segunda-feira, novembro 24, 2008

- o carteiro -

what to wear VI (1800-1850)
Agora torna-se necessário dividir os séculos a meio e mais tarde a moda será aqui discutida quase década a década. Na continuidade do que tínhamos escrito acerca do século XVIII, o início do século XIX pauta-se por vários aspectos que vão mudar ao longo do século: a França sofre grandes influências da nobreza inglesa no que diz respeito à moda masculina, a moda feminina tem mais variações e possibilidades e o século começa com o corte Império no vestuário feminino e uma estagnação no vestuário masculino que remonta quase ao reinado de Carlos II, excepto nas perucas.
Os vestidos estilo Império, sem cintura, fluídos e deixando os ombros e grande parte do peito à mostra eram tão leves que se achava não pedirem nada em cima. Ou em baixo. Talvez desde os tempos primitivas as mulheres nunca tinham usado tão pouca roupa como no início do século XIX. Em 1850, por exemplo, a moda mudou de tal forma que as mulheres usavam dez vezes mais roupa do que em 1800. E mais uma vez, incompreensivelmente, usavam aquelas roupas fizesse calor ou frio (com algumas cedências no tempo frio), mas a meu ver, não as suficientes para o Inverno Europeu. É também por esta altura que a situação da supremacia inglesa perante a Inglaterra se inverte e passa a ser a Inglaterra a imitar o estilo francês.


O vestido fluído chegava até aos calcanhares, mas era feito de um tecido muito fino e o peito ficava completamente desprotegido. Nota-se que os vestidos têm claras influências do classicismo grego, mas ao mesmo tempo os rufos voltam, desta vez moderados, como se fossem coleiras e levemente tufados. As senhoras passam a usar o xaile que ao princípio vinha de Caxemira, mas com a guerra com a Inglaterra, as importações tornaram-se impossíveis e a França arranjou maneira de produzir os seus próprios xailes. O xaile era peça-chave de qualquer senhora que se prezasse. Era o chamado "must have".



Quando Napoleão fez a expedição até ao Egipto vivia-se o Romantismo na Arte e toda a sociedade tinha sede por coisas exóticas: notícias de países longínquos, plantas e animais estranhos, costumes de culturas diferentes, etc, tudo isso foi absorvido com avidez pelos Franceses. Com o Egipto no curriculum Napoleão fez renascer no gosto francês a moda dos turbantes e de tudo o que fosse exótico e oriental. Podemos dizer que a influencia clássica durou três anos no século XIX e a influência oriental durou outros três. As mulheres queriam-se com feições invulgares, cabelos negros e um toque apimentado. Quando finalmente a Paz de Amiens surtiu efeito, as mulheres inglesas foram a Paris e aí notaram que as modas divergiam: as francesas continuavam a usar os vestidos brancos, mas no findo, em vez do vestido cair em linha recta, abria ligeiramente. Os vestidos ingleses por seu lado começavam a aderir ao estilo romântico e as mangas passaram a ser em balão e com aberturas; ou seja, com elementos que nos remetem para o reinado de Elizabeth I. Foi por esta altura que as inglesas começaram a aproximar os seus trajes do vestuário francês.


Isto em relação ao vestuário feminino, porque no vestuário masculino aconteceu o contrário. Se a moda inglesa masculina já era uma realidade no fim dó século XVIII, no início do século XIX ela é adoptada como lei e seguida à risca. A vantagem no uso do traje inglês está no tipo de tecido usado; ou seja, a caxemira. A caxemira tinha a mais valia, face aos outros tecidos ricos, de poder ser esticada e moldada ao corpo. É este o princípio do dandismo pois dandy não era aquele que se vestia de forma extravagante, mas cujas roupas estavam sempre impecáveis. Se virmos a roupa de um dandy, esta não ostenta bordados nem cores extravagantes. Há um aprumo na roupa do dandy principalmente perto do pescoço que se traduzia por levantar as pontas do colarinho da camisa e apontá-las para o rosto. Esta posição era auxiliada por um lenço que mais não era que uma longa tira de tecido chamada plastron. Mas também havia quem usasse o stock que mais não era que uma "coleira" rígida que não permitia grandes movimentos de cabeça, como virar a cabeça em direcção a quem falava ou baixar a cabeça para cumprimentar alguém. Por isso os dandies passavam por arrogantes quando na verdade faziam sacrifícios em nome da vaidade. Sabe Deus o que aquilo devia doer! Primeiro usou-se o casaco e cartola ingleses, mas mantinham-se os calções e as meias. Mais tarde, o calção desce (continuando a ter a cintura muito subida), até ao tornozelo, deixando a meia à mostra. O casaco era quase sempre azul-escuro, mas o colete e os calções podiam ter outras cores. A gola usava-se alta na nuca e era feita de veludo, os coletes eram curtos e ficavam cerca de 5cm acima do casaco que apertava à frente, mas dava pela cintura na frente e abaixo dos joelhos nas costas. No colete os botões de cima ficavam por abotoar para que se visse a renda da camisa. De dia usavam-se os calções justos com as botas por cima e à noite, para alguns eventos, preferia-se os calções, as meias de seda e os escarpins. As cartolas eram usadas sempre, bem como as bengalas em substituição da espada, mas existia um tipo de cartola para o dia e para a noite preferia-se o bicorne (como o tricórnio mas só com duas abas, ficando em forma de rissol. Era melhor do que a cartola ou o tricórnio porque podia meter-se o chapéu debaixo do braço). O cabelo usava-se curto e revolto tipo "Titus Imperador".








Tal como aconteceu com os macarrónicos, nos anos 20 do século XIX a moda foi levada ao extremo e as roupas dos dandies começaram a ser ainda mais excêntricas. Os melhores exemplos acerca dessa moda chegam-nos pela mão dos caricaturistas que mostravam no seu trabalho cartolas muito altas e ligeiramente mais largas em cima do que perto da aba, as extremidades dos colarinhos chegavam aos olhos, o stock tornou-se mais alto e mais apertado e as calças muito inchadas para tornear artificialmente a perna. P.S.- Os senhores usavam espartilho. É verdade...

Foi por esta altura que as roupas femininas sofreram algumas alterações: a cintura que era subida até ao peito baixou para o local natural e foi mais apertada ainda. As mulheres regressaram aos espartilhos e por consequência, cintura mais fina, saias mais volumosas. O espartilho era mesmo utilizado em crianças do século feminino e um especialista da época aconselhava as mães a deitarem as suas filhas de ventre no chão para apoiarem o pé nas costas das coitadas quando fossem puxar os cordões do espartilho. (Sabe-se que os espartilhos provocavam deformações no corpo, dificuldades em respirar, costelas partidas e podiam levar mesmo à morte). As mangas também aumentaram de volume naquilo que parecia ser um retorno ao Renascimento. Mas não. As senhoras estavam a ser muito influenciadas pelos romances de Walter Scott de tal forma que se vestiam como as heroínas dos seus livros ou usavam mesmo pequenos apontamentos de padrão escocês na roupa.




Já na década de 30 a saia ficou mais curta, mas mais ampla do que anteriormente a para contrabalançar isso, as mangas também aumentaram de volume. As senhoras usavam chapéus tão grandes que se uma senhora fosse ao teatro com o seu chapéu, quem se sentasse atrás não via nada. E os chapéus não eram simples. Tal como as perucas do século anterior que atingiam cerca de um metro de altura e eram decoradas com flores, plumas, pássaros, e alguns objectos, também os chapéus eram muito decorados e feitos em cores muito berrantes. Os cabelos tinham penteados elaborados com cachos na testa, nas têmporas e um chinó na nuca. Por vezes, numa saída nocturna, as senhoras apanhavam os cabelos no topo da cabeça, naquilo que se chamava "nó de Apolo", e adornavam-no com uma pena ou travessas feitas de tartaruga. Para acompanhar o figurino nocturno, o leque era parte essencial e havia mesmo comunicação entre pessoas através do leque, do lenço, da espada e do chapéu, deixar, usar, tocar nestes acessórios de uma ou outra forma era uma mensagem transmitida à outra pessoa.






Curiosamente, na década de 40 a moda começou a mudar e muito. Houve um retrocesso total na moda feminina. As mangas deixaram de ser amplas como eram e o volume existente que antes se concentrava perto dos ombros, começou a descer nos braços. As saias voltaram a ser compridas e já não era possível deixar os tornozelos à mostra para seduzir o sexo masculino (ohhhhh!!!!). A roupa ficou tão enfadonha que nem se percebe muito bem o que possa ter acontecido, uma vez que esta é a década das grandes inovações tecnológicas e mudanças sociais (Guerra do Ópio, Casamento da Rainha Vitória, os esclavagistas começaram a ficar preocupados até pelo que estava a acontecer no Brasil com a corte portuguesa, ressurgimento dos caminhos de ferro. Até 1848 viveram-se constantes revoluções). Mas as senhoras optaram pelo estilo recatado, senão mesmo, apagado. Continuaram a usar o corpete, mas a mudança mais marcante foi nos adornos para a cabeça. Os grandes chapéus simplesmente foram abandonados e agora ficaram reduzidos ao chamado chapéu boneca que era como um balde de grandes abas, mas não a toda a volta. As mulheres que os usavam de dia e de noite, quase não podiam ser vistas com aquilo na cabeça, excepto se abordadas de frente. Mesmo as cores vivas deram lugar às cores mais escuras como o verde-musgo ou o bordeaux que eram aplicadas tanto nos vestidos quanto nos xailes, que voltaram a estar na moda. Os cabelos também sofreram alterações, passando o cabelo a ser arranjado de forma muito mais simples. Apenas se mantiveram os cachos junto ao rosto.


O mesmo aconteceu com o vestuário masculino que ficou mais sóbrio nessa época: a figura masculina de ombros largos e cinturas muito finas deu lugar a um estilo mais natural, em parte baseado pelo vestuário do campo, em parte pelo vestuário do burguês respeitável. O plastron diminuiu de tamanho mas ainda aconchegava o colarinho ao rosto. Como podemos ver, a cartola continuava a ser usada e os casacos podiam ser de vários tipos: o top coat (mais comprido), o chesterfield (um pouco acintado), o paletot (um casaco mais curto que dava pela cintura) ou mesmo o curricle, pregueado nos ombros e indicado para conduzir uma carruagem ou carroça.





Como podemos ver, era uma sociedade sem brilho. As qualidades mais apreciadas numa mulher eram a tranquilidade, a delicadeza e mesmo o ar frágil e febril era um indicador de beleza. As mulheres não se queriam rosadas e com carnes como as de Rubens, mas até um pouco pálidas. Daí algumas mulheres beberem vinagre por acharem que isso ajudava. Aliás, a mulher era dada, nesta época, a um achaque de vez em quando, para fazer feliz o seu marido. É que para o homem o símbolo máximo de felicidade e estatuto social era estar casado com uma mulher que bordasse, fosse séria, devota, delicada e uma boa presença e que não fizesse nada pois isso significava que ele trabalhava para a manter. O ócio da esposa era o sinal de estatuto social do esposo. Uma mulher que trabalhasse ou que as suas roupas indicassem que trabalhava estava muito mal vista na sociedade. Falo das roupas pois naquela época o número de anáguas que uma mulher usava era tão grande que tornava impossível qualquer movimento. Por isso, para trabalhar, só mesmo retirando algumas anáguas, o que modificava o traje. Mas nem todas as mulheres concordavam com esta forma de pensar e nem todas as mulheres pretendiam ser uma ociosas donas de casa que nem o mais pequeno movimento fazia. Havia um grupo de mulheres apelidadas de lionnes que eram contra este estado da condição feminina. Gostavam de equitação (desporto que se desenvolveu muito entre as mulheres nesta época, pois era um desporto muito masculino), discutiam política com tanta sabedoria quanto os homens e sabiam, melhor do que os seus criados, manejar a pistola ou o chicote. Eram casadas, bem casadas, bonitas e ricas e não queriam abdicar desse estatuto, mas achavam que as mulheres não tinham de ser bonecas para "fazer sala". Obviamente que uma actividade como a equitação pedia uma mudança no traje, mas as lionnes viram o seu traje masculinizado até à cintura, da cintura para baixo, como lhes estava vedado o uso de calças, elas optaram por montar com vestidos que se arrastavam quando estavam no solo e que quando estavam a montar o cavalo, lhes cobria os pés. Só saíam do cavalo com a ajuda de uma corte de criados. Isto quer dizer que só usa a roupa de montar quem pode e a roupa assume assim a sua influência na identificação do estatuto social. No geral fazia-se o impossível para que as mulheres fossem as mais pequenas possíveis, talvez em homenagem à rainha Vitória que era baixa.


2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Obrigada Beluga !
vai-se o macarrónico entra o dandy !
xailes sim , chapéus touca não ...

25/11/08 12:44 da tarde  
Blogger Belogue said...

nem me lembro bem o que gostei mais: do dandy com o colarinho de castidade, espartilhos e mais espartilhos (o que eu gosto de espartilhos) e aquela coisa que houve desde sempre - não se podia ver um tornozelo, mas um peito quase todo de fora, não havia problema. se calhar agora é que somos "caretas" (detesto esta expressão)

27/11/08 11:30 da tarde  

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