quinta-feira, fevereiro 02, 2006

TÃO LÍRICOS QUE NÓS ESTAMOS

O que fazer quando Orlando acaba?



[sobre o amor]
"Perguntou-se quem até então amara. Que seres lhe haviam despertado a paixão? Uma velha, nada mais que pele e osso. Uma vasta comitiva de prostitutas de faces rosadas. Uma freira rezingona. Uma aventureira de boca cruel. Um monte de rendas e boas maneiras mas sem vontade própria. Para ele, o amor outra coisa não fora senão pó e cinza. Os prazeres que experimentara sabiam-lhe agora a nada. Admirava-se como fora capaz de passar por tudo aquilo aem bocejar." (pág. 25)

" (...) qual seria a forma mais simples de explicar o que é o amor. «Uma composição semelhante à que acabei de fazer é completamente falsa», argumentava, «pois não há libelinha capaz de viver no fundo do mar, salvo em circunstâncias excepcionais, claro. E, se a literatura não for a noiva e a amante da verdade, então que poderá ser? Mas isto é tudo muito confuso»" (...) (pág. 61)
"Pois o amor...bom, o melhor será pô-lo de parte por alguns instantes e contar as coisas tal como elas se passaram." (pág. 69)
"Pois o amor, ao qual podemos de novo regressar, tem duas faces: uma branca, outra negra, e dois corpos: um macio, outro áspero. Tem duas mãos, dois pés, duas unhas, para dizer a verdade, possui sempre dois exemplares do mesmo membro, e um é o oposto do outro. Contudo, encontram-se de tal forma ligados que é impossível separá-los." (pág.69)
"(...) Ao ouvir estas palavras, sentiu-se percorrida de um arrepio. As aves cantaram, as águas rolaram. Lembrou-se do prazer que sentira ao ver Sasha pela primeira vez, há centenas de anos. Nessa altura fora a sua vez de perseguir; agora competia-lhe fugir. Qual dos êxtases é o maior? O do homem, ou o da mulher? Serão eles equivalentes? Não, concluiu depois de ter agradecido e recusado o capitão. O feminino era mais deliciosa: recusar e vê-lo franzir a testa." (pág.90)
"Tentaram-se todos os subterfúgios para conseguir transmitir um pouco de calor aos sentimentos. Amor, nascimento e morte, tudo foi envolto nas mais belas frases. O abismo entre os sexos cavou-se ainda mais. Deixaram de se tolerar conversas abertas. Ambas as partes praticavam a dissimulação e as evasivas." (pág. 130)
"Terá Orlando feito alguma destas coisas? Oh, não, mil vezes não, Orlando nunca fez nada disto. Deveremos então admitir tratar-se ela de um desses monstros que não conhecem o amor? Gostava de cães, era fiel aos amigos, a generosidade em pessoa para com uma dúzia de poetas esfomeados, e revelava possuir uma enorme paixão por poesia. Mas o amor (...) nada tem a ver com ternura, fidelidade, generosidade ou poesia. O amor é deixar as roupas deslizar e ...." (pág. 152)

[sobre o enfado da vida]
"Depois vai ao canil do rei e compra-me o mais belo casal de galgos que encontrares. Trá-los sem demora. É que...», murmurou ele quando se voltava de novo para os livros, «já estou farto dos homens»." (pág. 58)
"(...) um homem capaz de não pensar duas vezes antes de encabeçar uma carga ou de se envolver num duelo - era dado à letargia própria do pensamento, sendo-lhe de tal forma susceptível que sempre que vinham à baila os problemas da poesia ou da sua competência nesse campo, se mostrava tão tímido como uma qualquer jovenzinha escondida atrás da saia da mãe." (pág. 61)
[sobre as mudanças]
"Orlando transformara-se em mulher - não vale a pena negá-lo" (...) "Para nós basta constatarmos o seguinte: Orlando pertenceu ao sexo masculino até aos 30 anos, depois do que se transformou em mulher, assim permanecendo." (pág. 81)
"(...) há o ter que ser casta todo o ano...»" (pág. 91)
"O certo é que não precisou de muito tempo para começar a perguntar-se a si mesma, pois só o cão, Pippin, lhe fazia companhia, o que poderia haver de errado consigo. Estava-se então numa terça-feira, 16 de Junho de 1712; acabara de regressar do grandioso baile realizado em Arlington House; (...)" (pág. 111)
"«É um lindo menino, 'minha' senhora» diz Mrs. Banting, a parteira, colocando o primeiro filho nos braços de Orlando. Por outras palavras, às 3 horas da manhã do dia 20 de Março, terça-feira, Orlando deu à luz um menino." (pág. 166)
"E então soou a décima segunda badalada da meia noite; a décima segunda badalada da meia-noite de quinta-feira, 11 de Outubro de 1928." (pág. 184)