sexta-feira, fevereiro 22, 2008

- ars longa, vita brevis -
hipócrates
Se o século XVIII foi pródigo em grandes temas, em encomendas megalómanas e pintura emblemáticas, a verdade é que permitiu que a pintura ficasse acessível a um número maior de pessoas. Quem não era um grande mecenas ou não cultivava o gosto pelo retrato, podia sempre escolher e apreciar pinturas menores em dimensão e de carácter mais consensual. Digamos que quem era nobre, fazia as grandes encomendas e quem era filho ilegítimo de um nobre fazia este tipo de encomendas, as encomendas de paisagens. É neste âmbito e cenário que o paisagismo ganha força. É também devido ao gosto crescente pelas viagens, aliás, é nesta altura que nasce o nome “turismo”, embora alguma literatura o descreva como um turismo de luxo e sem riscos. São no fundo as “grand-tours”. Os destinos escolhidos são as grandes cidades, as cidades da Europa com vestígios da Antiguidade como a Itália ou com qualquer coisa de exótico, já numa antevisão do Romantismo que foi até mais longe neste gosto pelo exotismo, reservando mesmo uma parte da sua história para o Orientalismo. Londres por exemplo foi uma cidade muito retratada, Turner pintou incessantemente o nevoeiro londrino, mas a cidade que permite o retrato fiel tanto da arquitectura como da vida social rica e sob uma luz privilegiada é Veneza. Chega a existir uma especialização dos pintores nesta área, fazendo estes uma pintura de atelier que reflectia a visão da cidade sob o ponto de vista dos turistas; ou seja as chamadas “vedute”. O mais conhecido dos pintores que perpetuaram Veneza foi Canaletto, decerto influenciado por alguma pintura flamenga e pela descoberta nas pinturas italianas das vantagens do uso da perspectiva. Canaletto explorou este último aspecto até ao limite, uma vez que as cidades, pelo pavimento, pelos edifícios e pela criação de espaços abertos como praças permitem a construção de paisagens perspectivadas intensas. Canaletto fez uso das técnicas da altura, como a pintura através de espelhos que lhe permitia congelar a imagem e outra técnica que fazia com que o pintor tivesse uma imagem de 360º, uma vista panorâmica completa para estudar. Outro dos aspectos da pintura de Canaletto (Canaletto porque o seu nome era António Canal) é a luz que não é igual em mais nenhuma cidade nem estilo. A arquitectura é pintada com grande pormenor, ou pelo menos com o pormenor necessário à criação das linhas de perspectiva. Já as figuras humanas, que ocupam um lugar ínfimo dentro das grandes paisagens, como se ficassem esmagadas pelas catedrais e praças e torres, são delineadas por pinceladas rápidas. No entanto não são menos importantes. O que seria da praça de São Marcos ou outras vistas sem a presença de pessoas que acentuam a monumentalidade do que é pintado?
Neste quadro de Canaletto, um dos mais conhecidos, o pintor usou dois pontos de fuga o que torna o quadro muito mais dinâmico. Veja-se em comparação com o exemplo de baixo. Com dois pontos de fuga Canaletto consegue sugerir outra parte da fachada e a animação para além dos limites do quadro. O edifício da esquerda está todo ele orientado para a direita, mas é cortado nesse lado esquerdo. No entanto a sensação de movimento não é ceifada pelos limites naturais do quadro, uma vez que no chão as linhas do pavimento apontam para o lado esquerdo.
Canaletto
Piazza San Marco: Looking South-East
1735-40
National Gallery of Art, Washington
Neste quadro, facilmente identificamos o ponto de fuga, na linho do horizonte, no mar, ao lado do barco branco (ok, não conseguem ver). Aqui não existe qualquer erro: tudo converge para esse ponto e por isso a composiçãonão suscita expectativa, uma vez que a acção, segundo aquilo que nos é dado a ver, decorre toda ali. Aliás, o número de pessoas aumenta à medida que se caminha para o cais.
E posto isto, vou recordar as fotografias da ida a Veneza.

Canaletto
Piazza San Marco