sexta-feira, agosto 29, 2008

- ars longa, vita brevis -
hipócrates

antes e depois ou "como isto hoje era quase um carteiro. Estes dois quadros contam histórias diferentes e aparentemente não há relação entre eles. O antes – assim determinado por causa da data – conta a história de Sansão e Dalila. Quando a pintou Rubens tinha acabado de chegar de Itália, para nunca mais lá voltar e tinha também conseguido o título de pintor da corte em Antuérpia. Foi para um dos seus patronos e mecenas, Nicolaas Rockocx, que Rubens pintou Sansão e Dalila e bem calculado em termos de proporções e de efeito perspético, uma vez que o quadro de quase 2 metros de altura e de comprimento e tinha de ter um bom ponto de vista. A cama de Dalila é atirada para primeiro plano enquanto a porta e a parede do quarto são projectados para trás, juntamente com os oficiais que ali chegam. Toda a zona a negro do fundo, cria a ilusão de espaço e tempo entre a porta e Dalila. Há três pontos de luz estratégicos: uma vela ou tocha que os oficiais têm consigo, uma vela no fundo da pintura, atrás de Sansão e Dalila e uma luz, talvez de uma lareira, vinda do lado esquerdo da pintura e que permite iluminar apenas o que é importante no quadro. Fica em luz o pescoço muito alvo de Dalila, o seu cabelo muito loiro, a pele, o branco do seu corpete, as suas vestes encarnadas e o tapete oriental. Graças à iluminação o tom de pele de Sansão já trigueiro fica com um tom amarelado. A história de Sansão e Dalila é uma história bíblica (Juízes 16; 4-6 e 16-21). Sansão era um influente político israelita numa altura em que Israel estava a ser dominada pelos filisteus. Quando nasceu, Sansão foi abençoado por Deus com uma força extraordinária, que vinha dos seus cabelos e por isso foi advertido que nunca deveria cortá-los. Estava constantemente a entrar em tricas com os filisteus, matou muitos, destruiu as suas casas e colheitas, mas estes ocupavam a sua terra. Um dia Sansão apaixonou-se por Dalila (já tinha sido casado uma vez), uma mulher filistina que foi instigada e subornada para descobrir o segredo da força de Sansão. Por três vezes ela perguntou-lhe isso mesmo e por três vezes ele inventou histórias. Até que cansado e antes de adormecer numa noite, contou-lhe a verdade. Um cúmplice de Dalila ouviu e nessa noite enquanto Sansão dormia cortou-lhe o cabelo. Impotente, Sansão deixou-se capturar e cegar. Enquanto todos festejavam, esqueceram-se porém que o cabelo volta a crescer e Sansão deixou o tempo passar. No momento certo puxou as correntes que o amarravam ao templo e fê-lo desabar. Como podemos ver havia mais histórias para pintar sobre Sansão, mas os pintores geralmente preferem esta devido à carga erótica que a mesma tem e por abordar o tema da perfídia feminina que lhes era tão caro. A cena tem algumas referências clássicas: a pose de Dalila foi retirada de Leda e a Noite de Miguel Ângelo e na sala encontra-se uma estátua de Vénus e o Cupido (o amor sensual). A introdução da velha na cena é própria da pintura do Norte da Europa já que a passagem bíblica não fala dela. Mas a mulher idosa simboliza aquilo que um dia Dalila, em toda a sua beleza, virá a ser.
Já aqui tínhamos falado da “Caridade Romana” quando falámos das sete obras de misericórdia. Uma dessas sete é “dar de comer a quem tem fome e dar de beber a quem tem sede”. Conta a história de uma filha de seu nome Pêro (não encontro tradução) que às escondidas de todos amamenta o seu pai encarcerado e condenado a morrer à fome. Pêro é descoberta por um guarda, mas o seu acto é tão altruísta que este releva e o seu pai é libertado. (Eu bem sei que é uma analogia, mas a história é muito estranha):"

Pieter Pauwel Rubens
Samson and Delilah
c. 1609
National Gallery, Londres


Pieter Pauwel Rubens
Roman Charity
c. 1612
Collection of Count Cobenzl

Aparentemente e até aqui, nada em comum, não é? Pois, já estão a pensar que vos estou a enganar, mas não. Descobri neste site que apresenta as imagens ampliadas e por isso permite-nos fazer a comparação, que para além da posição dos dois casais ser muito semelhante, há pormenores que só poderiam ter sido pintados pelo mesmo pintor. Veja-se a cabeça de Pero e a cabeça de Dalila. Com iluminações diferentes ambas se apresentam de perfil e no rosto a mesma expressão. A técnica é semelhante embora eu prefira o trabalho da cabeça de Dalila. Quanto à luz, digamos que em Dalila é simples, ela é iluminada por trás, enquanto em Pero é mais complexa pois a cena desenrola-se quase na obscuridade.






No que diz respeito ao peito (nunca percebi que peitos eram estes em forma de pêra), não estão exactamente na mesma posição nos dois quadros. No quadro Sansão e Dalila o peito desta aparece de frente, mas ou porque a técnica de Rubens ainda não estivesse apurada, ou por falta de peitos melhores, Dalila parece ter três seios. Dois mamilos, mas três seios. O peito está muito rígido em comparação com o peito de Pero que apesar de não abandonar a forma em pêra, é mais “apalpável”, digamos assim. Há um outro pormenor nestes quatro seios. Nos mamilos de Dalila não há ligação entre o mamilo e o peito, enquanto no peito de Pero se nota a curva que existe na ligação entre mamilo e peito.




Por fim a mão. A mão de Dalila está muito fraca, muito mal pintada. Parece, assim de perto, um daqueles quadros comprados nas feiras. Há um esfumado ridículo entre a mão e as costas de Sansão e as costas assemelham-se mais a um tecido do que a carne, músculos e ossos. A mão de Pero por seu lado, repousa da mesma forma, mas é muito mais convincente: nota-se que está a acariciar um ombro. E mesmo que estivesse pousada sobre as costas do pai, a cor ajudaria a perceber isso. Sansão não beneficia nada com aquela luz.