas têmporas e um chinó na nuca. Por vezes, numa saída nocturna, as senhoras apanhavam os cabelos no topo da cabeça, naquilo que se chamava "nó de Apolo", e adornavam-no com uma pena ou travessas feitas de tartaruga. Para acompanhar o figurino nocturno, o leque era parte essencial e havia mesmo comunicação entre pessoas através do leque, do lenço, da espada e do chapéu, deixar, usar, tocar nestes acessórios de uma ou outra forma era uma mensagem transmitida à outra pessoa.






Curiosamente, na década de 40 a moda começou a mudar e muito. Houve um retrocesso total na moda feminina. As mangas deixaram de ser amplas como eram e o volume existente que antes se concentrava perto dos ombros, começou a descer nos braços. As saias voltaram a ser compridas e já não era possível deixar os tornozelos à mostra para seduzir o sexo masculino (ohhhhh!!!!). A roupa ficou tão enfadonha que nem se percebe muito bem o que possa ter acontecido, uma vez que esta é a década das grandes inovações tecnológicas e mudanças sociais (Guerra do Ópio, Casamento da Rainha Vitória, os esclavagistas começaram a ficar preocupados até pelo que estava a acontecer no Brasil com a corte portuguesa, ressurgimento dos caminhos de ferro. Até 1848 viveram-se constantes revoluções). Mas as senhoras optaram pelo estilo recatado, senão mesmo, apagado. Continuaram a usar o corpete, mas a mudança mais marcante foi nos adornos para a cabeça. Os grandes chapéus simplesmente foram abandonados e agora ficaram reduzidos ao chamado chapéu boneca que era como um balde de grandes abas, mas não a toda a volta. As mulheres que os usavam de dia e de noite, quase não podiam ser vistas com aquilo na cabeça, excepto se abordadas de frente. Mesmo as cores vivas deram lugar às cores mais escuras como o verde-musgo ou o bordeaux que eram aplicadas tanto nos vestidos quanto nos xailes, que voltaram a estar na moda. Os cabelos também sofreram alterações, passando o cabelo a ser arranjado de forma muito mais simples. Apenas se mantiveram os cachos junto ao rosto.


O mesmo aconteceu com o vestuário masculino que ficou mais sóbrio nessa época: a figura masculina de ombros largos e cinturas muito finas deu lugar a um estilo mais natural, em parte baseado pelo vestuário do campo, em parte pelo vestuário do burguês respeitável. O plastron diminuiu de tamanho mas ainda aconchegava o colarinho ao rosto. Como podemos ver, a cartola continuava a ser usada e os casacos podiam ser de vários tipos: o top coat (mais comprido), o chesterfield (um pouco acintado), o paletot (um casaco mais curto que dava pela cintura) ou mesmo o curricle, pregueado nos ombros e indicado para conduzir uma carruagem ou carroça.





Como podemos ver, era uma sociedade sem brilho. As qualidades mais apreciadas numa mulher eram a tranquilidade, a delicadeza e mesmo o ar frágil e febril era um indicador de beleza. As mulheres não se queriam rosadas e com carnes como as de Rubens, mas até um pouco pálidas. Daí algumas mulheres beberem vinagre por acharem que isso ajudava. Aliás, a mulher era dada, nesta época, a um achaque de vez em quando, para fazer feliz o seu marido. É que para o homem o símbolo máximo de felicidade e estatuto social era estar casado com uma mulher que bordasse, fosse séria, devota, delicada e uma boa presença e que não fizesse nada pois isso significava que ele trabalhava para a manter. O ócio da esposa era o sinal de estatuto social do esposo. Uma mulher que trabalhasse ou que as suas roupas indicassem que trabalhava estava muito mal vista na sociedade. Falo das roupas pois naquela época o número de anáguas que uma mulher usava era tão grande que tornava impossível qualquer movimento. Por isso, para trabalhar, só mesmo retirando algumas anáguas, o que modificava o traje. Mas nem todas as mulheres concordavam com esta forma de pensar e nem todas as mulheres pretendiam ser uma ociosas donas de casa que nem o mais pequeno movimento fazia. Havia um grupo de mulheres apelidadas de lionnes que eram contra este estado da condição feminina. Gostavam de equitação (desporto que se desenvolveu muito entre as mulheres nesta época, pois era um desporto muito masculino), discutiam política com tanta sabedoria quanto os homens e sabiam, melhor do que os seus criados, manejar a pistola ou o chicote. Eram casadas, bem casadas, bonitas e ricas e não queriam abdicar desse estatuto, mas achavam que as mulheres não tinham de ser bonecas para "fazer sala". Obviamente que uma actividade como a equitação pedia uma mudança no traje, mas as lionnes viram o seu traje masculinizado até à cintura, da cintura para baixo, como lhes estava vedado o uso de calças, elas optaram por montar com vestidos que se arrastavam quando estavam no solo e que quando estavam a montar o cavalo, lhes cobria os pés. Só saíam do cavalo com a ajuda de uma corte de criados. Isto quer dizer que só usa a roupa de montar quem pode e a roupa assume assim a sua influência na identificação do estatuto social. No geral fazia-se o impossível para que as mulheres fossem as mais pequenas possíveis, talvez em homenagem à rainha Vitória que era baixa.