sexta-feira, fevereiro 15, 2008

- ars longa vita brevis -
hipócrates

Dizem que atrás de um grande homem está sempre uma grande mulher. Talvez este não seja o caso para dizer que por trás do sucesso de Marcel Duchamp esteve o seu precocemente perdido irmão, Raymond Duchamp-Villon. Antes de Marcel pensar no urinol que o celebrizou, o irmão Raymond esculpiu “O cavalo”, uma obra que vem revolucionar a estatuária equestre, ou pelo menos vem colocá-la em causa. Porque até aí a estatuária e a pintura que envolviam cavalos e cavaleiros eram estáticas. Raymond faz a introdução futurista da máquina e substitui a força e a velocidade pela técnica e pelo vapor. Cavalo e cavaleiro são um só, fundem-se e os membros de ambos funcionam como baterias, cambotas, rodas dentadas tão apreciadas pelos Futuristas. Raymond porém não pôde dar continuidade ao seu trabalho uma vez que morreu na Primeira Guerra Mundial. Sucedeu-lhe o irmão mais novo, Marcel, aquele que verdadeiramente conhecemos.

Raymond Duchamp-Villon
Large Horse
1914

Isto vem a propósito de uma exposição na Tate Modern em Londres que tem como título “Duchamp, Man Ray, Picabia”. Marcel foi movido por várias influências: o xadrez (passatempo familiar que lhe permitia fazer a ponte entre o jogo físico e os esquemas mentais), as escadas em caracol (já Degas havia pintado umas), e por fim, o nicho do mundo sexual. Foi também enclausurado entre o Futurismo e o Cubismo, mas a sua arte, mesmo os seus primeiros quadros mostram a necessidade de libertação dessas amarras. O “Nu descendo escada” não é cubista embora possa parecer até pelas suas semelhanças com os quadros de Picasso e Braques: as perspectivas no mesmo lugar da tela, sobrepostas… Mas Duchamp fez da sua figura, uma figura menos diluída ao contrário do que tinha feito Degas, por exemplo. Ao mesmo tempo revivia-se o espírito dos desenhos de máquinas de Leonardo da Vinci e daí o facto do “Nu descendo escada” de Marcel Duchamp ter ficado entre um movimento e outro. Marcel não se ficou pela pintura pura, embora a sua não fosse propriamente fácil de classificar. A pintura sofre inúmeras combinações: a pintura com a construção industrial, a construção industrial com a fisiologia, da ergonomia com o artesanato, com o objecto feito na hora. E foi aqui que surgiram os ready-mades. O objecto de uso, o objecto com uso é re-contextualizado e passa a ser um mobile, um objecto sem função, um objecto com dupla função, enfim, um ready-made. Marcel percebe, ao contrário dos futuristas, que a máquina desvirtuou o trabalho artístico (assim como o perceberam os manifestantes do Maio de 68 relativamente à produção intelectual da época). Tenta assim recuperá-la através da sua “anti-arte”, da recuperação de outros domínios um pouco negligenciados como o domínio da criatividade. O “Nu descendo escada” de Duchamp foi o quadro que ocupou o lugar central do Armory Show em Nova Iorque, 1913 e foi igualmente o quadro que mostrou Marcel à Arte Americana, que a influenciou e que fez com que o artista se fosse tomado como americano, isto no mesmo sentido em que Picasso foi francês durante um período da sua vida. Mas ao contrário de Picasso que pinta ininterruptamente, Duchamp vê nisso apenas a repetição estéril.

Marcel Duchamp
Nu descendo uma escada nº2
1912

Museum of Art, Filadéfia

1 Comments:

Blogger João Barbosa said...

quando vejo este quadro lembro-me sempre da professora de liceu que apelidava os futuristas de fascistas e, por outras razões, as aulas de história de arte na faculdade (não conto)

15/2/08 11:53 da manhã  

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