sexta-feira, novembro 28, 2008

- carteiro -

No seguimento do seu comentário, eis a minha resposta, mas devo dizer-lhe que nunca será, nem foi mesmo antes de ler o artigo, vinda de uma atitude imparcial. Quando li o pequeno desafio, fiquei mal impressionada; ou seja, as citações que me apresentou eram tão rebuscadas que não faziam sentido e por isso, parti do princípio que o artigo do suplemento Ípsilon do Público de sexta-feira, 21 de Novembro, bem como o artista e a sua obra não deviam ser levados a sério.

Quando li, tenho que reconhecer que quase fiquei convencida que Christopher Wool era afinal muito dotado. Não só pela forma como o artigo está escrito que dissuade o espírito crítico de qualquer pessoa que não tenha o mínimo conhecimento de arte (e esta atitude de superioridade do crítico face ao público é bastante comum), mas também pelos inúmeros encómios que desarmam quem não viu a exposição. O objectivo é que este tipo de artigos – especialmente este que foi escrito quando a exposição ainda não tinha sido inaugurada – aguce a curiosidade de quem os lê para uma visita à exposição. Dizer que é bom só, não chega, mas dizer que é excelente porque pelo meio surgem uma série de nomes com os quais Wool é associado, é insultuoso.
Por isso li o texto novamente, sem preconceitos e eis que cheguei à mesma conclusão: algo não se torna bom porque dizemos que é bom; o estilo elogioso e subserviente que os críticos utilizam para classificar uma exposição que já parece de si (mal) validada pelas instituições que a representam, só nos faz acreditar que os artistas de hoje são o resultado de um casting “Morangos com Açúcar”. O valor (monetário e artístico) de Wool é muito inflacionado pelos nomes a que está associado, mas isso não faz desta exposição, uma exposição a ser vista; ou pelo menos não faz deste texto um texto que nos dê vontade de ver a exposição.

Eis algumas incongruências que mostram que nem Christopher Wool é o artista que parece ser, nem a sua obra merece ser comentada num tom tão elogioso, nem o artigo foi escrito imparcialmente. Quando se fala de “intensidade urbana traduzida em arte”, a propósito de uma fotografia que capta uma parede onde Wool escreveu Direct Action/ gets the goods” e que de resto, posso dizê-lo aqui sem qualquer problema, é fraca, não mostra nenhuma intensidade urbana. O graffiti, de que o texto também fala, já fez isso e de forma muito mais incisiva e premente que Wool. Quando se diz que Wool “se apropria, por exemplo, da linguagem do graffiti para contaminar, sujando mesmo, a tradição – seja ela proveniente do expressionismo abstracto ou da pop…”, temos que nos lembrar que Cristopher Wool não é um pioneiro e que esta leitura do “sujar” e “contaminar” vista como algo de bom não expressa mais do que a opinião do crítico e não aquilo que é na realidade. Porque um outro crítico pode achar que Wool suja e contamina a tradição como algo de muito negativo, uma vez que artistas como Morris Lewis, Kenneth Noland ou Barnett Newman já o fizeram com mais legitimidade (ordenaram o caos na pintura abstracta, o que não deixa de ser uma subversão). Esta frase é aquilo que se chama um “nem coisa nem sai de cima”, porque não assume Wool como neo-neo-expressionista, nem como um neo-pop, ou como um expressionista contemporâneo ou um pop-contemporâneo, mas deixa sub entendido que ele é um percursor. A “contaste negação”, o “contínuo fazer e desfazer” referido por Ulrich Loock são uma antítese: a constante negação é o niilismo, o fazer e desfazer é o tapete de Penélope que adiava o dia em que tinha de escolher um pretendente para substituir na cama o seu marido Ulisses. Pior ainda é a “sobreposição de camadas” que não é nem niilismo, nem adiamento, mas construção. Por isso não se pode falar de “Falhar, começar de novo”, quando nenhum das três expressões é hegeliana a esse ponto.

A “permanente desconfiança de Wool perante as grandes narrativas da história da arte”, mostra, tal como Picasso dizia, que Wool é como um ‘cão que ladra à caravana errada’, pois um artista já devia saber que não há grandes narrativas na história da arte, nem na história. Que pelo menos na arte tudo se conta através de pequenos passos que fazem o todo e quanto mais o tempo passa, mais a memória se vai desvanecendo. Até na nossa própria história, isto porque só captamos o que nos interessa. Mas não é por causa da desconfiança que Wool “safa, deteriora a superfície de cada obra”. Ele fá-lo, porque… não tem destino. Porque não sabe quando acaba a obra.

Há também referência às expressões escritas por Wool e lê-se o seguinte: “surge com a frase ‘you make me_’ escrita no peito, o pintor irá realizar uma das suas obras com palavras, sobrepondo exactamente as escritas pelo músico e deixando um espaço em branco por baixo, correspondente ao traço inferior que nos convida ao preenchimento.” Ora então dê-se o estatuto de obra de arte às portas das casas de banho de estações, escolas e centros comerciais, à parede daquela capela no Norte de Espanha, coberta de conchas e onde cada concha está rabiscada por um turista e aproveite-se a leva e queime-se o quadro de Magritte “A traição das imagens” ou as obras de todos os artistas conceptuais.

Há, nos trabalhos com palavras, pelo menos nos citados, resultados positivos embora não excelentes. São poesia visual desencantada quando lhe tiramos o “visual” e já vista (Alberto Pimenta, Graham Gussin, a nossa Jenny Holzer, E. Melo e Castro, Barbara Kruger). Diz-se mais à frente que “a própria prática conduz a um número crescente de elementos pictóricos”. Eu traduziria isto em duas palavras: Jackson Pollock, o tal expressionista abstracto cuja arte Wool sujava admiravelmente.

O último comentário que o texto me sugere é que com comentários assim - e quem sou que só “toco de ouvido” – não admira que o país continue a dividir a arte em arte para elites e arte pimba. Aquilo que não percebes ou que não te sugerir nada, é bom. Aquilo que tu gostas, mas não se inscreve no novo feio, é mau.

5 Comments:

Blogger AM said...

isto não é uma posta
isto é um blogue no melhor que a blogosfera tem para oferecer
não há maneira de fazer chegar isto ao Wool e ao autor (vou rever quem foi) do artigo do jornal?
arrasou!

28/11/08 9:41 da tarde  
Blogger AM said...

http://wool735.com/cw/home/

28/11/08 10:29 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Admirável!

28/11/08 11:53 da tarde  
Blogger Belogue said...

CAro AM:
não me elogie o post virtualmente que ele cora e depois é um problema. quanto ao autor do texto, òscar Faria. Honestamente, eu não sou pessoa para isto.

Cara Maria:
Um mundo novo, não é?

29/11/08 1:19 da manhã  
Blogger BadToTheBone said...

Não poderia estar mais de acordo!!!
Brilhante!

12/12/08 11:13 da tarde  

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