sexta-feira, julho 27, 2007

- o carteiro -
(hoje com correspondência aborrecida)
A pintura de Overbeck inspirou-se no conto e na pintura de Franz Pforr "Shulamit and Mary". Nesta pintura Pforr separa o mundo Italiano do mundo alemão através da comparação entre o Antigo e o Novo Testamento: Maria, no lado direito da composição representa o Novo Testamento e Sulamita, o Antigo testamento. Sabemos que é maria, não só por comparação com Sulamita, mas também porque sobre ela encontramos um símbolos da crucificação de Cristo (a cruz inscrita num círculo) e um pássaro negro que poderá representar a morte anunciada do filho de Maria. Esta pintura tem semelhanças, no interior, com a de Millais, “Mariana in the Moated Grange”.

Franz Pforr
Shulamit and Maria
1810-11
Private collection

Quanto à Sulamita, que muito tempo me demorou a descobrir quem era, é um pouco o oposto de Maria. Surge no Antigo Testamento no Cântico dos Cânticos que é um poema de oito capítulos em que três personagens principais falam sobre o amor que une os noivos: Salomão (daí o outro nome do "Cântico dos Cânticos" ser “Livro de Salomão”); ou seja, o noivo, Sulamita, a noiva e as filhas de Jerusalém que são de certa forma aias da noiva e descrevem o amor desta pelo noivo. E aqui entra a diferença entre Maria e Sulamita: Sulamita amava o marido enquanto Maria, não sabemos, o amor de Sulamita pelo futuro marido vai evoluindo passando de paixão para companheirismo ao longo do poema, enquanto em relação a Maria e José não há qualquer referência ao tipo de relação que tinham. As descrições do amor entre os dois é muitas vezes tida como demasiado sensual. Já em relação a Maria e José não se fala nem da relação e muito menos em termos que possam indicar alguma sensualidade. Na pintura de Pforr Sulamita surge como uma mulher ligada à natureza e sensual, fazendo justiça às descrições bíblicas: “sai-te pelas pisadas das ovelhas” (Cântico dos Cânticos 1,8), dança em Maanaim (Génesis 32, 2), no seu jardim crescem Mandrágoras perfumadas (Cântico dos Cânticos, 7, 11-13). Mais uma vez e em oposição com o que acontecia com Maria, os símbolos acima de Sulamita são virginais e primaveris até, indicando uma possível boda, com a coroa de flores e um pássaro colorido que olha para a futura esposa de Salomão. Talvez possamos encarar Sulamita como uma antecipação da própria Virgem Maria, mas com uma dose de sensualidade que o Novo Testamento eliminou devido ao seu carácter premonitório da morte e escatológico.

John Millais
Mariana in the Moated Grange
1850-51
Private collection

Enquanto isso, Overbeck elimina a divisão e cria o efeito de irmandade. Por isso também o título mudou cinco anos mais tarde para “Italia e Germania”, aproveitando assim características das duas mulheres bíblicas que o pintor considerou adequarem-se ao tema em questão. O que mudou foram as paisagens, as roupas, as grinaldas. Arriscaria escrever que a personagem da esquerda é a Itália, devido à cor do cabelo, ao traje mais simples e à apisagem que parece ser retirada da Toscana. Já a Alemanha seria a personagem da direita, loira com trajes mais elaborados que confirmam a ideia de um certo Renascimento mediavel alemão também referido em pano de fundo na paisagem, com edifícios que se erguem em direcção ao céu, construções próprias do gótico que em Itália, para além da Catedral de Milão (um espanto de bonita), não teve expressão. O rosto das representantes dos dois países foi pintada consoante a ideia de Overbeck relativamente a cada um deles. Pela data vemos que não se trata de uma pintura do Renascimento Italiano nem Alemão, mas antes de uma pintura próxima dos pré-raphaelitas com os seus temas religiosas retratados com a ortodoxia própria de quem considerava toda a arte pós rafael, arte salubre.

Friedrich Overbeck
Italia and Germania
1815-28
Neue Pinakothek, Munich

3 Comments:

Blogger João Barbosa said...

Mais um belo texto. Felizmente há belogue e Beluga para o escrever.

27/7/07 2:50 da tarde  
Blogger AM said...

dois "reparos" apenas

um para o Millais que me parece um pouco "metido a martelo"
outro para a redução do estilo Gótico em Itália à Catedral de Milão (há mais vida para além do... e os santos de Assis - entre outros - que o contem...)
essa ideia de uma Itália "pura" e "clássica", "sem" Gótico(s) (do "norte"...) é uma fábula da caverna, da mesma família que a ilusão de um Alentejo Gótico... e sem "Barroco"...
coisa de historiadores... parece-me

outra coisa... não sei o que pensar do "José"... Quero dizer... criar o filho do (outro) Senhor (ainda que para o "função" do martírio...), ensinar-Lhe uma profissão e dar-Lhe a ler os textos sagrados, é "louvável" (não é?...), mas onde estava o "José" (não pergunto - blasfémia... - na "hora" da concepção...) na angustia de Gethsemane ou no sofrimento do calvário?

desviei-me... (a posta é sobre as gajas...)

(I like boring things)

27/7/07 9:15 da tarde  
Blogger Belogue said...

Caro João Barbosa:
Pelos vistos, com falhas. Vou ali ajoelhar-me em milho partido.

Caro AM:
Tentei responder-lhe em post. Não sei se fui capaz.

29/7/07 11:38 da tarde  

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