terça-feira, agosto 15, 2006

- short stories -
Já algum tempo tinha encontrado uma motivação extra - caso ela fosse mesmo necessária, o que não se verificava - para ir à natação. Não ia lá de propósito nos dias em que sabia ir encontrá-lo, nem programava assim a sua vida, depilação incluída, tendo em mente esses mesmos dias. Ia nos seus, se possuísse alguns e se o encontrasse, tanto melhor. Ele parecia nem reparar nela e de facto nunca reparou a não ser daquela vez que ao olhar para o relógio viu que ela fez os 50 metros costas em muito menos tempo que ele. Quanto a ela, sabia-lhe o nome da filha - uma miudinha chamada Mariana

[-Mariana, não vás lá para fora sem vestir o casaco. Estás a ouvir filha?]

-, acreditava que era viúvo, porque não queria sentir-se culpada por gostar cada vez mais da natação caso ele fosse casado e não usasse aliança. Devia por isso ser solteiro, dizia-lhe a moral e o sexto sentido que não era nenhum. Gostava de o ver de calções mas não fantasiava com isso, gostava só de o ver. Nem nunca lhe ocorria naqueles momentos que ele se lembrasse da cara dela fora do microcosmos líquido em que se encontravam. Em que ela o encontrava. No máximo, lembrar-se-ia de um fato de banho vermelho e de umas pernas em rã que fizeram os 50 metros costas em menos tempo que ele.

Foi por isso que quando o viu numa destas noites de Verão a passear a família num centro comercial, sentiu um certo alívio. Ele era um tipo comum, simples, para não dizer simplório, com esposa de casamento arrefecido, e afinal duas crianças: a Mariana e uma outra que ainda bolçava no ombro da mãe. A mãe e esposa era a criatura mais comum que ela podia imaginar: loira falsa, cabelo apanhado de uma saída de praia, a barriga a crescer sobre o cinto, a chinelar, nem bonita nem feia... Normal. Alívio, por se sentir assim livre da inglória mas obrigatória tarefa de seduzir. Talvez até um pouco feliz por perceber finalmente o que não queria: não queria um maridinho de brincar, filhos obrigatórios para, segundo o mulherio, ser uma mulher a sério, para consolidar a união, não queria chinelar em centros comerciais, não queria ter de gritar com as crianças quando se portassem mal, não queria "ser de companhia".

Mas continuava a querer qualquer coisa dentro desse leque que não sabia definir. Algo simples que não exigisse almoços em família, lugares marcados frente a frente, guardanapos bordados a ponto de cruz com as suas iniciais, uns lençóis brancos nupciais oferecidos com um olhar maroto. Tinha noites muito mal dormidas: duas horas de sono e de novo acordada. Isso porém não a preocupava. O que a deixava suspensa no tempo era a sua irrelevância, o nunca ter sido nada para ninguém, o não ter deixado saudades, um pensamento casual, um resquício qualquer. Seria tal possível ou era apenas uma neurose? Não, era verdade.

2 Comments:

Blogger Rato said...

Short Story.

Não olhava para ele sem lhe querer tocar, só imaginava como seria abraça-lo e beija-lo. Mas como poderia ser? Seria hetero, gay, amigo, amante? Estaria bem? So pensava em tocar-lhe.
Depois de muita azafama e vontade de o esquecer, ou de se esforçar para ele o notar, talvez sangrando, gritando ou qualquer outra coisa. Ele finalmente o notou... e disse: Não sou o que tu procuras... o que tu me queres dar já há quem me o dê!!!
Fiquei indignado e triste. Mas percebi que era um desencontro, e que se repeteria vezes sem conta... pois afinal muito de gostar é não ser gostado.

Eu tenho SAUDADES tuas. tenho sim

16/8/06 7:53 da tarde  
Blogger Belogue said...

Pode ser que a gente se encontre este fim de semana.

17/8/06 5:23 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home