sexta-feira, novembro 30, 2007

- o carteiro -
Esta semana muito se falou sobre casamentos aqui no Belogue. Primeiro com o casamento da Virgem de Perugino e de Rafael e depois com as Anunciações. (Bem sei que uma coisa não vem sempre atrás da outra e ás vezes nem vem). A minha experiência dentro dos casamentos fica-se pelas entradas; ou seja, quando chego à mesa já vou cansada demais para comer. E a comida de casamento é sempre igual (creme de marisco, lombinhos de vitela com puré de batata e esparregado e filetes de pescada à marinheiro. É sempre isto, garanto!), as noivas estão sempre a chorar ou de um lado para o outro a orientar coisas que já estão orientadas (vem no preço, sabem?), as pessoas apanham intoxicações alimentares, as mesas são aborrecidas (será que ninguém nunca pensou em não escolher lugares para outros?) e tudo se atrasa tanto que os casamentos às vezes parecem festas ciganas. Penso até que a festa em si dura mais que certos casamentos. E depois há o problema: nunca brilhar mais do que a noiva, o que não é difícil acontecer.

Dizem que todas as mulheres sonham casar. Eu sonhei uma vez: era Inverno, eu estava de calças de ganga e sandálias e fui ao registo civil casar à hora de almoço. Depois acordei e fui tomar o pequeno-almoço. Assim de olhos abertos e que eu me lembre... não. Mas interesso-me pela história do casamento, pela razão de terem mudado tanto ao longo dos tempos, tendo em conta que é uma tradição avessa a mudanças. Nos funerais não há modas, o cortejo fúnebre não mudou em nada desde que morre gente. Mas os casamentos nem sempre foram assim tão maus. Houve mesmo uma altura em que eram divertidos e todo o cerimonial era diferente. É claro que há variáveis: condição social, época, classe social... No geral, nos casamentos não havia amor. Como sabemos as pessoas podiam casar aos 15 anos sem nunca se terem visto antes. Também ninguém vestia branco: vestia-se a melhor roupa, mas geralmente era o azul ou o rosa, porque como as pessoas eram tão jovens para casar, as cores deveriam acompanhar a idade. As flores não eram obrigatórias e eram levadas em cesto e não na mão. Toda a gente usava luvas, havia um bolo de noiva que deveria dar uma fatia para cada pessoa e as roupas de baixo multiplicavam-se.
Cores
O uso do branco nos vestidos de noiva é uma tradição recente, do século XIX e que deverá ter origem no casamento da rainha Vitória que vestiu branco e que levou várias damas de honor também de branco. Isto criou uma moda que sucumbia a outras modas e às vicissitudes da época. Com a segunda Guerra Mundial certos pigmentos eram mais difíceis de obter, o que levou a que certas cores de vestidos de noiva tivessem de ser “suspensas”. Os tecidos aplicados eram mais fracos, ou menos ricos, mas não era isso que impedia ninguém de casar. As viúvas recentes, por exemplo, deviam casar de cinzento. Hoje, uma viúva recente que casasse teria outro nome. No fundo, os vestidos de noiva, à excepção dos vestidos de noiva reais, eram adaptações para um dia especial de vestidos do dia-a-dia.

Anthony Van Dyck
Mary and William II of Orange
1642
Rijksmuseum, Amesterdão


A festa
Hoje à cerimónia religiosa segue-se à festa, a boda (nome que detesto!) e que geralmente engloba um jantar ou um almoço. Antes, os convidados esperavam a noiva para o pequeno-almoço de casamento. Era às 11 da manhã em ponto e daí seguia-se para a cerimónia religiosa. Após isso, comia-se o bolo e bebia-se vinho em casa da noiva e mais tarde, às 3 da tarde almoçava-se. Havia um ritual que hoje deve ter sido substituído por uma parvoíce qualquer, embora este ritual em si fosse um bocado aparvalhado. Fazia parte da tradição passar um bocado de bolo pelo buraco da aliança. Não sei porquê, deve ser com dar um beijo debaixo da ponte dos suspiros em Veneza. Só que a ponte dos suspiros não tem nada de “romântica” (entre aspas porque não sei o que é que esta palavra quer dizer). No fundo separa o tribunal da cadeia e os prisioneiros ao passarem por lá suspiravam. Isto não parece ter nada a ver com romance, mas enfim...
Os cabelos
A tradição diz que as mulheres que se faziam pintar com cabelo solto eram virgens. E para um casamento católico fazia sentido que as noivas levassem o cabelo solto. Mas não. Quer dizer, não sei se eram virgens, mas a moda da época sobrepunha-se ao orgulho da virgindade; ou seja, a maioria das mulheres levava o cabelo apanhado, com véu, flores (jóias caso a família fosse disso) e em alguns casos uma espécie de chapéu em renda, um toucado. Charlotte Brontë levou os dois, mas não teve grande sorte se era isso que pretendia: morreu no ano seguinte!
Flores
Quanto às flores a tradição foi mudando e muito. Houve uma época em que a noiva levava um bouquet oferecido pelo noivo, mais tarde a noiva não levava bouquet na mão, mas como referido, um cesto ou vários de flores que estavam na carruagem, ao longo do caminho até ao local da cerimónia, mas com um denominador comum: as flores eram em todas as ocasiões, flores brancas.
O Bolo de casamento
Os sabores preferidos eram a amêndoa e a cobertura era a enjoativa icing sugar. Os bolos de noiva não eram decorados com elementos em açúcar. Eram decorados com flores, fitas, folhas e pérolas (para quem pudesse). E no topo do bolo não se colocava o casalzinho abraçado, mas crianças ou anjos. Este elemento decorativo deveria ser utilizado posteriormente no baptismo dos filhos do casal.
O fotógrafo
As fotografias de casamento são uma versão mais cara, cansativa e capaz de provocar mais lágrimas femininas em caso de ruptura, do que a pintura. É que a pintura era só uma, geralmente da cerimónia religiosa ou dos noivos depois de casados. Mas a fotografia, confesso, é muito boa para recordar os momentos não captados pelo fotógrafo. Antes, só as famílias ricas ou reais (que não era a mesma coisa antes e agora muito menos) é que podiam usufruir dos serviços de um pintor neste tipo de cerimónias. Com a chegada da fotografia, mais casais puderam usar este serviço, mas no início não estava ao alcance de todas as bolsas.
Roupa interior
Hoje em dia diz-se que uma noiva deve usar “uma coisa nova, uma coisa dada, uma coisa emprestada e uma coisa azul”. A coisa azul geralmente é interior (eu não estimo muito o azul para roupa interior): uma liga, um fita... quando a noiva perde a cabeça, tudo é azul... Ao início a roupa interior era uma maneira de manter as formas femininas e hegemonizá-las segundo a moda da época. Os corpos tinham de estar espartilhados e não soltos. O espartilho não era objecto de desejo para os homens nem uma peça de sedução para as mulheres: servia para elas terem o corpo disciplinado. Quanto mais o vestido revelava (quanto maiores os decotes ou curtas as mangas), menor o apelo da roupa interior. Quando no início do século XIX os Baletts Russes soltaram o corpo da mulher dos espartilhos para que esta pudesse dançar e quando ela mesma fez isso no seu dia-a-dia, a postura tornou-se diferente, as formas femininas também e a saúde melhorou. Foi também nessa altura que surgiu um novo estilo artístico, a Arte Nova.

Paul Poiret

E agora vou fazer uma boda; uma boda pelo post mais comprido do Belogue.

8 Comments:

Blogger João Barbosa said...

Anotações:
1) a mim tem-me calhado o bacalhau à Braz
2) a boda é uma palavra irritante e lembra sempre uma piadola adolescente e ordinareca.
3) gosto de casamentos desde que sejam em locais que não sejam em Lisboa e quintas dos arredores, é que gosto de tomar copos à vontade e não ter de conduzir.

30/11/07 9:53 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

1. com quem casava a beluga no sonho?

2. nos funerais há modas, sim senhor... e de tal maneira que este é um ramo de negócio que floresce...

3. e, já agora, a que época se reportam os usos e costumes referidos?

30/11/07 10:42 da manhã  
Blogger Belogue said...

caro João barbosa:
por acaso não vou a muitos, felizmente porque acho das cerimónias mais hipócritas que existe: casar pela igreja quando não se tem em mente cumprir a leis da igreja, a "bolha" que é o dia (parece que o casamento se resume ao dia em si), toda a gente sorri e só quer ir embora. ou as minhas experiências são muito más... a mim tem sido a ementa referida. e as quintas e as mesas com nomes de flores ou paises e as apresentações em powerpoint em jeito de homenagem da noiva para o noivo ou ao contrário com uma música da ivete sangalo como original soundtrack, a quantidade de comida, de doces, de queijos, mais a mesa dos vinhos, mais a mesa do pão, mas a mesa do camarão que é um exagero. menos, pessoal. me-nos. é só um dia.

Cara ana:
1. não sei. sei que era inverno, estava sol, aquele sol de inverno que não aquece nada, eu estava de calças de ganga skinny (eu sempre sou muito fashion, olha que já sonhei com isto antes das skinny), sandálias e blazer branco e lembro-me de olhar para a porta do registo civil e ver a fotografia de casamento sem mim. estava um homem de fraque (fraque? no registo civil) e pessoas ao lado dele. será que me enganei no casamento?
2- há modas, mas as coisas não mudaram assim muito.
3- são esencialmente aos últimos três séculos na europa. o raio do livro foi um engano.

30/11/07 11:31 da manhã  
Blogger João Barbosa said...

Homem de franque? Não seria um cobrador?

30/11/07 1:25 da tarde  
Blogger AM said...

Tem a certeza que a "moda" de casar de branco não veio de França, do casamento de Napoleão com Josefina?

30/11/07 7:38 da tarde  
Blogger Belogue said...

Caro AM:
não... acho que não vem de França, mas mostre-me o que tem que eu mostro o que tenho. a internet não é muito fiável, mas a minha busca pelas estantes desse país levaram-me sempre à rainha Vitória. Mas se estiver na posse de informação preciosa para desvendar este grande mistério... fale agora ou cale-se para sempre!

alguém? ali atrás? não? então vamos continuar...

1/12/07 1:48 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

" A primeira mulher a se vestir de branco com flores de laranjeira foi Mary Stuart (1542/1587), Rainha da Escócia".

5/5/08 5:27 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

" A primeira mulher a se vestir de branco com flores de laranjeira foi Mary Stuart (1542/1587), Rainha da Escócia".

5/5/08 5:27 da manhã  

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