terça-feira, março 06, 2007

- não vai mais vinho para essa mesa -
Eu não vos tinha visto, estava para não parar, não fizeram sinal de alto, e eu não parava, depois é que comecei a olhar…
- Mas nós estávamos na paragem. Ali era a paragem, não era?
- Era, quer dizer, não é. A gente só para lá para ir buscar passageiros se os houver. Ora como vocês não faziam alto, eu não parava. Até nem paro ali, ali não é o meu sítio. Eu paro mesmo perto da saída do metro ou do centro comercial. Sabe como é. São sítios mais movimentados.
- Dão mais.
- Pois! Eu até nem era para parar. Pois vocês vão para onde?
- Vamos para X.
- X onde está o museu?
- Sim.
- Pois ora vamos lá. Cá estamos. È assim, é assim a vida. É preciso respeitar os nossos patrões e os nossos pais. Não há nada mais bonito que o respeitinho por quem nos alimenta e por quem nos educa.
-Mas isso é um hino muito antigo, é da Mocidade Portuguesa.
- Conhece?
- Sim.
- Mas você não é desse tempo. Mas olhe que é bem verdade. É por isso que o país está como está, porque a gente não respeita nem os nossos patrões nem os nossos pais, não é verdade menina. Pois está claro…. E é isto assim, e era uma canção antiga, mas coiso… A voz sossegava e esvaía-se em murmúrios irreproduzíveis que descansavam na papada, no cansaço de um dia de trabalho hipnotizante devido ao movimento do limpa pára brisas. A cidade não oferecia muita resistência aquela hora. Todos pareciam ter ficado aborrecidos com o tempo que fazia e por castigo às instituições culturais da cidade, controlada em parte pela edilidade, os habitantes tinham-se refugiado em casa a ver a Paula Moura Pinheiro a agitar aspas no ar e o Delfim Sardo a dizer que o fotojornalismo se assemelhava ao trabalho de paparazzi. (cuidado que a paris hilton está em black out). A conversa, o monólogo, voltava quando a proximidade das traseiras de um autocarro trazia o táxi aos solilóquios que acordavam logo um morto. Recomeçava:
- Pois isto cá está uma vergonha. Este sacana que está à nossa frente não nos deixa passar. E a gente vai ter que ficar aqui porque… porque ele tem razão. Até foi um tipo porreiro. Fez aquela manobra e coiso, a gente veio para aqui. Ora não é verdade? Ora pois então vocês são jornalistas? São da comunicação social? Então o que vão lá fazer. Há alguma coisa agora à noite?
- Há um concerto.
- E então vocês coiso, vão sozinhas. Pois isto é perigoso. Isto não é como em França. Em França, sabe como é?
- Sei – a olhar para o vidro para conter o riso – de um lado mete-se a moeda, do outro sai a criança.
- Pois muito bem, sim senhora. Está bem. Mas não sabe como é na Suiça, pois não?
- Não, mas tenho a certeza que me vai contar.
- Ora na Suíça é que perigoso, de um lado mete-se a moeda e sai “um das caldas”.
- “Um das caldas?” Isso é de facto perigoso.
- É, não é, menina? Ora pois bem, estamos quase a chegar. É rapidinho. É que a gente já está habituado, é um percurso pequeno.
- Preferia um maior?
- Preferir preferia. Mas assim também está bem. Eu não sou esquisito. Não gosto é de certos clientes que fazem confusão e coiso… São 430.
- Como?
- Era a brincar, isso era antigamente. São 4 euros e 30. E mesmo assim olhe lá que são sempre 800 escudos. A vida está cara, está tudo caro.
- As coisas não estão caras, a gente é que ganha pouco.
- Mas goza muito. Aproveitem meninas.
- Adeus, boa noite.
- E desculpem lá a minha conversa, mas a gente tem de dizer alguma coisa, não é? Para animar e coiso…